Alexandre de Moraes

A esquerda deve se livrar da República de ‘Xandão’ enquanto há tempo

A defesa de figuras como Moraes e a aceitação da escalada repressiva colocam a esquerda no lado errado da história, ao apoiar um regime que só trará mais opressão e censura

Desnorteada desde a sequência de derrotas iniciadas com o golpe de 2016, a esquerda brasileira tem adotado uma posição preocupante ao apoiar os atos cada vez mais autoritários do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, apelidado como “Xandão” desde o começo de sua campanha contra o bolsonarismo, ainda no governo golpista de Jair Bolsonaro. Essa postura lembra a mesma capitulação que tanto a direita quanto setores da esquerda norte-americana assumiram após o 11 de setembro de 2001, quando os Estados Unidos aprovaram o infame Ato Patriótico, justificando uma ofensiva aos direitos democráticos inédita na história do país, em nome da segurança nacional.

No Brasil, com a desmoralização total das direções das principais organizações de esquerda, Moraes ocupou o vácuo deixado pela desorientação, sendo transformado numa espécie de herói da defesa do regime democrático. Paradoxalmente, a euforia da esquerda pequeno-burguesa com “Xandão” aumentava tanto mais quanto ele mesmo aumentava sua escalada repressiva contra os direitos da população.

Apoiar os ataques de Moraes ao que resta de direitos sob o pretexto de que ele estaria protegendo a “democracia” é, no mínimo, um equívoco gravíssimo. O que está acontecendo, na prática, é a legitimação de medidas extremamente abusivas, que gradualmente, estão empurrando o País a um Estado de exceção.

Essa escalada não se restringe aos inimigos de ocasião da esquerda pequeno-burguesa, mas abrirá precedentes perigosíssimos para o futuro. A aprovação dessas medidas repressivas, por parte da esquerda, é, em essência, um ato de autossabotagem.

Ao validar essas ações arbitrárias, os próprios defensores dessas práticas estão construindo um ambiente onde o poder de repressão será ainda maior e, fatalmente, se voltará contra o povo, como temos visto em casos que se avolumam, como a perseguição ao deputado Glauber Braga (PSOL-SP), a censura ao sítio Diário do Centro do Mundo, os ataques ao jornalista e militante do PT Breno Altman e a ofensiva da ditadura judicial contra o PCO. O partido sofre um cerco da burocracia, que envolve inclusive pedido de cassação do registro partidário e mais recentemente, o golpe do TSE contra a agremiação, representado pela retenção criminosa do fundo eleitoral a que o partido tem direito. 

A história é clara: regimes de exceção, uma vez estabelecidos, não distinguem entre esquerda e direita. Se hoje o alvo são os adversários políticos da esquerda, amanhã serão os próprios setores progressistas a serem perseguidos.

Essa escalada repressiva, na qual o Estado é transformado num aparato de controle e censura, não beneficia os trabalhadores e nem serve aos interesses das massas operárias, muito pelo contrário. A ideia de que, em momentos de crise, é necessário dar poderes excepcionais à burguesia, a qualquer pretexto que for, é um erro que sempre terminou de maneira catastrófica para os setores oprimidos.

A burguesia não precisa de mais poderes para reprimir o povo, pelo contrário. Nos momentos de crise, o que a classe trabalhadora precisa é de um controle popular efetivo sobre qualquer tipo de poder, para garantir que eles não sejam usados contra os trabalhadores.

Não há justificativa para entregar, de bandeja, ferramentas de opressão nas mãos da classe dominante, que sempre usará esses recursos contra os interesses da maioria oprimida. No Brasil, a esquerda está caindo nessa armadilha ao apoiar as ações de Moraes e sua versão não declarada de Estado de sítio.

A atuação de Moraes é, em muitos aspectos, mais abusiva do que o próprio Ato Patriótico norte-americano. Apesar de todas as suas medidas reacionárias e de ataque às liberdades democráticas, o Ato Patriótico foi aprovado como uma lei formal e seguiu o rito legal de um Estado burguês normal, por meio de aprovação do seu conteúdo por representantes eleitos para tal. No entanto, no Brasil, o que estamos presenciando é a criação de um Estado de sítio informal, sem qualquer respaldo legal ou fiscalização.

Moraes, ao tomar decisões monocráticas que afetam diretamente os direitos civis e políticos, de indivíduos e organizações, ultrapassa qualquer limite previsto pela própria Constituição.

A Carta brasileira, mesmo com todos os seus elementos reacionários, ainda prevê mecanismos específicos para a adoção de regimes de exceção, com regulamentações claras e restrições bem definidas. O que Moraes está fazendo, no entanto, é atuar à revelia desses dispositivos, criando um cenário onde ele mesmo é o único árbitro das decisões que tomam forma de repressão.

É uma aberração jurídica e institucional, digna de episódios golpistas como a “República do Galeão” criada para derrubar Getúlio Vargas, a “República de Curitiba” da famigerada operação Lava Jato. A esquerda, ao apoiar toda a loucura, está basicamente defendendo um novo “AI-5”, uma arquitetura institucional onde o único requisito para que uma determinada medida ocorra é que ela passe pela cabeça lustrosa de Alexandre de Moraes.

Do ponto de vista tático, a esquerda está cometendo um erro catastrófico ao apoiar essas ações. Ao legitimar os abusos de Moraes, ela está, na verdade, construindo o ambiente perfeito para sua própria derrota. A repressão que hoje atinge a direita será, infalivelmente, usada contra uma invasão de terras do MST, contra uma ocupação de escola ou universidade, contra uma greve, etc

A história, remota ou recente, é muito didática e não deixa margem para dúvida: uma vez aceito e institucionalizado, o clima repressivo não se restringe a um grupo político específico. Atinge duramente todos, porém, é especialmente duro contra a esquerda.

Do ponto de vista de princípios, essa postura é ainda mais indefensável. A esquerda, que deveria ser a principal defensora dos direitos e das liberdades democráticas, está abdicando mão de suas reivindicações históricas para apoiar um aparato repressivo que, no final das contas, serve aos interesses da burguesia.

Em vez de lutar pela ampliação das liberdades e pela proteção dos trabalhadores contra o arbítrio estatal, o campo político está se unindo à burguesia na promoção de um regime de terror que só beneficiará a classe dominante.

Esse erro estratégico coloca a esquerda num caminho sem volta, onde ela estará cada vez mais associada à repressão e ao controle, afastando-se das bases populares e dos trabalhadores. A defesa de figuras como Moraes e a aceitação da escalada repressiva colocam a esquerda no lado errado da história, ao apoiar um regime político que só trará mais opressão e censura.

A esquerda precisa retomar seu papel histórico de defensora das liberdades e dos direitos democráticos, ao invés de se alinhar com um Judiciário burocrático e corrupto, que age de forma autoritária e fora dos limites constitucionais. O caminho para derrotar o fantasma do fascismo não passa pelo apoio a medidas de exceção, mas pela luta contra a burguesia, contra toda forma de repressão e controle estatal, seja ela dirigida a quem for. É preciso abandonar “Xandão” agora, para não sofrer as consequências de se tornar fiadora da escalada do verdadeiro fascismo.

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