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Identitarismo

Uma política para fazer a sociedade retroceder à Idade Média

Setores diretamente financiados pelo imperialismo querem estabelecer a barbárie

Já se tornou mais que evidente que o identitarismo é uma política financiada pelo imperialismo, por fundações como a Open Society de George Soros e pela Fundação Ford, ligada diretamente ao Departamento de Estado norte-americano. Mas não se trata apenas disso, embora isso já seja escandaloso: as próprias ideias dos identitários merecem a mais dura crítica.

Independentemente de quem são os seus defensores ou os seus financiadores, independentemente de suas intenções, o identitarismo é uma política reacionária. Não há qualquer ecletismo possível: a posição de que haveria “pontos negativos”, mas também “pontos positivos” nessa política é um erro. É preciso rejeitar em seu conjunto o identitarismo, visto que ele, ao fim e ao cabo, não propicia nenhum progresso para a luta dos oprimidos.

Os norte-americanos, pais do identitarismo, o chamam de identity politics – política identitária. A partir disso, já é possível tirar duas conclusões importantes. Em primeiro lugar, que o identitarismo não é um movimento filosófico, mas um movimento político. Isto é, tem o objetivo de modificar alguma coisa em relação à superestrutura política da sociedade: as leis, as instituições etc. Trata-se, portanto, da proposição de uma determinada política para a sociedade.

Em segundo lugar, o identitarismo, ao ser baseado na “identidade”, é uma política específica para determinados grupos. Não importa se os seus defensores se consideram direitistas ou esquerdistas, o fato é que o identitarismo, por definição, é a defesa da supremacia de um agrupamento social sobre os demais.

Se tomarmos como exemplo dessas políticas de identidade os movimentos de extrema-direita, ficará claro o conteúdo reacionário do identitarismo. O movimento supremacista branco dos Estados Unidos, que abriga organizações como a Ku Klux Klan, é um típico movimento identitário. Isto é, um movimento que defende privilégios para os brancos em detrimento de qualquer direito para o povo negro, solapando sua cultura e até mesmo exterminando-o seus indivíduos fisicamente. Isto é o identitarismo na sua forma mais objetiva: a luta de um determinado agrupamento social para se sobrepor aos demais.

Mesmo que o identitarismo seja defendido por pessoas identificadas com um determinado setor oprimido pela sociedade, essa política apresenta as mesmas características e as mesmas consequências. Se o negro coloca para si a tarefa de defender um conjunto de privilégios na sociedade, acabará entrando em conflito com todos os outros grupos sociais. E por outros grupos, leiam-se não apenas os brancos, mas todo aquele não negro, como os imigrantes, que costumam ser igualmente massacrados, mas não são, necessariamente, negros.

Um movimento que apresentou de maneira cristalina os aspectos negativos da política de identidade aplicada ao povo negro foi o Nação do Islã, seita religiosa da qual fez parte o militante negro Malcolm X. O movimento tinha uma interpretação muito particular do islamismo, pregando que o único ser humano de verdade seria o homem negro. O branco, por sua vez, seria uma espécie de demônio.

Apesar dos aspectos combativos de Malcolm X, sua política era desastrosa e completamente inviável. Tivesse ele consciência ou não, o que ele defendia, levado às últimas consequências, era o mesmo que os supremacistas brancos: o choque brutal entre uma “raça” contra a outra.

Em uma das biografias de Malcolm X, é relatada uma história em que uma estudante branca se aproxima dele e pergunta o que ela poderia fazer pelo movimento. Malcolm X então olha para ela e responde: “Nada”. O exemplo mostra claramente o verdadeiro conteúdo da ideologia de Malcolm X: uma oposição de negros a brancos.

Como a composição social e os interesses dos indivíduos são mais importantes que sua ideologia, é possível que um movimento com características revolucionárias apresente uma ideologia identitária, como é o caso do próprio Malcolm X e do grupo palestino Hamas. Neste caso, o identitarismo acaba sendo um fator de grande confusão sobre o movimento, que pode acabar impedindo que ele satisfaça os interesses reais de seus integrantes.

