O site de jornalismo investigativo MintpressNews publicou uma análise sobre como a grande imprensa norte-americana aborda a situação atual no Iêmen. O estudo teve como alvo as publicações de quatro dos principais veículos de comunicação do país: The New York Times, CNN, Fox News e NBC News. A amostra de artigos analisados foi de 60, sendo os 15 artigos relevantes mais recentes de cada um dos meios de comunicação estudados, todos publicados entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024. O MintpressNews conduziu também uma entrevista com o porta-voz do grupo Ansar Alá, chamado comumente na imprensa burguesa de Huthis.
O primeiro ponto apontado no estudo é justamente a recusa em adotar o nome correto do grupo político, Ansar Alá, que significa Partidários de Deus. O grupo também não é citado em grande parte dos artigos como uma força governamental, mesmo controlando a maior parte do Iêmen e enfrentando há anos ataques da Arábia Saudita contra seu país. Cerca de um quarto dos artigos se refere ao grupo como “terrorista”. Já “Israel”, que já matou dezenas de milhares de civis e forçou o deslocamento de quase dois milhões de palestinos, só é citado como terrorista uma única vez, numa rara citação de Mohamed Ali al-Houthi que apareceu na CNN.
O apoio político e militar do governo do Irã ao Ansar Alá aparece em 59 dos 60 artigos estudados. A frase “Houthis apoiados pelo Irã” é usada dessa forma ou com pequenas variações em grandes quantidades. O estudo cita que um resumo da CNN usou sete vezes, um artigo da Fox News seis vezes e uma reportagem da NBC cinco vezes. Se trata realmente de uma doutrinação.
Em contrapartida, frases como “Arábia Saudita apoiada pelos Estados Unidos” ou “Israel apoiado pelos Estados Unidos” não aparecem em nenhum dos artigos, sendo que, nestes casos, abundam as evidências de apoio concreto. No caso dos ataques da Arábia Saudita contra o Iêmen, seis artigos chegam a mencionar o apoio norte-americano, mas sem destacar de forma tão enfática como em relação ao apoio iraniano ao Ansar Alá. O enorme apoio norte-americano a “Israel” não aparece em nenhum dos 60 artigos estudados.
O MintpressNews cita um exemplo para mostrar que esse tipo de abordagem não é algo isolado nos monopólios da comunicação. Em outubro de 2023, Mark Thompson, CEO da CNN, enviou um memorando orientando seus jornalistas a usar o complemente “controlado pelo Hamas” sempre que fosse citado o Ministério da Saúde de Gaza e os dados que o órgão divulgava sobre os mortos pelos ataques israelenses.
Outra abordagem comum a grande parte dos artigos estudados é citar os grupos que se insurgem contra o imperialismo no Oriente Médio como marionetes do Irã. Um artigo do New York Times diz que os grupos insurgentes no Líbano, Iraque, Iêmen e Gaza são manipulados pelo Irã para “causar problemas aos inimigos e a perspectiva de causar mais se for atacado”. Ou seja, a resistência palestina contra a ocupação israelense seria algo para irritar os norte-americanos, e não uma reação natural de um povo oprimido. Essa abordagem apareceu em 21 dos 60 artigos.
O artigo do MintpressNews cita o think tank “United Against Nuclear Iran” (Unidos Contra o Irã Nuclear) como um dos grandes incentivadores de uma guerra dos Estados Unidos contra o Irã. A pregação do medo de ataques com armas nucleares busca preparar a opinião pública para aceitar quaisquer ataques cometidos pelos Estados Unidos na região. Por isso, a associação do Irã com todos os grupos insurgentes da região é tão importante. Seria uma forma de carimbar esses grupos como parte desse “risco”. O rótulo de “terroristas” se encaixa perfeitamente nessa versão propagandeada pelo imperialismo.
O bloqueio imposto pelo Ansar Alá no Mar Vermelho com fins humanitários foi transformado pela imprensa imperialista em “apoio ao terrorismo”. Segundo o porta-voz do grupo na entrevista ao MintpressNews: “nossa posição é religiosa e humanitária e vemos uma tremenda injustiça. Conhecemos a dimensão e a gravidade destes massacres cometidos contra o povo de Gaza. Sofremos com o terrorismo americano-saudita-emiradense numa coligação que lançou uma guerra e impôs um bloqueio contra nós que ainda está em curso. Portanto, partimos desse ponto de vista e não queremos que o mesmo crime se repita”.
“Afirmamos a todos que só visamos navios associados à entidade sionista, não com a intenção de os afundar ou apreender, mas sim de desviá-los do seu curso, a fim de aumentar o custo econômico para a entidade sionista como uma tática de pressão para acabar com os crimes de genocídio em Gaza”, disse o porta-voz.
A ação de atrapalhar um genocídio que o mundo inteiro está assistindo foi repetidamente citada como “apoio aos terroristas do Hamas”. Segundo o porta-voz do Ansar Alá, bastaria que “Israel” parasse de bombardear a população da Faixa de Gaza para que o bloqueio fosse imediatamente levantado, porém, essa realidade só foi citada em dois dos artigos estudados. Novamente aparece a importância de caracterizar os grupos da resistência como “terroristas”.
Por fim, o Mintpress comenta sobre o envolvimento do New York Times, da Fox News e da CNN com o Estado sionista. O New York Times tem propriedades em Jerusalém Ocidental que foram confiscadas da família do escritor Ghada Kharmi durante a Nakba. Além disso, muitos de seus escritores apoiam abertamente o projeto sionista e têm parentes nas Forças de Defesa de “Israel”, aqueles que se manifestam contra o genocídio são afastados.
O dono da Fox News, Rupert Murdoch, lucra com a exploração de petróleo nas Colinas de Golã ocupadas por “Israel”. Ele é um dos principais proprietários da Genie Energy. Já a CNN tem uma política conhecida onde seus altos executivos impõem diretivas aos escritores para que o ponto de vista do Hamas jamais seja divulgado e que o partido seja apontado como único responsável pela violência que acontece atualmente.


