O programa da Causa Operária na Rádio Cultura AM 930 vai ao ar todas as sextas-feiras, às 13 horas, e, na edição de número 61, trouxe o convidado Roberto Requião, ex-governador do Paraná e ex-senador da República, ao programa.
Roberto Requião fala sobre os primeiros 45 dias do governo Lula. Ocorreram várias declarações de agentes do governo americano cobrando que o Brasil se posicione em alinhamento com eles e se afaste do bloco dos BRICS do qual fazemos parte. Victoria Nuland expressa claramente que o Brasil não deveria aceitar que navios iranianos estivessem em nossa costa e deveria se posicionar ao lado da Ucrânia no conflito entre Rússia e Ucrânia.
O ex-senador acredita que não há guerra entre a Rússia e a Ucrânia, mas entre os EUA e a Rússia e que a Ucrânia é apenas bucha de canhão neste conflito. Diz que ninguém apoia uma guerra, ela é consequência de disputas por mercado e Lula está preso ao capital financeiro:
“Para sair das garras do imperialismo o governo precisa ter um projeto claro de desenvolvimento, dizer ao povo o que queremos em termos de desenvolvimento econômico e justiça social, que as empresas públicas respondam às necessidades do povo brasileiro e o Banco Central esteja subordinado a um projeto de desenvolvimento nacional. Mas o Lula, mesmo com sua sensibilidade social, está engessado brutalmente pelo domínio do capital financeiro. O discurso é porreta, mas a ação não acompanha, por causa da frente ampla, que é tão ampla que parece que os interesses do povo são subestimados e são maximizados os interesses do capital”, diz o ex-senador.
Ele descreve a armadilha que o capital financeiro coloca para o povo e para o governo, destacando um bom exemplo disso:
“Vamos imaginar uma pessoa que guarda um determinado valor na poupança, que é feita no banco da escolha dela. O banco remunera essa poupança em 7% ao ano, pega o depósito e aplica em letras do tesouro, que hoje está remunerando a 13,75% ao ano, mas arredondamos para 14% para facilitar o cálculo. Já ganhou 7% em cima do depósito do povo sem fazer nada. No vencimento do título o governo precisa pagar o portador com juros e para isso aumenta os impostos aumentando a dívida pública. Os juros serão pagos pelo povo não pelo banco e irão para o banco. Assim ganha livre 7% e mais os juros pagos pelo governo com o aumento da dívida.“
Requião explica que um ponto percentual na taxa Selic equivale hoje a 76 bilhões de reais e o Banco Central alega que o governo não pode aumentar o salário- mínimo além dos 18 reais, que isso vai quebrar a estrutura do Estado, mas para manter o lucro extraordinário dos bancos pode? Continua o raciocínio dizendo que o lucro dos bancos de 7% sobre os depósitos dos correntistas correspondem a mais de 500 bilhões de reais ao ano, mas não podemos dar mais que 18 reais de aumento para o salário mínimo?
Nesse sentido, diz que:
“O discurso do Lula é porreta mas não avança, na prática, ao limite imposto pelo sistema financeiro, isso não tem cabimento. Esse valor que os bancos ganham sobre os depósitos é suficiente para construir dois milhões de casas populares de 75 metros quadrados por ano, sendo assim poderia até dar essas casas de graça para o povo. E ainda, um hambúrguer custa entre 28 e 30 reais em Curitiba, se o trabalhador economizar por dois meses o valor do aumento consegue comer apenas um. Continuamos na mão do capital financeiro, por isso não tem sentido o Banco Central continuar a ser independente.“
Ele comenta que Victoria Nuland está a serviço do capital financeiro que também controla o governo dos EUA e demais países, e que isso não pode mais ser suportado pelo mundo. E enquanto Lula afirma que o Bacen está sabotando seu governo, a ministra Simone Tebet declara que foi um avanço institucional para o Brasil.
Completa afirmando que o Bacen não é independente de nada e que está nas mãos dos banqueiros, defensores da dívida pública e que determinam os juros. Graças a Paulo Guedes que o Banco Central adquiriu independência, mas do povo brasileiro, permanecendo dependente e a serviço do capital financeiro internacional, que ganha com a ciranda financeira em detrimento do setor produtivo.
Portanto, Requião afirma que “Devemos nos distanciar da política americana, mas não entrar de cabeça na aliança Rússia e China, pois estão interessados em resolver os problemas econômicos deles, não os nossos“.
“Nós não temos projeto nacional, apoiamos o Lira e o Pacheco no Congresso Nacional e eles já se manifestaram em apoio à independência do Banco Central, como apoiamos eles que foram colocados nos cargos por patrocínio do capital internacional?”, afirma.
Ele crê que deveríamos ter uma proposta moderada que não colocasse nada que fosse impossível de ser realizado, mas que não podemos nos submeter tanto ao capital, diz ele. Fala que o governo Lula está preso a isso com alguns ministros, e que a aliança é tão ampla que não cabe o povo dentro dela. Cita que o ministro dos transportes foi favorável ao pedágio no Paraná, que foi o maior roubo da história do País. Cobra que o Lula ainda não revogou o decreto de Bolsonaro que legalizava a ilegal venda da Copel.