O caso da Nação do Islã comprova que, mesmo quando a política de identidade se coloca do lado do oprimido ou mesmo que seus defensores tenham uma postura combativa, ela não é revolucionária. Ela pressupõe que todo um amplo setor social – no caso dos Estados Unidos, um setor majoritário, que são os brancos – como inimigo mortal. É uma política inviável, dada a desvantagem numérica, que tende a despertar uma reação violenta, pois prega o extermínio de um agrupamento, e que, finalmente, cumpre o papel de dividir a sociedade para impedir qualquer progresso na luta por uma verdadeira transformação social. Isto é, a luta dos oprimidos contra o maior de todos os opressores, que é o grande capital.

Não há registro algum que a política de identidade tenha levado a algum progresso. Pelo contrário, quando ela teve influência suficiente para estabelecer uma determinada medida prática, o resultado foi desastroso. Um caso emblemático é o da segregação racial nos Estados Unidos, formalizado a partir das leis de Jim Crow. Durante esse período, negros e brancos não podiam frequentar as mesmas instituições, sendo que, obviamente, aquelas frequentadas pelos brancos tinham um padrão muito mais elevado que as frequentadas pelos negros. As leis de Jim Crow, além de causar uma grande tensão social, ainda contribuíram para um enorme atraso para a evolução social do negro.

O que é pouco divulgado é que as leis, em seu início, foram apoiados por um setor do movimento negro – ainda que esse apoio tenha se dado sob forte pressão. A consideração por trás disso era tipicamente identitária: como brancos e negros estavam em constante conflito, seria melhor para o negro não estar nos mesmos espaços que os brancos. Ainda que isso representasse um enorme entrave ao desenvolvimento do negro.

Suponhamos, contudo, em um caso hipotético, que a segregação rebaixe o branco, e não o negro na sociedade. Isto é, que a quase totalidade do desenvolvimento social fosse repartida entre os negros. O resultado seria igualmente negativo. Em primeiro lugar, isso despertaria uma reação furiosa e, até certo ponto, legítima, dos grupos sociais que se sentiriam injustiçados pelo fato de que um determinado grupo – os negros – teriam privilégios na sociedade. Sendo os brancos maioria, essa reação poderia inclusive levar a um extermínio em massa.

Mas não é só isso. O identitarismo se revela, aqui, como uma política profundamente antissocial. Isto é, uma política que visa à divisão da sociedade a partir de critérios absolutamente artificiais, fictícias.

Não há qualquer motivo para se discriminar as pessoas pela cor da pele. Por mais que o racismo seja real e uma ideologia que parta da forma com a qual as relações humanas se estabeleceram ao longo da história, de um ponto de vista laico, republicano, não há nada que justifique a distinção entre os direitos políticos do negro para os direitos políticos do branco. Neste sentido, é uma divisão absolutamente artificial.

O mesmo pode ser dito sobre a luta revolucionária do povo negro. Pelos mesmos aspectos históricos, a aspiração do negro é real, é parte dos problemas que a sociedade enfrenta. O negro é um setor oprimido, um setor ainda mais esmagado na sociedade de classes. O negro sofre, mais que os demais, todos os efeitos da política de rapinagem dos capitalistas. O desemprego, a fome, a perseguição policial – tudo cai sobre a cabeça do negro com mais forrça. O problema se dá, no entanto, quando os identitários negros, ao invés de lutar para dissolver essa separação artificial, acabam por reforçá-la, clamando por um mundo em que os negros sejam superiores aos demais agrupamentos.

É uma política maligna, que, obviamente, é impulsionada por quem mais teme a unidade dos oprimidos: a burguesia mundial, o imperialismo.

Há ainda outro aspecto sobre a ideologia identitária que merece ser analisada a fundo. Embora seja um movimento político, que tenha como alvo a superestrutura política, o identitarismo faz um apelo para a mudança “cultural” da sociedade. Isto é, procura aprovar leis e reorganizar o funcionamento jurídico para que a sociedade seja conformada a uma determinada “cultura”.

