Matéria publicada no Brasil 247, sob o título “Não, não vivemos uma ditadura do Poder Judiciário”, assinada por Pedro Benedito Maciel Neto, beira ao escárnio. Por sorte há um aviso ao final da matéria: “Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista”.
O primeiro parágrafo é primoroso: “Confiar nas instituições, no Estado e nos seus Poderes é determinante para o progresso de uma nação, por essa razão não podemos conspirar, criticar e desqualificar os poderes, congressistas ou ministros, apenas porque suas ações não são coincidentes com a nossa maneira de ver o mundo”. Isso não pode ser sério. A polícia, por exemplo, é uma instituição, devemos confiar nela? Pergunte isso para uma pessoa pobre, ou que more em uma favela. Quem foi que deu um golpe em 1964 e faz pouco ameaçou colocar os tanques nas ruas se Lula não fosse preso? Foram justamente uma instituição.
A classe trabalhadora, se quiser se livrar da escravidão, terá que conspirar, criticar e desqualificar os poderes do Estado burguês porque suas ações e interesses não coincidem, são antagônicos aos nossos.
O autor da matéria se diz “cansado de ouvir – até mesmo de advogados, juízes e promotores -, que “caminhamos para uma ditadura”, que o ministro Alexandre de Moraes seria ‘autoritário’”. Só podemos aconselhá-lo a começar a dar ouvidos para os outros. E se diz também “cansado de ouvir, de incautos e de pessoas de má-fé, críticas sem fundamento ao Judiciário, o qual, na [sua] percepção, corajosamente garantiu a democracia e impediu um golpe de Estado, engendrado pelo candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2022”. E sobre o golpe de 2016, com ‘Supremo, com tudo’? O que ele tem a dizer?
Maciel Neto afirma que é “cansativo tentar explicar a pessoas que vivem em transe e num universo paralelo, que a democracia diz respeito ao voto da maioria e a Constituição é forma de contenção do poder”. Mas é fato que quem vive em um mundo paralelo vive dizendo que são os outros que estão fora da realidade. Voto da maioria tem valido pouco, basta ver o que se cassa de mandatos e Constituição é uma coisa para a qual o Judiciário não dá a mínima.
E por falar em transe e universos paralelos, temos essa pérola: “Os órgãos do Poder Judiciário acertam sempre? Não, mas acertam, muito”.
E quem controla o STF?
Para embasar seu ponto de vista, o colunista se socorre no “professor e jurista Oscar Vilhena Vieira, que afirmou à FOLHA que é possível ao STF exercer o controle sobre a vontade de grupos ou mesmo da maioria, desde que ele estabeleça limites de sua atuação e para que a democracia sobreviva, são as ‘limitações habilitadoras’”. Se o STF, que não tem voto popular, puder exercer controle sobre vontade de grupos, ou da maioria, com limites que ele próprio estabelece para si, estamos diante de uma ditadura, um poder absoluto.
Segundo ele, “estabelecidos os limites (pelo próprio STF) é possível à corte restringir decisões que possam colocar em risco a continuidade da democracia ou as pré-condições para que a democracia funcione bem, diante dessa circunstância o controle de constitucionalidade não guarda contradição com a democracia”. E quem deu esse poder ao STF de decidir o que é bom ou ruim para a democracia?
Em sua defesa, quase cômica da ditadura judiciária, o autor da matéria diz que “O ministro Alexandre de Moraes e os demais ministros do STF, “não eleitos”, agiram e agem na defesa da democracia e as limitações habilitadoras estão postas claramente; quem questiona a atuação do STF o faz por razões ideológicas (hoje as principais reclamações vêm do campo bolsonarista, mas a esquerda já vocalizou seu descontentamento muitas vezes)” – (grifo nosso).
Temos de perguntar: Gilmar Mendes agiu em nome da democracia quando impediu Lula de integrar o governo Dilma? Alexandre de Moares agiu democraticamente quando votou, ferindo a Constituição, com a maioria do Supremo, pela prisão de Lula? Ou quando bloqueia as redes sociais de um partido, em um processo sigiloso, em pleno ano eleitoral? Outra pergunta: Em uma democracia os bolsonaristas não têm direito de reclamar, mesmo que fosse por motivos ideológicos?
Os alemães…
Depois do famigerado Julgamento do Mensalão, que se valeu da Teoria do Domínio do Fato, pinçada oportunamente, de um teórico alemão, Claus Roxin, o professor Oscar Vilhena (que socorre o colunista), “lembrou a teoria alemã denominada “Teoria da democracia militante” que trata de uma postura institucional de autodefesa, a qual reconhece que, algumas vezes, a existência de cláusula pétrea na CF, de lei de defesa da democracia e uma série de autorizações de restrição – inclusive à liberdade de expressão -, não bastam à defesa da institucionalidade, “exigindo um reposicionamento daqueles que habitam as instituições”, pois eles têm o dever de defendê-las”.
Quem delegou àqueles que “habitam as instituições” o poder de decidir o que seja lesivo à democracia e agirem de forma “militante”? A “militância” do STF chegou ao ponto de passar por cima do Congresso, do Legislativo, e criar leis. Se um poder da República usurpa as funções dos outros, estamos em uma ditadura.
O autor da matéria cai em contradição ao dizer que a Constituição “determina harmonia na convivência entre Executivo, Legislativo e Judiciário, é a harmonia capaz de manter a estabilidade e o equilíbrio da sociedade; ao Poder Judiciário incumbe a tarefa de administrar a justiça; dentro da lei”. A militância do STF, do Judiciário acaba com essa harmonia quando passa a legislar, quando impede que o Executivo escolha seus membros.
Não é só aqui
Na tentativa de justificar sua posição estapafúrdia, o autor da coluna diz que “o protagonismo do Poder Judiciário tem aumentado nas últimas três décadas, o que não é exclusividade do Brasil – e é uma das principais questões em debate na teoria política contemporânea em todo o mundo ocidental”, o que não ajuda em nada, pois apenas demonstra o quanto as ‘democracias’ burguesas são ditaduras disfarçadas. Pois, como o próprio Maciel Neto admite: “o protagonismo do Judiciário hoje ocupa um lugar privilegiado no processo decisório na maioria dos países democráticos ocidentais, algumas vezes alterando a vontade popular das urnas e outras interfere na construção e execução de políticas públicas”.
Judicialização golpista
Como o colunista também admite: “Esse fenômeno é a Judicialização da Política, não é um fenômeno novo. Desde que países ocidentais e democráticos(?) passaram a adotar o Tribunal Constitucional como mecanismo de controle dos demais poderes”. Onde é democrático um poder controlar os demais? O imperialismo vem utilizando os Judiciários o para dar golpes de Estado em toda parte.
Conforme o texto, essa ‘judicialização’ cria uma tensão que “obriga que o Poder Executivo negocie seu plano de governo com o Legislativo, bem como a preocupar-se em não infringir a Constituição”. Pelo menos com isso não temos que nos preocupar, pois no quesito “infringir a Constituição” ninguém ganha do Judiciário.
Maciel Neto que não está “defendendo excessos, mas [que] acredit[a] na legitimidade da defesa da democracia pelo STF, pois o povo decidiu pela democracia, o que está expresso nas leis e na Constituição”. O curioso é que o STF não liga para Constituição, não dá a mínima.