O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, proferiu no último dia 23 um discurso criticando a aprovação no Senado Federal da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 8/2021 e conclamando o presidente da instância máxima do judiciário brasileiro a usar da “altivez para rechaçar esse tipo de ameaça.”
“Cabe lembrar a estes propagadores do caos institucional que os processos de responsabilidade dos Ministros desta Corte hão de estar submetidos ao crivo judicial garantidor do devido processo legal, impedindo que acusações mambembes turvem a independência judicial – cânone inafastável do Estado democrático de Direito”, disse Mendes, ao que concluiu:
“Esta Corte não se compõe de covardes, nem de medrosos. A Constituição garantiu a independência do Poder Judiciário, proibindo qualquer alteração constitucional que desrespeite essa independência e desrespeite a separação de Poderes.”
“Esta mesma Corte, senhor Presidente, não haverá de submeter-se ao tacão autoritário – venha de onde ele vier, ainda que escamoteado pela representação de maiorias eventuais”, finalizou o ministro indicado por Fernando Henrique Cardoso (FHC). Na mesma linha, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso.
“Não há institucionalidade que resista se cada setor que se sentir contrariado por decisões do tribunal quiser mudar a estrutura e o funcionamento da Corte. Não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas”, disse.
Aprovada com o voto de 52 senadores, a PEC proíbe os ministros do STF proferirem decisões monocráticas que suspendam leis, atos normativos (realizados pelo Poder Executivo para a aplicação correta das leis) e também atos do presidente da República, do Senado, da Câmara e do Congresso.
A crise entre o STF e o parlamento é antiga, tendo se desenvolvido durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Com a cisão na burguesia e o enfraquecimento dos partidos tradicionais, os setores centristas da direita transformaram o STF em sua trincheira para barrar o bolsonarismo.
Com as eleições de 2022, a erosão dos partidos mais diretamente ligados ao imperialismo foi ainda mais profunda, levando o bolsonarismo a obter maioria nas duas casas do Congresso Nacional. Na atual batalha, no entanto, apesar das divisões nos mais distintos campos políticos, entre a burguesia, não há consenso sobre a negatividade da aprovação da PEC:
“Há muita fumaça sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, que limita decisões individuais dos tribunais contra atos legislativos e foi aprovada na quarta-feira pelo Senado. Seu conteúdo não é uma afronta ao Supremo Tribunal Federal (STF), nem viola – sequer pela mais remota hipótese – nenhuma cláusula pétrea da Constituição”, escreveu o Estado de S. Paulo (“Uma PEC muito positiva para o STF”, 24/11/2023). O editorial de um dos principais órgãos de imprensa da burguesia no País continua:
“Tem razão, portanto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, quando diz que a PEC 8/2021 é ‘a busca de um equilíbrio entre os Poderes’, reconhecendo que uma lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República pode ser declarada inconstitucional, mas que isso deve ser feito colegialmente, e não por apenas um ministro”, escreveu o Estadão, concluindo que “a PEC 8/2021 é uma oportunidade de aperfeiçoamento institucional. Não convém desperdiçá-la.”
Dizer que a PEC busca “equilíbrio entre os Poderes” é uma farsa, mas independentemente do valor dado pelo Estadão, o fato é que o controle do STF por um poder representativo e subordinado a eleições é sim algo positivo e democrático. A reação autoritária dos ministros, em especial Barroso e Mendes, nada mais é do que um reflexo do autoritarismo próprio de uma instituição sobre a qual, nenhum resquício de legitimidade popular é encontrada.
Em um sistema democrático normal, dado que o papel dos parlamentares é criar leis, ao judiciário caberia acatá-las e proferir julgamentos com base nas leis. Nosso sistema político, no entanto, é tudo menos democrático. Uma retaliação do STF ao Senado seria a última evidência de que o regime brasileiro é, na verdade, uma selva, onde a lei do mais forte é a única realmente vigente.