E o que seria essa mudança cultural? Para os identitários, seria, por exemplo, que um homem que acredite que a mulher deve ser submissa mude o seu pensamento e passe a acreditar que ela é um ser igual a ele. Ou que o homem branco mude de pensamento e passe a respeitar o homem negro. Na melhor das hipóteses, é uma política ingênua – não é possível mudar o pensamento de ninguém por um decreto estatal.

Objetivamente, esse tipo de política é uma ofensiva reacionária contra os direitos da população. Levada às últimas consequências, a utilização do Estado para promover mudanças “culturais” é um retorno à Idade Média. O Estado laico e republicano não deve ter a jurisdição sobre a mente das pessoas – isso só acontece nos estados mais atrasados do mundo, que combinam o modo de produção capitalista com elementos pré-capitalistas. É o caso dos Estados Teocráticos.

Na Arábia Saudita, por exemplo, uma pessoa que comemore o Natal pode ser presa. O “crime”, neste caso, nada tem a ver com a ordem social: é um “crime” de opinião, de crença. É completamente diferente do que se espera de um Estado republicano, em que alguém pode ser punido por matar uma pessoa, que é algo que, flagrantemente, atenta contra o direito alheio. No caso saudita, as pessoas são punidas simplesmente por não crerem no conjunto de valores religiosos que o Estado defende.

A tentativa de mudar as ideias por meio da força, de maneira coercitiva, é fazer a roda da história girar para trás.

Há, por fim, quem defenda que o identitarismo – ou, pelo menos, uma parte dele – deve ser defendido porque seria uma defesa dos interesses dos oprimidos. Essa seria, segundo os que defendem essa tese, a ideologia oficial do movimento. Portanto, para defender o movimento, seria necessário defender essa ideologia.

Nada poderia ser mais falso. É fato que, no momento, pelo financiamento imperialista, essas ideias são bastante difundidas no interior dos movimentos dos oprimidos. No entanto, isso não significa que essa seja a ideologia que expressa os seus reais interesses. Para comprovar isso, basta um dado: havia luta de negros e de mulheres muito antes de aparecerem os professores universitários que elaboraram as teses identitárias. Quer dizer, não apenas o identitarismo se vale de bases artificiais, como a sua difusão no movimento é, também, artificial.

A política para os setores oprimidos da sociedade é inversa à identitária e já se provou na experiência prática. O maior avanço que os oprimidos tiveram em todo o século XX foi a Revolução Russa, que garantiu, de imediato, todas as reivindicações dos setores esmagados pela sociedade capitalista. Quer dizer, o caso mais bem sucedido da história da luta dos oprimidos é a sublevação do conjunto da população contra os detentores do poder político e econômico. Foi a unidade entre os oprimidos que resultou na vitória contra os capitalistas, não a oposição dos aspectos secundários de cada grupo.

Após a Revolução Russa, as mulheres passaram a ter todos os seus direitos. O divórcio, por exemplo, se tornou um ato administrativo incrivelmente simples – coisa que, cem anos depois, ainda não existe no Brasil. Os camponeses, por sua vez, foram contemplados com uma reforma agrária integral e instantânea. Os negros, embora fossem uma minoria pouco expressiva na Rússia, não sofreram qualquer tipo de discriminação por parte do governo revolucionário, bem como as inúmeras outras nações que habitam o território russo.

Neste sentido, a política revolucionária para o povo negro é diametralmente oposta ao identitarismo – e é justamente por isso que não deve ser feita qualquer concessão a essa política reacionária. Em fez de estimular os conflitos entre brancos e negros, em vez de lutar por privilégios para os negros em detrimento do conjunto da sociedade, é preciso lutar pela unidade do negro com todos os oprimidos e, fundamentalmente, com a classe operária para impor uma derrota à classe social opressora, a única que depende dos mecanismos de opressão para manter a sua dominação: a burguesia mundial.

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