Na estreia de sua transmissão ao vivo semanal, o presidente Lula fez interessantes comentários sobre futebol, a maioria dos quais estavam corretos. Mas chamou a atenção quando ele afirmou: “a gente [o Brasil] não é mais o melhor futebol do mundo”. O presidente não declarou isso sem contexto, abordando diversos aspectos do esporte bretão no Brasil.
Seleção sem técnico
Corretamente, Lula criticou a CBF pela falta de definição de um técnico para comandar a Seleção Brasileira. Seis meses após a Copa do Mundo, o presidente da confederação, Ednaldo Rodrigues, ainda não apontou um substituto para Tite, colocando o técnico da Seleção Sub20, Ramon Menezes, para liderar a Canarinho em seus amistosos.
“A gente tem uma seleção que é considerada a melhor do mundo e não temos técnico”, criticou Lula.
O que o Sr. Ednaldo Rodrigues está fazendo com a Seleção — e, portanto, com o povo brasileiro que se vê nela representado — é uma humilhação sem precedentes. Aderindo à campanha para colocar um estrangeiro no comando do escrete nacional, o presidente da CBF fica insistindo na negativa do técnico do Real Madrid, o italiano Carlo Ancelotti. Mesmo assim, Ednaldo não descartou esperar pelo europeu até 2024. No caso de isso ocorrer, o Brasil ficará até o ano que vem no total improviso… É uma avacalhação completa que foi revelada já durante o Mundial Sub20. Ramon, que estava na Argentina comandando os garotos da base em busca do hexacampeonato, teve de interromper os trabalhos e convocar os jogadores da seleção principal para os amistosos da Data Fifa de junho.
Lula, neste sentindo, está certo em criticar a CBF. A seleção com mais títulos mundiais foi deixada de lado pela confederação.
Os meninos e os homens
Em seguida, o presidente comentou: “o que é mais grave é que eu acho que hoje a gente não consegue formar uma grande seleção porque a gente não tem os jogadores da qualidade que a gente teve em 70, todos homens formados, homens calejados. A gente não tinha só menino, a gente tinha homens jogando na seleção, a começar pelo Pelé, com 30 anos de idade”.
No geral, a declaração de Lula está correta. Como diriam João Saldanha, que montou o esquadrão tricampeão do mundo na Copa de 1970, e Nelson Rodrigues, a Copa é como uma “guerra”. Desde 1966, as seleções europeias apelaram para a porradaria contra os sul-americanos, principalmente os brasileiros. Nos últimos anos, ainda mais, a roubalheira da Fifa tem custado caro ao Brasil. A Canarinho, que sempre chega favorita para conquistar o título, tem sido constantemente assaltada, a exemplo dos pênaltis claros não marcados a favor da Seleção Brasileira nas nossas duas últimas eliminações, Bélgica (2018) e Croácia (2022).
No esquema montado pelo imperialismo, o Brasil, com o melhor futebol do mundo, mas um país pobre, não consegue ser campeão. Na última Copa, a França conseguiu chegar à final ao vencer Marrocos nas semifinais, e a Argentina, que foi campeã do mundo, chegou à decisão devido a várias penalidades questionáveis. Quando se trata do Brasil, independentemente de o pênalti ser questionável ou não, se o adversário merece um cartão amarelo ou vermelho, dentre outros aspectos, a decisão da arbitragem sempre será desfavorável à seleção brasileira. Isso ficou evidente. O esquema é esse e será difícil sair dele.
No entanto, a final da Copa de 1970 comprova que é possível vencer um Mundial mesmo jogando contra a arbitragem. Quem viu o jogo (disponível nas plataformas de vídeo na internet), assistiu claramente à roubalheira que o árbitro promoveu contra o Brasil. Mesmo assim, o resultado final foi sensacional: Brasil 4 x 1 Itália, e os brasileiros tornaram-se os primeiros tricampeões do mundo.
Como isso ocorreu?
