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STF

A ‘coragem’ de defender uma ditadura

Esquerdista apresenta Flávio Dino como valente defensor da Constituição, quando o que fez foi queimá-la

O artigo Guimarães Rosa, Flávio Dino e a coragem, escrito por Bepe Damasco e publicado no portal Brasil 247 tenta, de forma ardilosa, apresentar as medidas do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino como um ato de coragem, “entrar em campo e chacoalhar o mundo político em defesa da Constituição”. O que o eufemismo espalhafatoso esconde, no entanto, é uma grave violação dos princípios constitucionais e democráticos. Isso porque a decisão de Dino de bloquear emendas parlamentares e interferir na execução do orçamento público não apenas desafia a Constituição, mas também afronta a autonomia dos poderes, implicando em um recrudescimento da ditadura judicial.

Em primeiro lugar, a Constituição Federal é clara ao definir as competências dos poderes da República. O controle do orçamento é prerrogativa do Executivo e do Legislativo, não do Judiciário. Com esse fato bloquear as emendas parlamentares, Dino não está defendendo a Constituição, mas estuprando-a. 

A Constituição Federal de 1988 estabelece as competências dos órgãos envolvidos na elaboração e execução do orçamento público nos seguintes artigos:

Artigo 165:

  • Define que o Poder Executivo é responsável pela elaboração do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA).
  • O Congresso Nacional é responsável pela apreciação e aprovação dessas leis orçamentárias.

Artigo 166:

  • Estabelece o processo legislativo para a discussão e votação das leis orçamentárias, incluindo a participação das comissões permanentes do Congresso Nacional.

Artigo 167:

  • Dispõe sobre as vedações relacionadas ao orçamento, como a proibição de iniciar programas ou projetos não incluídos na LOA e a vedação de créditos ilimitados.

Artigo 70:

  • Atribui ao Congresso Nacional a competência para fiscalizar a execução orçamentária, com o auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU).

 

Eis os artigos que delimitam as responsabilidades no processo de elaboração e execução do Orçamento. Nota-se que a Constituição não atribui papel algum ao seu “guardião” no que diz respeito a esta matéria, e aqui, vale lembrar a máxima de que ao contrário do cidadão, que é livre para fazer tudo o que a lei não proíbe, o Estado é proibido de fazer qualquer coisa sem que haja uma lei autorizando, ou norma constitucional no caso em questão.

A verdadeira coragem de Dino, à luz do que diz a carta constitucional, é a de agir fora da lei. Temos, portanto, a explícita violação da isonomia entre os poderes, ao atribuir ao Judiciário uma competência que é exclusiva do Legislativo e do Executivo, como a Constituição diz de maneira taxativa. Expressando o que pensa a esquerda pequeno-burguesa, o colunista de Brasil 247 aplaude essa verdadeira agressão aos limites de atuação do Judiciário, sem medir as consequências do que está apoiando.

É uma premissa básica de um regime minimamente democrático, que o orçamento seja decidido por representantes eleitos pelo povo, não por burocratas que não representam a vontade popular. Dino, ao interferir no orçamento, age como se estivesse acima das normas constitucionais, o que configura um verdadeiro abuso de poder e pior, sob aplausos da esquerda pequeno-burguesa, que expressam suas tendências antidemocráticas por meio de artigos como o de Damasco.

Pode escapar ao autor e muitos esquerdistas, mas o Brasil já viveu em um passado não muito remoto uma experiência similar, com a violação da isonomia entre os poderes, não pelo Judiciário, mas por outra burocracia: as Forças Armadas. O autor tenta pintar Dino como um defensor da moralidade pública, mas o que ele realmente defende é a concentração de poder nas mãos de uma elite judicial, que age sem qualquer controle ou fiscalização popular.

Ao apoiar a medida de Dino, o autor está, na verdade, defendendo uma ditadura judicial, onde juízes e ministros não eleitos pelo povo decidem o destino dos recursos públicos. Isso já aconteceu na época da Ditadura Militar, quando o odiado regime de arbítrio centralizou o poder e eliminou qualquer forma de controle democrático sobre as finanças públicas, entre outros aspectos da política. Será que é esse o modelo de regime que o autor considera “progressista”?

A coragem que o autor exalta é, na realidade, a coragem de violar a Constituição. Não há nada de corajoso em usar o poder judiciário para esmagar o mínimo de garantia democrática. O que Dino está fazendo é colocar o Judiciário acima da lei, reforçando o papel do STF como um instrumento de dominação política. 

A defesa das ações de Dino é, no fundo, uma apologia a uma ditadura em que burocratas, sem mandato e sem qualquer compromisso com a vontade popular, controlam um dos aspectos mais cruciais do regime político: a distribuição de recursos públicos. 

A esquerda precisa questionar se é esse o tipo de regime que atende os interesses dos trabalhadores, camponeses e estudantes. Um regime onde um Judiciário dominado pelo imperialismo decide tudo. Trocam-se as fardas militares pela toga dos juízes, mas o arbítrio é o mesmo. Se isso é progressista, porque não se juntar aos bolsonaristas e defender a volta da Ditadura Militar de uma vez por todas?

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