Publicado pelo sítio Em Defesa do Comunismo como parte das teses para o XVII Congresso Extraordinário do PCB-Reconstrução Revolucionária, o artigo ‘Causa animal: Uma nova pauta para um novo partido’ (Contribuição anônima), como indicado, não tem um autor definido, mas apresenta uma política no mínimo extravagante: a criação de um coletivo “antiespecista” na organização dissidente do Partido Comunista Brasileiro (PCB). “Antiespecista” seria uma corrente dedicada a lutar contra a discriminação com base em espécies, tratando com iguais todas as formas de vida animais, uma excentricidade tipicamente pequeno-burguesa.
Segundo o autor, “de todas as pautas que tratam da defesa de determinados grupos oprimidos dentro e por conta do sistema capitalista, a pauta animal é uma das mais recentes”, o que segundo o artigo seria “um dos principais fatores que fazem a causa ser tão pouco debatida dentro de qualquer espaço, marxista ou não”. Ora, não é o ineditismo da política o fato mais marcante da irrelevância dada à demanda, mas principalmente dois fatores.
As contradições cada vez mais agudas de uma sociedade decadente não ajudam extravagâncias intelectuais do gênero a prosperarem. O período, marcado pelo empobrecimento massivo das massas trabalhadoras, da deterioração aguda das condições de vida da humanidade e a rapina de toda a riqueza para o imperialismo, e seus sócios menores na burguesia – dos países desenvolvidos em primeiro lugar e atrasados depois -, criam uma situação na qual o debate proposto torna-se um delírio de pessoas privilegiadas.
Há, contudo, um outro problema que reforça o quão alienados estão os bondosos defensores da inclusão dos bichos na condição de classe trabalhadora: o estágio de desenvolvimento das forças produtivas. O artigo argumenta que:
“A exploração animal é parte intrínseca do nosso sistema de produção. Utilizamos animais para tudo: alimentação, vestimenta, testes farmacêuticos, entretenimento (como rodeios, pesca esportiva, vaquejadas, zoológicos, etc), comércio de filhotes de raças, dentre inúmeras outras coisas. Logo, é de se esperar que isso reflita em nossa cultura e em como pensamos o lugar destes seres no mundo que vivemos.”
Ora, o que está posto acima é verdadeiro, mas não se deve a outra coisa que não o atraso técnico e econômico. Levando-se a sério o que a política acima estabelece e dado o atual estágio do progresso humano, a alternativa seria acabar com todas as atividades econômicas que se baseiam no uso de animais, o que, como indica a citação acima, tem uma amplitude demasiadamente grande para o bom funcionamento de qualquer economia hoje, mesmo as mais avançadas.
Uma paralisação parcial, provocada durante o período da pandemia de COVID-19, já desorganizou o sistema econômico mundial de uma maneira ainda não recuperada, quem dirá parar um amplo conjunto das atividades produtivas para combater a descriminação contra bichinhos? Simplesmente impensável.
O texto não entra no mérito, mas alguém poderia contra-argumentar defendendo pesquisas que diminuam a necessidade de uso dos animais, o que seria de fato progressista no sentido de que representaria uma evolução no modo de produção, uma forma mais econômica de atingir os resultados que temos atualmente. Porém, o problema fundamental mantém-se: que farão os trabalhadores hoje, em uma economia ainda incapaz de funcionar sem uso de animais? É possível simplesmente baixar um decreto e proibir que a indústria farmacêutica interrompa testes com animais ou ainda abolir a indústria de frigoríficos?
A falta de uma resposta a esse questionamento elementar mostra uma profunda insensibilidade, evidenciando como os arautos da luta “antiespecista” são indiferentes aos problemas dos trabalhadores. O artigo até refere-se aos operários, mas apenas para reforçar o quanto a tese é direitista:
“No que toca ao debate sobre soberania alimentar e relações de produção que diminuam a exploração animal e humana, é comum que nosso campo fale de um trabalhador idealizado que não teria condições de entender o veganismo, mas não consideram os trabalhadores de frigoríficos que estão entre os mais precarizados, desenvolvendo doenças físicas e mentais.”
Não é a ditadura da burguesia o responsável pelas doenças físicas e mentais dos trabalhadores dos frios, mas a existência da indústria em si, na fantasia do autor. Tomando esse argumento como válido, poderíamos supor que a volta à Idade Média – e não a luta organizada do proletariado pelo poder – é que o trará a libertação dos trabalhadores, pelo simples expediente da destruição da indústria.
Em uma coisa, porém, é preciso concordar: os trabalhadores têm, sim, toda capacidade necessária para “entender o veganismo”, ou seja, entender que se trata de uma idealização da pequena burguesia que não tem efeito algum nem para as suas próprias vidas, nem para o mundo.
O comunismo não é a doutrina do atraso, mas do progresso. O autor critica o fato das posições “antiespecistas” serem consideradas moralismo, mas é o que fica evidente em sua argumentação. Não há argumentos materialistas, apenas e tão somente a defesa dos indefesos tomada de maneira abstrata o bastante para incluir bichos.
Por fim, o artigo traz uma citação que ajuda a explicar parte da confusão:
“Finalizo com uma passagem da autora Maila Costa em seu texto ‘O Marxismo e a Questão Animal’: ‘Se os animais, por não serem humanos, não fazem parte da nossa classe, também não fazem parte da classe dominante, e possuem muito mais em comum conosco do que com eles, seja em relação à exploração, à privação de liberdade ou à comoditização.’”
Naturalmente, os animais não podem ser considerados “parte da classe dominante”, mas tampouco podem ser considerados algo mais próximo de trabalhadores do que máquinas em uma linha de montagem. São bens e muitos teriam uma vida muito curta no meio natural caso não vivessem em criação, um dado da realidade escamoteado pelo moralismo exacerbado que permeia o artigo, que pode se pretender marxista, mas de marxista não tem nem a mais pálida sombra.