Após a “carnificina” que foi a Copa de 1966, João “Sem Medo” Saldanha montou um escrete de “feras”. A ideia? Não levar desaforo para casa. Se apanhar, revide! Foi o que Gerson, um dos meio-campistas mais habilidosos da história, fez no fatídico amistoso contra o Peru no Maracanã, em 1969. O Templo do Futebol se tornou uma arena de gladiadores. Foi também o que Pelé fez na Copa de 1970. Na semifinal, cansado de apanhar do carniceiro uruguaio Dagoberto Fontes, o Rei deu-lhe uma cotovelada na fuça, mostrando que não aceitaria mais apanhar com a conivência da arbitragem. Experiente, sem o esquema de arrumação de resultados montado pelo VAR, Pelé ainda atuou e conseguiu uma falta favorável ao Brasil.
A Seleção de “feras” montada por Saldanha e comandada no México por Zagallo foi o que garantiu o tricampeonato ao Brasil. Jogadores experientes como Pelé, Gerson e Rivelino garantiram a Copa do Mundo. Da mesma forma, os experientes escretes de 1994 e 2002 conquistaram mais duas Copas do Mundo ao País. Nas últimas Copas, no entanto, o Brasil chegou com jogadores extremamente habilidosos, mas muito jovens, sem a experiência de superar tais adversidades.
Portanto, a declaração de Lula novamente foi correta. A Seleção, naturalmente, precisa dos meninos habilidosos, mas deve haver também os homens experientes.
Um país exportador
Sobre a qualidade dos jogadores, de fato, houve uma decaída em relação às décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970. No entanto, a explicação para isso está em outra declaração de Lula na transmissão: “hoje a gente virou um país exportador de jovens jogadores que ficam experientes no exterior. A gente vende eles com 17 e compra eles com 34. Essa é a lógica do futebol brasileiro”. Essa é uma realidade que o futebol brasileiro precisa enfrentar e que Lula, no governo, deveria combater, com políticas para manter as joias brasileiras em solo nacional, fortalecendo as equipes e as competições brasileiras.
O gigantesco êxodo de jogadores brasileiros prejudica, definitivamente, o futebol nacional. Muitas grandes promessas se perdem na Europa, porque não conseguem se adaptar a outras culturas, ao clima, mas principalmente ao jogo burocrático europeu, que poda as características que tornam os jogadores brasileiros os melhores do mundo.
No entanto, é um erro de Lula — que citou a má fase dos clubes pelo qual torce, o Corinthians e o Vasco, e a eliminação do Brasil para Israel no Mundial Sub20 — assumir que por causa disso “o futebol brasileiro não está bem”, “a gente não é mais o melhor futebol do mundo” e que a nossa seleção ainda “não está preparada para disputar os grandes eventos”.
O melhor futebol do mundo
Na realidade, o futebol brasileiro precisa superar mais uma adversidade para ser campeão do mundo novamente. Apenas isso. No entanto, mesmo com todo o controle europeu, o Brasil continua, sim, o melhor futebol do mundo.
Primeiro, mesmo com todas as crises, a Seleção Brasileira continua sendo a única, desde 1990, que chegou a todas as quartas-de-final de uma Copa do Mundo. Na realidade, as únicas campanhas ruins do Brasil desde a conquista do primeiro Mundial, em 1958, foram em 1966 e 1990. No primeiro caso, os jogadores não estavam preparados à nova tática desenvolvida pelos europeus: a porradaria desenfreada. No segundo, os ataques ao futebol arte nacional fizeram o técnico Lazaroni montar uma seleção de futebol força. Um erro total; para vencer os europeus, é preciso jogar como brasileiros. Aliás, esse é um outro problema que o futebol nacional precisa superar: frear a infiltração das táticas burocráticas, posicionais, que limitam os jogadores, que hoje aparecem nos clubes nacionais.
Segundo, os jogadores brasileiros são os principais artilheiros da principal competição europeia, a Liga dos Campeões. Terceiro, os jogadores brasileiros são geralmente os melhores dos seus clubes na Europa. Quarto, o Brasil tem o maior êxodo de jogadores justamente porque seus jogadores são os mais cobiçados pelos ricos times do mundo. Quinto, mesmo com esse êxodo, os times brasileiros continuam sendo extremamente fortes, disputando a competição mais difícil do mundo: o Campeonato Brasileiro.
Portanto, mesmo apontando aspectos importantes a serem superados pelo futebol nacional, Lula está profundamente enganado ao afirmar que “a gente não é mais o melhor futebol do mundo”.