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Ditadura do Judiciário

Uma nova “teoria do domínio do fato” para condenar Bolsonaro

Ao votar pela inelegibilidade de Bolsonaro, o relator teve de apelar para o “contexto”, ou seja, o posicionamento político do ex-presidente em relação às eleições

Em mais um episódio para entrar para a história da atuação antidemocrática do Poder Judiciário brasileiro, o Tribunal Superior Eleitoral pode estar prestes a tornar inelegível o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro. O motivo? Questionar a credibilidade das instituições “democráticas”, em especial do STF e do TSE, bem como a confiabilidade das urnas eletrônicas e, por conseguinte, do processo eleitoral brasileiro.

A Ação de Investigação Judicial Eleitora (AIJE) nº 0600814-85 foi protocolada pelo PDT, tendo seu julgamento sido iniciado na semana passada. Durante a sessão plenária realizada na última terça-feira (27), o relator da ação, o ministro Benedito Gonçalves, proferiu seu voto a favor da procedência da ação, ou seja, de que Bolsonaro seja declarado inelegível.

Antes de ser abordado o voto do relator, cumpre chamar a atenção para a extensão da minuta do voto: 382 páginas, segundo afirmou o ministro em seu próprio voto oral. Fica a pergunta para que o leitor reflita: se Bolsonaro realmente praticou condutas passíveis de torná-lo inelegível, era realmente necessário um voto de 382 páginas? Assim como foi feito na época do julgamento farsa do mensalão, a enrolação permite justificar a ausência de provas no processo, para tentar esconder que se trata de um julgamento político.

Dito isto, é necessário abordar o conteúdo do voto, a fim de demonstrar a intensificação da ditadura do judiciário brasileiro.

Da leitura da transcrição da íntegra do voto oral, disponibilizado no sítio do TSE, vê a seguinte posição do ministro:

Conforme extensa fundamentação exposta, esses elementos têm correlação estrita à causa  de pedir e à gravidade da conduta. Isso porque, desde a petição inicial, o autor alega que os investigados tinham como estratégia político-eleitoral induzir o descrédito ao resultado do pleito de 2022, com efeitos graves a ponto de caracterizar abuso de podre [… ] a Corte admitiu  que possa ser discutido nesta AIJE um fato posterior ao ajuizamento da ação que foi suscitado  para  demonstrar  a  gravidade  da conduta  narrada  na  petição  inicial”.

O que ele está dizendo? Está decidindo sobre preliminar da defesa, que requereu o arquivamento da ação sem resolução do mérito por extrapolação dos limites da ação, tendo em vista a juntada aos autos da “minuta golpista” encontrada na residência de Anderson Torres. Em outras palavras, o TSE não viu problema em pedir a inclusão do referido documento na ação.

Ao defender essa posição, o ministro prossegue dizendo:

A reunião de 18/07/2022, no Palácio da Alvorada, não é uma fotografia na parede, mas um fato inserido em um contexto. É dentro desse contexto, bem descrito pela petição inicial, que deve ser examinada. Esse foi o entendimento assentado em 14/02/2023, à unanimidade”.

Traduzindo o “juridiquês” para o português: segundo o ministro, não se deve limitar a análise da inelegibilidade de Bolsonaro a condutas previstas em lei, aptas a torná-lo inelegível. Não, deve-se examinar o contexto. Não se deve olha apenas a “fotografia na parede”, deve-se dar precedência ao “contexto”.

Em outras palavras, ao não achar condutas específicas que teriam sido praticadas por Bolsonaro a ponto de torná-lo inelegível, o relator teve de apelar para o “contexto”, ou seja, o posicionamento político do ex-presidente em relação à credibilidade instituições como o STF, o TSE, à confiabilidade das urnas eletrônicas e, por conseguinte, das eleições.

Em suma, basicamente a mesma coisa que a direita fez quando criou a farsa para condenar Lula e dirigentes petistas sem provas, e derrubar Dilma Rousseff através de um processo de impeachment fraudulento. À época a expressão em voga era “o conjunto da obra”.

Quem não se lembra da célebre frase de Rosa Weber, quando do julgamento da Ação Penal nº 470 (Mensalão), em que ela proferiu voto condenando José Dirceu: “Não tenho prova cabal contra Dirceu, mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me autoriza”.

Ou mesmo Dias Toffoli, que admitiu recentemente que votou para condenar José Genoíno, também no Mensalão, mesmo sabendo que ele era inocente?

Os dirigentes petistas foram condenados com base na famigerada e grotesca Teoria do Domínio do Fato, segundo a qual um indivíduo em posição de superior hierárquico é necessariamente responsável pelos atos de todos os seus subordinados. Um absurdo antidemocrático, pois condena alguém pelos atos de outras pessoas.

