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Ameaça de motim

Yevgeny Prigozhin e sua crise com o governo russo

Comandante do Grupo Wagner ameaçou marchar sobre Moscou

Na noite de ontem (23), o comandante do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, deu uma série de declarações que provavelmente significarão o seu rompimento definitivo com o governo de Vladimir Putin. Prigozhin acusou o Ministério da Defesa russo de sabotar as suas tropas e ameaçou marchar sobre Moscou exigindo a cabeça do comandante da pasta, Sergei Shoigu. Em resposta, Putin caracterizou os eventos como uma “traição interna” e abriu, por meio de seus serviços de inteligência, uma investigação contra Prigozhin por “motim armado”.

Atualmente, o Grupo Wagner tem desempenhado um papel importante na Guerra da Ucrânia e nos conflitos envolvendo aliados da Rússia pelo mundo. Prigozhin, por sua vez, também vinha sendo apontado como uma figura cada vez mais influente no governo Putin. No entanto, a crise que explodiu ontem não é um raio em céu azul, mas o estopim de uma série de desentendimentos que já vinham acontecendo entre o governo e o líder do grupo paramilitar.

Yevgeny Prigozhin

Hoje com 62 anos, Yevgeny Prigozhin é um bilionário russo, chamado comumente de “oligarca” – isto é, uma das pessoas que acabaram sendo beneficiadas com a restauração soviética, abocanhando, sem ter de dar qualquer contrapartida, uma grande parte da economia. Prigozhin se estabeleceu como um dos homens mais ricos da Rússia por meio de suas empresas no ramo de restaurantes. Apontado como uma pessoa próxima a Putin e a setores do Ministério da Defesa, Prigozhin havia sido acusado de interferir nas eleições norte-americanas de 2016, que deu a vitória a Donald Trump. O FBI está oferecendo uma recompensa de 250 mil dólares por informações que levem à prisão de Prigozhin.

Durante o período soviético, Prigozhin teve uma juventude bastante complicada, passando nove anos na cadeia por crimes como roubo e fraude. Sua vida começou a mudar logo após a queda da União Soviética, quando passou a investir em empresas de supermercados e jogos de azar. Prigozhin foi um dos responsáveis pelos primeiros cassinos de São Petersburgo, e foi graças a isso que teve seu primeiro encontro com Putin, que era, na décade de 1990, presidente do conselho de supervisão de cassinos e jogos de azar.

Em 2022, Prigozhin admitiu ser o líder e fundador do Grupo Wagner. Segundo ele, o grupo teria sido fundado em 1º de maio de 2014 para “o genocídio da população russa de Donbass”, logo após o golpe de Estado do Euromaidan.

Formado em parte por ex-presidiários, o Grupo Wagner é um exército de mercenários, uma milícia com dezenas de milhares de homens que tem crescido bastante nos últimos anos. E sua atuação não se restringe apenas à Rússia, mas também abrange a África e o Oriente Médio:

“O povo sírio, outras pessoas de países árabes, africanos e latino-americanos desamparados se tornaram os pilares de nossa pátria”.

Para formar sua milícia, o comandante do Grupo oferecia a anistia para quem participasse das batalhas. Os desertores e os que se deixassem capturar, por sua vez, seriam executados. Prigozhin fazia questão de posar com seus mercenários supostamente na linha de frente, justamente com o objetivo de se mostrar mais “corajoso” que os generais russos.

O conflito na Ucrânia

O Grupo Wagner esteve envolvido em várias das importantes vitórias da operação militar especial russa. A de maior destaque, de longe, foi a conquista de Bakhmut, após 15 meses de sangrentas batalhas. O Grupo Wagner apareceu, naquele momento, como o principal responsável pela vitória, consagrando Prigozhin como uma pessoa decisiva para o sucesso militar do governo Putin.

A vitória de Bakhmut, embora de grande importância para a estratégia de Putin, acabou, ao que parece, aumentando as contradições de Prigozhin e o Ministério da Defesa russo. Durante as batalhas, Prigozhin acusou os militares de economizar munição e publicou vídeos insultando generais russos.

As acusações de Prigozhin não são dirigidas diretamente ao presidente Vladimir Putin, nem mesmo neste momento de escalada das tensões. A todo o momento, Prigozhin se volta contra elementos do Ministério da Defesa – em especial, seu comandante, Sergei Shoigu.

Há motivos evidentes para isso. Como um oligarca, Prigozhin baseia o seu poder nas relações com o Estado russo – foi através dessas relações que prosperou como empresário e tem sido através dessas relações que conseguiu o apoio financeiro, logístico e mesmo militar para que o Grupo Wagner crescesse de maneira tão rápida. O apoio do Estado ao Grupo Wagner é necessário não somente do ponto de vista dos recursos, mas inclusive da propaganda – para que as tropas de Prigozhin estivessem situadas em regiões importantes como Bakhmut e obtivessem os créditos pela vitória, foi necessário, obviamente, algum tipo de acordo com o Estado.

Muito embora Prigozhin tenha estabelecido uma parceria com o Estado Russo, não necessariamente ela está baseada em um acordo satisfatório para ambos. Analistas da situação da Rússia alegam que Prigozhin teria planos para se tornar uma pessoa ainda mais importante para o regime russo – alguns, inclusive, consideram que ele planejaria ser o “sucessor” de Putin. Para que isso acontecesse, a ajuda do atual Ministério da Defesa seria fundamental, pois isso poderia dar os recursos necessários para que o Grupo Wagner aumentasse o seu protagonismo na guerra.

Do ponto de vista do Ministério da Defesa, é óbvio que a crescente influência de Prigozhin deve ser vista com preocupação, pois um grupo armado com dezenas de milhares de combatentes que tenha independência do Estado se torna um “aliado” perigoso, que passaria a fazer exigências cada vez maiores.

É provável que haja outras forças, diretamente relacionadas com o objetivo da guerra, operando. A Ucrânia está em uma “contra-ofensiva”, que até agora se mostrou fracassada, mas que, ao mesmo tempo, aparece como uma espécie de última tentativa desesperada de impedir um desastre. Putin, por outro lado, é um presidente oriundo dos serviços de inteligência, que calcula meticulosamente cada passo que será dado na guerra. Apesar das já apontadas rusgas entre o comando do Grupo Wagner e o governo Putin, é preciso aguardar para que se torne claro o papel que a crise terá no desenlace da guerra.

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