Em artigo publicado pelo Brasil 247, o jornalista Fernando Lavieri, ex-funcionário da IstoÉ e da revista Caros Amigos, apresentou sua “homenagem” aos cem anos da morte do revolucionário russo Vladimir Lênin. No texto, o autor diz ter “se apropriado” do pensamento leninista e, logo em seguida, tenta explicar o que o revolucionário defendia:
“Posso estar usando o conceito de maneira errônea, mas constantemente aproprio-me do pensamento de Lenin: a análise concreta da situação concreta [é a alma viva, a essência do marxismo]. (…) Há pouco, nos quatro anos de trevas em que o inominável esteve à frente da República brasileira, pensava: o que fazer? E a resposta vinha de imediato. Ou seja, a análise concreta da situação concreta. Em outras palavras, o que foi aquele período nos aspectos pessoais e coletivos? Individualmente, tínhamos de ter atenção a nossa condição de saúde, pois a extrema direita esteva no poder e, por opção, inviabilizou o melhor atendimento de saúde ao povo, impediu a população de se proteger da pandemia, o que afetou a coletividade”.
Para Fernando Lavieri, portanto, a frase de Lênin seria uma espécie de receita para a atividade política, um chavão desprovido de maiores significados, a não ser o óbvio: que a política se desenvolve no mundo real e que, portanto, é necessário analisar os acontecimentos para intervir nela.
O que Lavieri ignora, no entanto, é que Lênin, ao dizer que a “análise concreta da situação concreta” é a essência do marxismo, está apenas reestabelecendo aquilo que já havia sido dito por Karl Marx e Friedrich Engels. Isto é, que a política tem uma base material e que, portanto, há uma ciência capaz de analisar a política e os fenômenos sociais: o materialismo histórico. Dito de outra forma: não há como intervir na luta política de uma forma consciente a não ser por meio da análise da luta de classes. E que essa análise, por sua vez, deve ser feita a partir do que está acontecendo no mundo, e não a partir de um conjunto de dogmas.
O jornalista, por sua vez, não dá uma palavra sobre a questão da luta de classes. Conforme ele apresenta sua interpretação da frase de Lênin, indica que o que o revolucionário russo propunha era a improvisação como política, e não o método do materialismo histórico. E isso fica claro na questão do governo Bolsonaro.
Para o jornalista, estaríamos diante de um “governo das trevas”. Por quê? Que classes estariam envolvidas? Como o programa para a classe trabalhadora diante do governo Bolsonaro? Que programa deveria ter sido defendido pelos seguidores de Lênin durante a campanha presidencial de Lula? Qual deveria ser a política de alianças para derrotar Bolsonaro?
Essas são as questões que surgiriam de uma “análise concreta da situação concreta”. Mas não há nada disso. No final das contas, o jornalista só fala que era um “governo das trevas” porque era o que o senso comum dizia. E, portanto, era o que a própria Rede Globo dizia. Não se trata de uma realidade concreta, mas sim daquilo que a imprensa burguesa apresentava como “realidade”.
A própria burguesia apresentava o governo Bolsonaro como um “governo das trevas” para apresentar o seu programa: impedir que a oposição a Bolsonaro se transformasse em um movimento de massas e utilizar a bandeira do “combate ao bolsonarismo” para aumentar a repressão no País. Fazer coro com a imprensa burguesa nada tem a vez com análise concreta da situação concreta. Pelo contrário, é fazer uma análise oportunista, que ignora o método inaugurado por Marx e Engels, com base na “realidade” mostrada pelas telas da Globo.