Agora, contribuindo para aprofundar o caráter antidemocrático do Poder Judiciário e, por conseguinte, fortalecer a ditadura judicial que se instalou no Brasil, o ministro Benedito Gonçalves vota para condenar Bolsonaro pelo “contexto”, ao invés de condená-lo pela prática de uma ação ilegal, prevista em lei, como deveria ser em qualquer Estado de Direito.

Qual seria o contexto? As manifestações de Bolsonaro de suas posições políticas (através de lives, redes sociais e na própria imprensa), no sentido de questionar legitimidade e idoneidade de instituições como STF e o TSE. Seguem abaixo outros trechos do voto:

Utilizou a reunião de 18/07/2022 para demarcar sua firme disposição em continuar a usar redes sociais como um meio para difundir dúvidas meramente retóricas e a incitar insegurança, desconfiança e conspiracionismo, combustíveis para um crescente sentimento coletivo anti-institucional”.

Segundo o ministro, Bolsonaro teria cometido desvio de finalidade, pois suas manifestações teriam contribuindo para degradar o ambiente eleitoral:

A particularidade do abuso de poder político está na utilização do cargo de presidente da república para a consecução das finalidades eleitorais ilícitas no evento 18/07/2022. O desvio de finalidade não se limitou ao uso de bens e serviços públicos, pois o que mais sobressaiu na ocasião, e que, de fato, torna o evento no palácio da alvorada um episódio aberrante, é o poder simbólico do presidente da república e da posição de chefe de estado para degradar o ambiente eleitoral”.

Simplificando, o ex-presidente está prestes a ser declarado inelegível por simplesmente dizer o que pensa, ou seja, exercer o direito à liberdade de expressão e manifestação do pensamento, direitos fundamentais previsto no art. 5º da Constituição Federal de 1988.

Ademais disto, a própria Lei nº 9.504/1997 diz que a manifestação de posições políticas não pode ser causa de inelegibilidade:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

[…]

V – a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;

Em seu voto, o relator cita expressamente essa lei, contudo entende que ela foi superada por entendimentos do TSE:

[…] a regra é a ampla liberdade de manifestação do pensamento na internet. A legislação,  aliás, conta hoje com norma expressa no sentido de que as restrições da propaganda eleitoral  não se aplicam à “divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive  nas  redes  sociais”  (art.  36-A,  V,  Lei  nº 9.504/97). Porém, no  curso da acelerada  transformação social propiciada pela popularização da internet e das redes sociais, duas  reformas eleitorais, em 2015 e 2017, impuseram um novo olhar sobre o fenômeno”.

E continua:

O novo cenário, inevitavelmente, produziu novas formas de praticar condutas abusivas. Isso exigiu que a jurisdição eleitoral acompanhasse a realidade fenomênica. Nesse esforço de acompanhar a velocidade vertiginosa das transformações digitais e seu impacto eleitoral, duas diretrizes fixadas pelo TSE em julgados das Eleições 2018 merecem ser destacadas […]”.

Resumindo: a lei diz que não pode, mas eu digo que pode. E o TSE também.

De todos os crimes que Bolsonaro cometeu contra o povo brasileiro, quando atuou como capacho do imperialismo na presidência da República (em especial a privatização da Eletrobrás), ele pode ser condenado por suas opiniões, especialmente aquelas expressas no ano de 2022.

Está-se diante, portanto, de uma nova Teoria do Domínio do Fato. Aliás, uma versão piorada dela, pois Bolsonaro está sendo condenado pura e simplesmente pelo “contexto”, que consistiu em falar o que pensa sobre o TSE e as eleições.

É uma demonstração de que não estamos vivendo em uma democracia, mas em uma ditadura. Uma ditadura que tem o Poder Judiciário (em especial o STF e o TSE) como seu principal ponto de apoio.

Um regime de censura vem sendo erguido rapidamente no Brasil. Não se pode criticar as instituições pseudo-democráticas e os burocratas a serviço delas. Não se pode criticar as urnas eleitorais. São os dogmas do “Estado Democrático de Direito”. Quem se opor a esses dogmas, ousar questioná-los, corre o perigo de sofrer a mais abjeta e ditatorial perseguição política. Eventual inelegibilidade de Bolsonaro só irá contribuir para a solidificação desse regime.

Diante disto é necessário que seja lançada uma campanha a fim de mobilizar o conjunto dos trabalhadores e das massas em defesa dos direitos democráticos da população, em especial o direito à liberdade de expressão irrestrita, e contra os abusos do Poder Judiciário.

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