Quando questionado sobre o que significa a expressão usada por ele de que “é preciso mais lulismo dentro do governo” quando setores da esquerda acham que, por ter ganho as eleições, agora, está tudo bem, apesar dos enormes problemas que estão ocorrendo, Requião respondeu que “Lula bate duro na independência do Banco Central, enquanto os ministros dizem que a independência do banco não vai ser mexida e, com isso, a população acha que não tem problema o banco ser independente e determinar os juros que irão receber estando a serviço dos banqueiros”. O ex-governador acha isso uma loucura e afirma que os ministros não agem conforme o discurso do Lula, fazendo com que os ministérios do governo tornem-se uma verdadeira colcha de retalhos. Ainda, fala que os políticos que votaram no impeachment de Dilma estão hoje nos ministérios do governo Lula. Como será possível?
Roberto Requião defendeu que Lula vá à televisão e explique o papel do Banco Central independente em comparação com ele vinculado ao governo. Explique o mecanismo da dívida pública, porque não conseguiu executar a promessa de campanha de elevar a isenção do Imposto de Renda para 5 mil reais, etc. Embora reconheça que o governo está cercado de enormes dificuldades e com pouca margem de manobra, apesar disso não deveria ter anunciado o aumento do salário-mínimo e o aumento da isenção do IR como uma boa conquista, mas sim como o possível dentro das dificuldades e, assim, deixar claro para o povo a realidade das dificuldades.
Ademais, ele critica a escolha do presidente da Petrobrás por ser ligado à petroleira Shell e por falar em mudar a matriz energética da companhia para energia hidráulica, eólica, etc. e deixar o petróleo para ser explorado pelas petroleiras estrangeiras. A Petrobrás hoje tem um dos maiores preços de venda de combustíveis e os maiores lucros mundiais e toda renda vai para o exterior, aos acionistas em Nova Iorque, e por isso ele diz que precisamos resgatar tanto a Petrobrás, como a Eletrobrás e não entrar para a OCDE porque isso favorece as empresas estrangeiras no Brasil por ter maior desenvolvimento tecnológico e a concorrência fica desigual com as nacionais que, fatalmente, irão perder capital.
Roberto Requião percebe Lula isolado com suas propostas progressistas dentro do governo, mas lembra que foi o próprio PT que fez a proposta do Banco Central independente através do ex-ministro Nelson Barbosa e que hoje ele participa do ministério do Haddad, e os considera “liberais de esquerda”.
Enfatiza que se Lula fizesse uma transmissão ao povo explicando os problemas da Petrobrás e da Eletrobrás, do Banco Central e dos juros, ninguém se atreveria ir contra a política dele, desde os militares até a Globo. Porém, deveria ter claro um programa político para embasar as suas negociações com os presidentes da Câmara e do Senado. Ou seja, fazer as negociações em torno de uma pauta, não de “toma lá e dá cá”.
Requião avalia que os movimentos sociais devem apoiar Lula de qualquer maneira sem deixar de explicar tudo que está acontecendo, caso contrário “vai favorecer a política compensatória”:
“Tem que mostrar que o capital está roubando o mundo diante da perspectiva de nova guerra mundial, na anterior morreram 80 milhões e hoje poderá morrer 800 milhões com as bombas atômicas. Elas, junto com as biológicas, formam o poder de dissuasão, de impedir que outros países se atrevem a invadir o território nacional, e o exército manifestou interesse em comprar tanques e isso vai gerar lucro para outros países, os que venderem“, disse o ex-senador.
Sobre o monopólio do sistema de comunicação, no qual poucas famílias controlam a quase totalidade dos veículos de informação, ele diz que precisa melhorar a potência das rádios comunitárias que são majoritariamente doadas para instituições evangélicas e de extrema-direita e melhorar a “imprensa alternativa que foi quem sustentou a imagem dele [do Lula] quando estava preso” e que são centenas de entrevistas de ministros apenas na Globo.
Com relação à imprensa estatal, ele, durante o governo no Paraná, fez parceria com a TeleSur. Ademais, crê que deveria haver mais investimentos, inclusive lembras que foi a Globo quem cassou o Lula.
Para romper com a pressão da imprensa e do imperialismo, Requião afirma que é preciso agir, colocar em prática o programa de recuperação da economia com justiça social, e dá exemplos de sua administração no governo do Paraná. Ele diz que quer ver o governo realizar o que prometeu em campanha e que consiga sair do cerco do capital financeiro e assim o país e os trabalhadores melhorarem a condição de vida. E ele consegue fazer isso à medida que seja cobrado pelos movimentos sociais e o povo, senão fica nas mãos do capital financeiro.
Requião encerra a entrevista afirmando que Lula é nosso presidente da República, mas não pode continuar prisioneiro do sistema financeiro e da aliança ampla demais e que não pode ser uma “aliança contra o Brasil”. Precisa ter clareza nos objetivos nacionais e colocar eles para o povo.
Confira o programa na íntegra logo abaixo: