Em 30 de maio de 1968, o presidente Charles de Gaulle tomou uma medida que mudaria o curso da história francesa: a dissolução da Assembleia Nacional. Este ato, longe de ser um movimento democrático ou de estabilização, foi uma manobra estratégica para manipular a opinião pública, especialmente a pequeana-burguesia, e alienar a classe trabalhadora, que havia se levantado em uma das maiores revoltas sociais da França moderna.
O maio de 1968 foi um mês de insurreição e contestação em toda a França, iniciado por estudantes universitários e rapidamente apoiado por trabalhadores e intelectuais. A revolta começou na Universidade de Paris em Nanterre, onde os estudantes protestaram contra a discriminação de classes e a burocracia opressiva das instituições acadêmicas. Este movimento estudantil logo se expandiu para a Sorbonne, no coração de Paris, e encontrou uma feroz repressão policial.
Em 6 de maio, uma manifestação estudantil massiva foi brutalmente reprimida, com a polícia utilizando gás lacrimogêneo e cassetetes. A violência estatal transmitida pela imprensa galvanizou a opinião pública, levando a uma greve geral em 13 de maio, que mobilizou mais de um milhão de pessoas nas ruas de Paris. Esta foi uma demonstração clara do poder de mobilização da classe trabalhadora, unindo estudantes, operários e intelectuais em uma frente comum contra o governo.
Em meio ao caos crescente, De Gaulle, um líder veterano conhecido por seu nacionalismo autoritário, decidiu usar sua habilidade política para manipular a situação a seu favor. No dia 29 de maio, ele deixou Paris em segredo e voou para Baden-Baden, na Alemanha, para se encontrar com o general Jacques Massu. Esta reunião não foi apenas uma busca de apoio militar, mas um sinal claro de que De Gaulle estava preparado para usar força militar contra seu próprio povo se necessário.
Ao retornar a Paris no dia seguinte, De Gaulle fez um discurso televisionado, no qual anunciou a dissolução da Assembleia Nacional e convocou novas eleições. Em vez de buscar um diálogo com os manifestantes, ele os retratou como uma ameaça totalitária, manipulando o medo da burguesia e apresentando-se como o único baluarte contra o caos e a desordem. Este movimento não apenas alienou a classe trabalhadora, que buscava reformas genuínas, mas também consolidou o apoio burguesia, preocupada com a preservação de seus privilégios.
A dissolução da Assembleia e a retórica de De Gaulle tiveram um efeito imediato de divisão. Embora as greves e protestos continuassem, a narrativa oficial começou a mudar. Os sindicatos começaram a negociar aumentos salariais e melhorias nas condições de trabalho, desviando-se das questões políticas mais amplas. Esta mudança de foco foi uma vitória para De Gaulle, que conseguiu desviar a atenção das demandas por mudanças estruturais e reformistas.
As eleições subsequentes, realizadas em junho de 1968, resultaram em uma vitória esmagadora para os gaullistas. A burguesia, temerosa de uma revolução que pudesse ameaçar seus interesses, apoiou massivamente De Gaulle, enquanto a classe trabalhadora, desiludida e fragmentada, viu suas aspirações revolucionárias serem sufocadas pela burocracia sindical, controlada pelo stalinismo. A vitória eleitoral de De Gaulle foi, portanto, um triunfo da manipulação política sobre a mobilização popular, um exemplo claro de como o poder pode ser usado para manter a ordem estabelecida e suprimir mudanças significativas.
Os eventos de maio de 1968 deixaram uma marca indelével na história francesa e mundial. A revolta, embora suprimida, expôs as profundas divisões sociais e a insatisfação generalizada com a rigidez do sistema político e econômico. Inspirou movimentos de contestação em todo o mundo e destacou o potencial da mobilização popular para desafiar o status quo. No entanto, também mostrou como o poder estabelecido pode usar a manipulação e a repressão para manter seu domínio.
Maio de 1968 foi um momento de despertar para muitos, uma prova de que as massas, quando unidas, podem desafiar os poderes existentes. No entanto, a resposta de De Gaulle revelou as limitações dessa mobilização frente a um Estado bem organizado e disposto a usar todos os meios necessários para manter o controle. A repressão e manipulação de De Gaulle foram eficazes em curto prazo.
De Gaulle se posicionou como o defensor da ordem contra o caos, mas seu verdadeiro objetivo era preservar o poder da burguesia. Sua estratégia de dissolver a Assembleia Nacional e convocar novas eleições foi um golpe político que silenciou a oposição e consolidou seu poder. Ele foi capaz de capitalizar sobre os medos da classe média e alta, utilizando a imprensa e seu discurso para pintar um quadro de desordem que apenas ele poderia controlar.