No último dia 2 de abril, Leonardo Boff publicou um artigo, no sítio A Terra é Redonda, chamado “Democracia ecossocialista”.
A tese central do artigo é a de que o ser-humano deveria sentir-se a “própria natureza de sorte que cuidando dela, estará cuidando de si mesmo.”
Boff é teólogo, naturalmente suas ideia serão religiosos, místicas, misteriosas. “Cada um com a sua crença”, diz o senso comum. O problema é que Boff defende sua teologia usando o nome do socialismo e da ciência. Nesse aspecto, somos obrigados a deixar o misticismo de lado e explicar cientificamente a ideia apresentada pelo autor do artigo.
Boff defende que as transformações no planeta são irreversíveis. Ou seja, há um caminho sem volta, e nada que o homem fizer será capaz de resolver o problema: “A ciência e a técnica chegaram atrasadas. (…) Os vários saberes, dos populares aos mais científicos apenas podem minorar os efeitos danosos. Mas esses virão com mais frequência e mais graves.”
A técnica e a ciência não são suficientes, mesmo que se desenvolvam. É inevitável a desgraça ambiental que, como resultado, trará a extinção do próprio ser-humano.
Mas se a situação é tão grave que não se pode reverter, qual seria a solução apresentada por Boff? Uma solução que ele chama de “democracia ecossocialista” que ele mesmo diz ser uma “utopia”: “Devemos gerar uma nova consciência e nos preparamos para as mudanças que não tardarão em chegar. É uma utopia? Sim, mas uma utopia necessária se quisermos ainda viver neste planeta.”
A solução de Boff, se é que podemos chamar isso de solução, seria espiritual, estaria, portanto, no mundo das ideias, da consciência. Assim, é bem compreensível que Boff considere sua ideia uma utopia, realmente é muito difícil acreditar que vamos todos convencer bilhões de pessoas a terem consciência de que a Terra, como ele mesmo diz, “começou a sentir, a pensar, a amar e a cuidar”. Mesmo porque, acreditar nisso é um pouco mais difícil do que acreditar em Deus ou no Papai Noel, ou talvez, já que estamos falando de ecologia, em duendes e gnomos.
De acordo com Boff, então, deveríamos acreditar na consciência dos homens, mas não na ciência e na técnica.
As ideias não são novas. Pelo menos desde o malthusianismo, aparecem teorias de que o planeta está esgotado, coisa que já foi refutada inúmeras vezes, incluindo pelos marxistas. A ideia de que a solução para o mundo será mudar a consciência dos homens vem pelo menos desde os socialistas utópicos, na verdade, antes. Fato é: não são ideias novas, são velhas e já foram inúmeras vezes refutadas.
Vejamos mais alguns argumentos de Boff sobre o que ele entende por “democracia ecossocialista”.
“Essa democracia sócio-ecológica ou ecossocialista tem como eixo estruturador o ecológico. Não como uma técnica para garantir a sustentabilidade do modo de vida humana, nos moldes do paradigma vigente do ser humano dominus=senhor e fora e em cima da natureza, mas como frater=irmão e irmo, parte e dentro da natureza.”
Segundo essa teoria, o homem deveria deixar de ser o “senhor da natureza” e passar a ser parte dela. Aqui há uma confusão completa sobre o papel do homem na natureza.
Dizer que o ser-humano é parte da natureza é uma obviedade, portanto, não quer dizer nada. E se o homem é parte da natureza, suas ações são tão parte da natureza quanto qualquer outro fenômeno natural. Ou seja, a diferença colocada por Boff entre o homem “fora e em cima da natureza” e o homem “parte e dentro da natureza” não existe, é falsa, é uma tautologia.
Nesse sentido, a solução para os problemas ecológicos, que de fato existem, só pode vir do socialismo, ou seja, da evolução material e social do ser-humano dessa sociedade de classes, exploradora, destruidora do próprio homem e da natureza, para uma sociedade sem classes, sem exploração e, portanto, com um equilíbrio entre o homem e a natureza.
O socialismo, não para os utópicos como Boff, mas para os marxistas, para o materialismo histórico, é um resultado necessário e inevitável do desenvolvimento do sistema atual, o capitalismo, até sua saturação e a sua negação, fazendo emergir dele mesmo esse novo sistema.
A chegada ao socialismo é o resultado do desenvolvimento das forças produtivas, dentre elas a técnica e a ciência. Ela independente da vontade e da consciência dos homens, mas é uma evolução necessária.
Diferentemente do que diz Boff, está justamente no máximo desenvolvimento da ciência e da técnica a solução para os problemas atuais, incluindo a natureza. É esse desenvolvimento material o que possibilitará ao homem uma mudança na consciência. Como explicou Marx: “as circunstâncias devem ser transformadas pelos próprios seres-humanos e o próprio educador deve ser educado”. Essa ideia vale para a natureza, como parte dela, o ser-humano é modifica e é modificado ao mesmo tempo.
A doutrina espiritual de Boff leva a uma consequência perigosa. Ela prevê que a estagnação da sociedade, ou seja, paralisar o desenvolvimento das forças produtivas. Isso não é possível, mas se fosse, o resultado não seria a resolução dos problemas do planeta, mas um retrocesso geral, social e ecológico. Diferentemente do que pensa Boff, sua doutrina não levará nem à democracia, menos ainda ao socialismo.