A esquerda argentina foi pega desprevenida. Durante a eleição, já estava claro que Javier Milei, caso eleito, não faria um governo normal, dentro do Estado democrático de direito. Agora, com o lançamento de seus dois pacotes econômicos, fica claro que o novo governo da Argentina é, na realidade, um golpe de Estado contra os trabalhadores do país.
Com as medidas apresentadas por meio do pacote, Milei reduz a pó uma série de serviços sociais. No primeiro, lançado em 12 de dezembro, ele determina, por exemplo, o cancelamento de novas obras públicas e reduz os subsídios em transporte e energia. Já o segundo, muito mais agressivo que o primeiro, destrói a saúde pública, a aposentadoria, prepara todas as estatais para a privatização, entre outras coisas. É uma hecatombe econômica contra o povo argentino.
Porém, chama atenção que, entre as medidas instituídas, existe uma medida que permite a Milei governar por decreto. Ou seja, com isso, ele não precisaria mandar nenhum de seus projetos para o Congresso argentino. Ele poderia aprovar ou revogar leis existentes de maneira sem qualquer tipo de oposição.
Deve ficar claro que um governo que governa por decreto é um governo bonapartista. Em outras palavras: uma ditadura. Os últimos governos alemães antes de Hitler, por exemplo, eram governos desse tipo, que governavam por decreto. Em relação a isso, Trótski acertadamente afirmou que esse tipo de administração é a antessala do fascismo, antecipando o regime nazista que veio depois.
Até agora, a maioria da esquerda argentina não registrou totalmente o que está acontecendo em seu próprio país. As direções não têm clareza de que o governo Milei representa um golpe de Estado contra o povo e que, portanto, é preciso preparar um amplo movimento entre as massas para combater e derrubar o novo presidente.
A esquerda latino-americana possui o vício de só considerar determinado regime como uma ditadura quando a situação já está no pior estágio possível em termos de repressão. No caso de Milei, caso sua operação seja bem-sucedida e ele consiga, de fato, governar por meio de decretos, estará estabelecida uma ditadura.
E não qualquer ditadura, mas sim uma ditadura de caráter fascista, uma ditadura que fecha todo o regime político, liquida os sindicatos, acaba com os partidos de esquerda. Reduz a nada a vida política no país.
O governo argentino mostra que tem esse tipo de pretensão, pois ele não quer apenas governar por decreto para entregar o patrimônio argentino para o imperialismo. Quer fazê-lo para conseguir reprimir a esquerda que vai lutar contra esse tipo de medida econômica, algo que ele já começou a colocar em prática após os protestos do último dia 20. Não há dúvidas de que, a medida que a resistência aumentar, a repressão de Milei contra a esquerda também aumentará.
O que está acontecendo na Argentina é da maior gravidade. As organizações políticas brasileiras de esquerda deveriam estar em prontidão discutindo a situação no país latino-americano, pois, nas últimas décadas, quase tudo que aconteceu na Argentina, aconteceu no Brasil.
O que está acontecendo lá agora, portanto, é um plano piloto que, em algum momento, será aplicado aqui. É preciso estar preparado para quando este momento chegar.





