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Estados Unidos

70 anos de episódio importante à luta contra o apartheid nos EUA

Decisão judicial foi marco importante para a mobilização popular que combateu a políticas de segregação racial nos Estados Unidos

Neste dia 17 de maio, comemoram-se 70 anos de um importante acontecimento na história do movimento negro nos Estados Unidos, acontecimento que desencadeou a expansão do movimento pelos direitos dos negros no país. Foi a ocasião em que a Suprema Corte dos EUA julgou o caso conhecido como Brown v. Board of Education, declarando a inconstitucionalidade de práticas que promovessem, ou mesmo permitissem, a segregação racial de estudantes nas escolas públicas.

O caso se deu em meio a profundas segregação racial e exploração da população negra que marca a história dos Estados Unidos. Os negros norte-americanos se viram em uma situação em que, além de serem profundamente explorados economicamente, não gozavam de nenhum direito democrático concreto, à revelia da previsão constitucional de garantia da cidadania e da igualdade jurídica para todas as pessoas, independentemente da origem racial.

Embora a população negra tenha oposto resistência à opressão oriunda da burguesia do país, não logrou praticamente nenhuma conquista real, sendo alvo constante de perseguições, massacres e linchamentos públicos, perpetrados, principalmente, por grupos supremacistas, além de terem seu direito de participação política constantemente atacado e, em grande parte, suprimido pelas autoridades públicas.

Desse modo, até a década de 50, a mobilização da população negra se restringia a movimentos de caráter institucional, que buscavam a garantia dos plenos direitos democráticos para os negros através de manobras como litígios judiciais e lobbys legislativos, levados adiante por organizações compostas por setores da população negra, advindos, principalmente, do norte do país. Entre essas instituições, teve maior proeminência a NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor).

Contudo, a situação teve um ponto de inflexão no início da década de 50, quando protestos contra a segregação racial começaram a se multiplicar em todo o país, sobretudo por parte de estudantes negros que reivindicavam melhores condições de infraestrutura nas escolas. Naquele momento, estava vigente a separação dos estabelecimentos educacionais por raça e, inevitavelmente, à população negra, era destinada a menor parte dos recursos.

Algumas manifestações se deram, inclusive, a contragosto das instituições que se colocavam como representantes dos negros, indicando a insatisfação crescente do povo e a tendência à radicalização. Assim, o governo dos EUA foi colocado contra a parede na medida em que se evidenciava cada vez mais o caráter ditatorial da suposta “democracia” norte-americana.

Dessa maneira, a pressão exercida pela população negra deu origem a diversas ações judiciais que denunciavam o tratamento desigual conferido aos negros na sociedade, bem como as condições inferiores de vida com relação aos brancos. Uma dessas ações, ajuizada em 1954, foi feita por Oliver Brown e sua família, na qual se denunciava as práticas segregacionistas do sistema público de ensino da cidade em que residiam, no estado do Kansas, que negou à filha de Brown o acesso à escola que ficava localizada a poucos quarteirões de sua casa por ser destinada somente aos brancos. Por conta disso, a garota tinha que se deslocar, diariamente, mais de três quilômetros para estudar em uma escola de negros.

Após um julgamento desfavorável por parte do tribunal do Kansas, os Browns, sendo representados por advogados da NAACP, dirigiram a ação à Suprema Corte do país. O tribunal federal já havia votado anteriormente contra os direitos da população negra em diversos litígios, instituindo, inclusive, o infame princípio jurídico “separados, mas iguais”, que dizia que a segregação racial não violava a igualdade entre os cidadãos. Com o regime se vendo cada vez mais confrontado pela crescente pressão popular contra o apartheid, o tribunal federal votou unanimemente a favor dos Browns, por 9 votos a 0, marcando o primeiro parecer legal que apontava o caráter flagrantemente inconstitucional da segregação racial.

Contudo, não bastou uma decisão judicial favorável para que a situação de opressão dos negros fosse efetivamente alterada. A população negra encontrou forte resistência para efetivar o direito de que seus filhos frequentassem as mesmas escolas que os brancos, e o processo de integração foi extremamente lento. Em muitos estados do sul do país, o julgamento não surtiu qualquer efeito concreto, e não foram tomadas medidas para acatar a decisão judicial. Surgiram, inclusive, movimentos de reação à medida, que buscavam garantir os privilégios dos brancos. No estado da Virgínia, foi organizado um movimento que, ao invés de promover a integração, levou ao fechamento de todas as escolas do sistema de ensino entre 1958 e 1959 em um boicote que objetivava impedir a integração da população negra.

Ademais, a decisão judicial de 17 de maio de 1954 versava apenas sobre a segregação racial no âmbito do sistema público de ensino norte-americano, deixando ainda intocados todos os demais aspectos da vida social em que os negros eram preteridos. Dessa forma, a segregação persistiu ainda por alguns anos em escolas privadas, no sistema de transporte público, na habitação urbana, nas oportunidades de emprego, entre outros.

Entretanto, foi a partir desse momento que a mobilização popular dos negros começou a se intensificar ainda mais. A decisão judicial favorável – e seu consequente fracasso – atou, ao mesmo tempo, no sentido de despertar o ânimo da população e de desfazer as ilusões de que a via institucional seria por si só capaz de garantir melhores condições de vida para os negros.

Houve, portanto, uma radicalização, em que cada vez mais pessoas rejeitavam as táticas de caráter legalista e “gradualista” como meio para pôr fim à segregação racial. Como resposta à reação dos grupos supremacistas brancos, muitos militantes do movimento negro perceberam, inclusive, a necessidade de organizar sua autodefesa.

Esse cenário de grande agitação política se espalhou em todo o território norte-americano, tendo seu ápice nos anos 60, quando ganhou as feições de um amplo movimento pelos direitos civis dos negros e levou à assinatura da Lei dos Direitos Civis de 1964. Mais importante, a década de 60 testemunhou o surgimento de grupos com maior grau de consciência para as causas da opressão vivida pelos negros. Na medida em que a grande maioria da população negra não obteve melhorias significativas nas suas condições de vida, percebeu-se cada vez mais a insuficiência da mera igualdade jurídica formal para atender às necessidades mais fundamentais dessa população.

Assim, houve o surgimento de figuras importantes para a história do movimento negro, como Malcolm X, e também de organizações de tendências socialistas e marxistas, como o Partido dos Panteras Negras, que defendiam a luta armada dos negros como a única alternativa para uma libertação real dessa população e para o fim da opressão dos negros nos EUA e em todo o mundo.

A recordação dessa data histórica para a luta do movimento negro se faz ainda mais importante atualmente, em que o identitarismo tem substituído a luta concreta dos negros, vinculada à luta pelo socialismo e pela revolução mundial, por uma ideologia completamente inócua para atacar as reais causas da situação de exploração vivida pelos negros. Como a história do movimento negro norte-americano mostra, só a mobilização e a luta popular são meios efetivamente capazes de garantir direitos e de levar à melhoria das condições de vida não só dos negros, bem como de todos os demais setores oprimidos da sociedade.

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