Nessa quarta-feira (26), a Justiça Federal no Espírito Santo determinou a suspensão do aplicativo de mensagens Telegram no Brasil e ainda impôs multa diária de R$1 milhão até que a plataforma entregue informações solicitadas pela Polícia Federal.
O pretexto para as sanções contra o aplicativo tem origem no assassinato de quatro pessoas em uma escola em Aracruz, Espírito Santo, provocado por um adolescente em novembro do ano passado. Durante as investigações, a PF descobriu a existência de dois grupos no Telegram cujos integrantes compartilhavam tutoriais de assassinatos, de fabricação de explosivos e vídeos de mortes violentas. Para a Justiça Federal, esses grupos teriam “perfil neonazista”.
Com base nisso, no dia 19 de abril, a Justiça Federal do Espírito Santo exigiu que o Telegram repassasse uma série de dados desses dois grupos. Se não o fizesse em até 24 horas, a plataforma seria suspensa no Brasil. Coagida, a empresa atendeu ao pedido da Justiça.
Eis que, no entanto, a PF considerou que as informações fornecidas “não atendem à ordem judicial”. Segundo o juiz do caso, a empresa cumpriu apenas parcialmente a ordem judicial que lhe foi dirigida, pois se limitou a fornecer as informações concernentes ao administrador, e não a todos os usuários dos canais. A plataforma, por sua vez, já havia alegado que o grupo havia sido deletado, o que dificultaria a recuperação de algumas informações requeridas.
A punição ao Telegram está longe de ser uma medida isolada. Representa, de maneira muito clara, uma ofensiva do Judiciário brasileiro contra as plataformas de redes sociais. Figuras como o ministro da Justiça, Flávio Dino, e ministros do STF, como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, vêm defendendo, sistematicamente, que as chamadas Big Techs assumam um papel significativo no controle de conteúdo publicado por seus usuários.
Trocando em miúdos, o Judiciário brasileiro está em campanha para censurar o que é dito na internet e quer forças as plataformas a agir como polícia. Como as Big Techs entendem que isso pode afetar bastante a sua relação com os usuários, resultando em um grande prejuízo, há uma resistência bastante grande das empresas em aderir à campanha do Judiciário.
Flávio Dino chegou a declarar que o Telegram estaria “acobertando um crime”, mostrando claramente o interesse em constranger as plataformas: “neste caso concreto, da suspensão da plataforma por, na prática, proteger, acobertar, receber atividades ilegais, tenho certeza que é uma mensagem para todos esses extremistas no sentido de que, agora, a lei vai ser cumprida e eles não poderão continuar o cometimento desses crimes”.
Há bastante tempo, o Telegram vem sendo ameaçado de ser suspenso no Brasil. Trata-se, primeiro, de uma plataforma que não tem, nem de longe, o mesmo poder que empresas como a Google e a Meta, e, segundo, de um aplicativo que foi desenvolvido prometendo privacidade ao usuário. Em 2022, o Telegram estava instalado em 53% dos smartphones no país, taxa que era de apenas 15% em 2018, segundo levantamento do site Mobile Time em parceria com a empresa de pesquisas on-line Opinion Box. A rede permite grupos com 200 mil pessoas, além de compartilhamento irrestrito. A crescente “preocupação” do Judiciário com o que as pessoas falam na internet é, neste sentido, um grande inconveniente para a plataforma.
Um dos episódios mais tensos da atuação do Telegram no Brasil se deu às vésperas do processo eleitoral de 2022. Na época, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, ameaçou banir a plataforma, caso não se adequasse às exigências da corte.
Chama bastante a atenção que o pretexto para a suspensão do Telegram hoje parta de um ataque a uma escola. Nas últimas semanas, a “preocupação” da grande imprensa e da direita nacional com as escolas tem servido para a defesa de leis profundamente reacionárias, algumas de conteúdo verdadeiramente fascista.
No rol das medidas repressivas, está o famigerado PL 2630, conhecido como “PL das Fake News”. O projeto, que teve seu caráter de urgência aprovado na terça-feira (25), prevê uma série de medidas para censurar o que é dito na internet, sob o pretexto de “proteger a sociedade” de um tal “discurso de ódio”. Na prática, o PL não coibirá nenhuma divulgação de informações mentirosas, visto que não propõe nenhuma fiscalização sobre a grande imprensa, que é a maior fabricante de notícias falsas do planeta, nem mesmo coibirá a ação da extrema-direita, que, quando tiver utilidade para a burguesia, sempre será convocada a agir livremente.
O único efeito do PL das Fake News é suprimir o debate político – e, neste sentido, deixar o caminho aberto para que a burguesia manipule os acontecimentos, puna os contestadores e tente manter a situação sob seu controle.
A suspensão do Telegram vai no mesmo sentido: trata-se de um avanço dessa política de censura, e ainda mais em uma plataforma cujo centro é a interação individual, privada, entre usuários.
É preciso pôr fim a toda ofensiva reacionária contra os “crimes de opinião”, bem como à onda histérica que está levando a esquerda nacional a apoiar medidas repressivas contra a liberdade de expressão.