A eleição é a grande fraqueza da esquerda pequeno-burguesa. Ao mesmo tempo que só pensam nisso, não conseguem sequer entender como funciona um processo eleitoral. Ignoram que é um jogo de cartas marcadas da burguesia, acreditam ser um processo minimamente democrático, algo cada vez menos real com a decadência do imperialismo. É o caso de Valter Pomar, colunista do Brasil 247, que publicou o texto Viva (parte da) França!, em que ele erra sua análise tanto sobre a Inglaterra, quanto sobre a França. Nos dois países, a direita foi vitoriosa com um golpe eleitoral.
Ele começa com o caso inglês: “cabe responder, então, como os trabalhistas elegeram mais parlamentares agora (410) do que nas eleições de 2019 (202) e de 2017 (262). A resposta é um combo: primeiro, o sistema eleitoral britânico (distrital) não é tão democrático assim; segundo, os conservadores desabaram; terceiro, parte do eleitorado conservador votou na extrema direita. E, com os concorrentes divididos, mesmo tendo menos votos, o Labour conseguiu eleger mais parlamentares. No curto prazo, resta saber o que os trabalhistas farão com essa maioria avassaladora”.
Isso é tudo verdade, mas não é a questão política crucial. O Partido Trabalhista (Labour) foi vitorioso, pois a burguesia preparou por anos o seu retorno. Expurgaram toda a sua ala esquerda, liderada por Jeremy Corbyn, e, agora, o partido é dirigido por um direitista pior que Macron, Keir Starmer. Ele é um homem da OTAN, do sionismo, do aparato de inteligência da Inglaterra e dos banqueiros. Falar da eleição inglesa sem falar que esse é o novo primeiro-ministro é um absurdo. É uma demonstração de incompreensão total do que aconteceu. A burguesia deu um golpe nos trabalhistas e assim os colocou de volta ao governo.
Então, ele analisa o caso da França. Ele afirma que é preciso estar “atento e forte” e explica: “motivo 1: na contabilidade de parlamentares eleitos, a extrema-direita ficou em terceiro lugar. Mas, nos votos populares, a extrema direita teve a maioria relativa, ficando na frente da Nova Frente Popular e na frente do macronismo.Motivo 2: para que os amigos Macron, Mélenchon e Hollande componham um governo que ‘atenda aos interesses do povo francês’, será preciso que Macron e Hollande deixem de lado suas políticas neoliberais”.
Aqui, já começam as teses fantasiosas eleitorais. Sem aparente ironia, ele afirma que Macron, Mélenchon e Hollande são amigos! A confusão de Hollande com Mélenchon faz sentido, ambos estão dentro da mesma frente, a Nova Frente Popular (NFP). Mas é absurdo falar que Mélenchon é amigo de Macron. Ele é justamente o candidato de oposição à esquerda do presidente francês. Sua política é radicalmente contra o neoliberalismo de Macron, por isso a França Insubmissa (FI) de Mélenchon se tornou a maior força da esquerda.
Mas é preciso dizer também que, apesar da Frente, Hollande não é amigo de Mélenchon, é um falso aliado. O Partido Socialista (PS) de Hollande é tão ruim quanto Macron. Eles são neoliberais e imperialistas da mesma forma, são uma espécie de PSDB, de esquerda apenas no nome. Por isso o FI havia tomado o lugar tradicional do PS no parlamento francês. Os dois amigos nessa história são Macron e Hollande, dois imperialistas neoliberais. Afinal, Macron foi secretário-geral adjunto do presidente Hollande!
Aqui está o ponto crucial. Mélenchon está brigando entre os lobos da política francesa. Ele, seu partido e, principalmente, os trabalhadores franceses foram vítimas tanto de Macron, quanto do PS nessas eleições. Acreditar que Macron e Hollande deixarão a política neoliberal, como sugere Pomar, é o mesmo que acreditar que FHC deixaria de ser neoliberal.
Pomar, então, começa a debater com Tarso Genro. Ele cita a tese do petista: “a estupenda vitória da democracia na França, contra a extrema direita e os demais herdeiros de Vichy, conjugada com a vitória dos trabalhistas ingleses que voltam ao Governo depois de 14 anos, recupera – na Europa – o oxigênio da democracia liberal“. E, a partir disso, critica a sua posição, afirmando que a democracia liberal não é uma garantia.
Pomar depois afirma: “se a esquerda colocar como seu limite ‘defender a democracia liberal’, será questão de tempo para sermos derrotados. Uma coisa é fazer uma frente eleitoral, outra coisa é aceitar – como programa máximo – o programa dos liberais”. É fato que defender a “democracia liberal” é o caminho para a derrota da esquerda. Mas a frente eleitoral foi exatamente isso. O PS e os Ecologistas são os partidos da “democracia”, assim como Macron. O FI se submeteu a essa frente e, por isso, quase não cresceu como partido.
De certa forma, o grande triunfo de Macron nessas eleições foi que a esquerda não cresceu no Parlamento. Dentre os partidos da NFP, os dois que mais cresceram foram o PS e os Ecologistas. Na prática, a FI ficou estagnada. Ou seja, a esquerda propriamente se estagnou e a “democracia liberal” conseguiu se manter forte às custas da esquerda. O FI, caso não tivesse entrado nessa frente, teria crescido muito mais. Macron, o maior inimigo da classe operária francesa, estaria muito mais fraco. Mas Pomar não compreende nada disso.
Ele argumenta: “a defesa da legalidade democrática é absolutamente insuficiente para derrotar o fascismo. Ou temos políticas populares, ou mudamos a economia e a sociedade, ou ‘radicalizamos a democracia’ (como no passado diziam algumas pessoas, que hoje pouco ou nada falam disso), ou o fascismo seguirá nos infernizando. Aliás, é por isso que desta vez a esquerda francesa conseguiu liderar o enfrentamento do fascismo”.
Novamente, ele toca na questão correta de que defender a legalidade democrática não detém o fascismo. É preciso travar uma luta “popular”, nos termos de Pomar, uma luta com uma pauta de reivindicações dos trabalhadores, uma luta contra o neoliberalismo, no caso da França, contra a OTAN e contra os sionistas. Ele afirma que a esquerda conseguiu fazer isso na França, não é verdade.
O principal motivo da derrota de Le Pen foi o sistema eleitoral antidemocrático francês. Isso gerou o resultado absurdo que o partido com 10 milhões de votos, 40% a mais do que a NFP, no fim terminou com menos cadeiras que essa frente e até menos cadeiras que Macron. Caso houvesse mais democracia na França, a esquerda teria sido derrotada pela extrema direita. O motivo é justamente por a esquerda não apresentar essa pauta de reivindicações, enquanto o partido de Le Pen aparece como combativo, mesmo que com uma política de direita, demagógica.
Ele conclui: “a esquerda francesa não apenas se uniu no primeiro turno, não apenas chamou a unidade anti-fascista no segundo turno, a esquerda francesa também apresentou um programa de esquerda”. A realidade é o extremo oposto. No segundo turno, enquanto a esquerda de verdade, o FI e os outros partidos menores, deveriam apresentar um programa de esquerda, se aliaram com os antigos algozes dos trabalhadores. Ao invés de aparecer como uma frente de luta, fizeram a frente com o centro político falido.
Ao brincar com os lobos, pagaram o preço. Os Ecologistas e o PS cresceram às custas da esquerda. Mas, infelizmente, quem de fato pagará o preço pelos erros da esquerda é a classe operária francesa. Esta, ao se levantar, tende a criar um partido que realmente lute contra a burguesia com afinco.