Chamada pelos inimigos do governo Lula de “MP do fim do mundo”, a Medida Provisória 1.227/2024, ou simplesmente MP 1.227, vem levando a um novo impasse na política nacional. Anunciada pelo governo federal, a medida propõe limitar o uso de créditos tributários do PIS/Cofins para abatimento de outros tributos. Isto é, limita a isenção fiscal de empreendimentos capitalistas. Ela não aumenta propriamente os impostos, mas diminui a margem de manobra para que os capitalistas se eximam de pagar tributos.
O objetivo de tudo é aumentar a arrecadação. Essa tem sido, inclusive, uma questão central para o governo. Afinal, a forma que Lula encontrou para superar o teto de gastos implementado pelo governo de Michel Temer (MDB), logo após o golpe de Estado de 2016, foi a aprovação do engenhoso “arcabouço fiscal”. Um mecanismo que, embora mais flexível que o teto de gastos, obriga a União a aumentar a arrecadação nacional para que, com isso, possa aumentar os gastos sociais. Sem um aumento na arrecadação, o dinheiro disponível para gastos sociais pode, inclusive, acabar sendo reduzido em comparação ao ano anterior.
Devido ao “arcabouço fiscal”, portanto, o próprio sucesso econômico e mesmo social do governo dependem de uma maior arrecadação. O que torna tudo ainda mais complexo é que a carga tributária no País já é muito alta e que ela recai fundamentalmente sobre a população pobre. Para aumentar a arrecadação, portanto, o governo terá de expropriar ainda mais a população, o que poderá levar a uma grande crise com a sua base, que se encontra economicamente devastada pelos governos golpistas, ou entrar em choque com os capitalistas, o que ele tem evitado, pois trará mais instabilidade.
Em meio a esse conflito de interesses, o governo chegou a um acordo com o Congresso Nacional para, em fevereiro, conceder isenções fiscais a 17 setores da economia. A política de desoneração fiscal, ainda que seja apresentada pela burguesia como uma política de caráter “desenvolvimentista”, é uma farsa. Ela consiste em dar ainda mais dinheiro do Estado na mão dos capitalistas para que esses, em vez de investir na produção, apliquem no mercado financeiro. Nesse sentido, a política que o governo deveria levar adiante para desenvolver o País e aumentar a geração de empregos seria a de conceder benefícios aos pequenos empresários, e não aos grandes monopólios industriais.
A MP 1.227 é, portanto, uma forma que o governo encontrou de “recompensar” as perdas de arrecadação com a desoneração anterior. É uma política de remendar aquilo que já foi aprovado devido à pressão do Congresso Nacional. No entanto, como implica na redução dos lucros dos capitalistas, está causando um grande tumulto.
O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) interrompeu uma viagem à China com o governo brasileiro para protestar contra a medida. Desde então, a confederação vem articulando outros setores em protesto. O chamado “agronegócio” – isto é, os representantes dos latifundiários – também abriram o berreiro contra a MP 1.227. Por fim, o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), entrou com uma ação de inconstitucionalidade. A medida, portanto, causou uma crise, que expressa bem a pressão dos capitalistas contra o governo para que esse ceda tão-somente aos seus interesses. Isto é, para que o governo não aumente o salário mínimo de maneira expressiva, não conceda as reivindicações dos professores e técnicos-administrativos, mas faça tudo aquilo que a burguesia pedir.
A crise em torno da MP 1.227 tem evoluído de tal forma que expressa mais que uma mera queda de braços. Diante de um cenário em que a direita já começou a sair às ruas pelo “fora Lula”, a tentativa de impor uma derrota ao governo já começa a ganhar contornos golpistas. Chama muito a atenção que, em programa recentemente veiculado na Rede Bandeirantes, o apresentador tenha criticado duramente não apenas a medida, mas o governo, que estaria “governando por medida provisória”, impondo sua política “goela abaixo” e “obrigando o Congresso a reagir”. Trata-se de uma campanha muito semelhante à que a grande imprensa realizou nos anos de preparação para o golpe de 2016, quando procurou disseminar uma onda de grande hostilidade ao governo de Dilma Rousseff.
O recente anúncio da desistência dos leilões de arroz, por parte do governo, também é um mau sinal. É um recuo diante da pressão da direita contra as políticas do governo que vão no sentido de promover algum interesse social real. A crise em torno da MP 1.227 mostra, portanto, que a margem do governo para chegar a um acordo com a direita está cada vez menor.