Passam-se os dias, dentro de um mês e meio completar-se-á um ano da intervenção russa na guerra na Ucrânia e os morenistas ao redor do mundo continuam passando vergonha diante da classe operária internacional com sua propaganda absurda a favor do regime de extrema-direita ucraniano, da OTAN e do imperialismo.
Desta vez, a LIT-QI, agrupamento do qual faz parte o PSTU, inventou um manifesto intitulado Youth4UkrainianResistance (slogan que copia os formatos utilizados pelas mais diversas campanhas das ONGs imperialistas). Nele, lemos que a luta da classe trabalhadora ucraniana é “contra o autoritarismo” e “a favor da democracia”. Isso também poderia ter sido facilmente extraído de uma campanha de qualquer ONG financiada pela USAID, o NED ou os demais órgãos ligados à CIA. Os morenistas entraram de cabeça na campanha imperialista do “autoritarismo” contra a “democracia”. A luta da classe operária, segundo eles, não é mais pela revolução, e sim pela sacrossanta democracia, essa que já não existe há mais de cem anos com a fusão do grande capital internacional para gerar o sistema monopolista que transforma os regimes políticos em ditaduras.
Ao mesmo tempo que a classe operária ucraniana luta pela democracia, ela luta também contra a “Rússia imperialista” (!). Difícil é conseguir ser tão revisionista do marxismo quanto os morenistas em um manifesto como esse. Não bastasse a defesa da “democracia” em abstrato, ou seja, da “democracia” imperialista, agora deturpam a análise apresentada por Lênin sobre o que é o imperialismo – exatamente esse sistema de monopólios, que só pode ser criado e mantido pelos conglomerados capitalistas dos países que desenvolveram o capitalismo plenamente, e a Rússia não se encontra nessa lista.
Ora, por que então a Rússia seria um país imperialista? Os morenistas, que se dizem trotskistas, caem na mesma lorota inventada pelos discípulos albaneses de Stálin: a Rússia seria imperialista porque tem o maior território do mundo e herdou dos tempos czaristas uma enorme estrutura militar. Não importa que o país seja basicamente um mero exportador de matéria-prima, o que o coloca mais perto do Congo do que da Alemanha. O que importa para o raciocínio superficial da LIT-QI é que a Rússia realiza uma intervenção militar na Ucrânia. Isso é o suficiente para qualificar os russos como imperialistas. Quando o Iraque invadiu o Kuwait, aquela também foi uma demonstração do imperialismo iraquiano? Quando as tropas da miserável Etiópia cruzaram as fronteiras com a miserável Somália, estávamos diante de uma invasão imperialista?
Embebida de suas ilusões com a democracia, pobre vítima da lavagem cerebral do imperialismo – que promove a destruição do mundo e joga a culpa na Rússia -, a LIT-QI acaba por acreditar que o grande responsável pela guerra na Ucrânia é a Rússia “imperialista” e que o povo trabalhador ucraniano está unido em uma “resistência” encarniçada contra os invasores malvados e inimigos da democracia.
“Atualmente, a juventude na Ucrânia está vendo como as suas vidas e cidades são destruídas e seu povo está sendo bombardeado e massacrado pelas tropas russas, obrigando-os a abandonar seus estudos e projetos de vida”, diz o texto. Os trabalhadores ucranianos, portanto, deveriam fazer uma frente única com o governo ucraniano, conforme se deduz da posição da LIT-QI, embora o governo de Vladimir Zelensky realize costumeiras “traições” contra essa luta. Seria possível posição mais social-patriota dos pretensos internacionalistas?
Vejamos o que a LIT-QI não consegue enxergar. A destruição da Ucrânia não começou com a suposta invasão russa. A guerra iniciou-se em 2014, devido a um golpe de Estado promovido pelos EUA e o imperialismo europeu, do qual se tem farta documentação. Para garantir a derrubada do governo nacionalista, o imperialismo alimentou grupos abertamente nazistas, que então tomaram conta da política ucraniana. O governo que ascendeu sempre teve características notadamente de extrema-direita, a mais clara delas a proibição das organizações comunistas e socialistas. É por essa “democracia” que os morenistas da LIT-QI estão lutando? Foi essa “democracia” que iniciou o banho de sangue que vemos há quase nove anos, porque os trabalhadores ucranianos e russos (que vivem no leste do país) se levantaram contra o golpe nas regiões de Donetsk, Lugansk, Odessa e Carcóvia, principalmente, como em todo o país. Foram brutalmente reprimidos.
Os trabalhadores de Donetsk e Lugansk, na fronteira com a Rússia, no Donbass, conseguiram resistir ao golpe precisamente por serem a vanguarda da classe operária do país, desde sempre. Declararam independência e o nascimento de dois estados operários, a República Popular de Donetsk e a República Popular de Lugansk. A burguesia ucraniana fugiu de lá e os trabalhadores organizaram as duas repúblicas para enfrentarem a guerra de agressão promovida pelo novo regime de Kiev, armado pelo imperialismo.
Portanto, é absolutamente falsa a seguinte afirmação da LIT-QI: “a guerra na Ucrânia é consequência da invasão perpetrada pela segunda potência militar no mundo, a armada russa, liderada pelo governo de Putin, contra um país muito mais débil e historicamente oprimido pela Rússia.” Essa organização ainda tem a coragem de dizer, sem seguida, que a Rússia começou a guerra no Donbass em 2014 e depois invadiu a região em 2022 “para impor seus interesses econômicos e políticos ao povo ucraniano”. O manifesto copiado das ONGs americanas diz isso logo após louvar a “revolução laranja” de 2004, um golpe de Estado “brando” financiado por George Soros, e o próprio golpe fascista de 2014, o qual os morenistas chamam de “Revolução da Dignidade” (!).
Além das mentiras grotescas, chama a atenção a análise completamente fora da realidade. A Rússia é a grande vilã, tanto na Ucrânia como em outras partes do mundo. Putin “reprime violentamente as minorias étnicas desde os tártaros da Crimeia, até ucranianos/as e chechenos/as, desde Yakuts até Mari. A Rússia está desempenhando um papel reacionário no leste da Europa e outras regiões. Sua política interna chama a atomizar e despolitizar a sociedade, eliminando a oposição, inclusive as organizações de esquerda, com apoio às organizações com uma oratória descaradamente de ultradireita e retórica fascista”. “Ao mesmo tempo, em política externa, o país apoia entusiasticamente ou participa abertamente na repressão aos protestos populares e da classe trabalhadora, como temos visto repetidamente em Belarus, Cazaquistão, Chechênia, etc. O fato de que a Rússia se oponha aos Estados Unidos não faz dela um regime democrático nem progressista.”
Aqui volta o problema da democracia. A Rússia não é um regime democrático nem progressista e por isso deve ser combatida, mesmo que ela esteja em profunda contradição com o imperialismo liderado pelos EUA. E finalmente aparecem os Estados Unidos no texto da LIT-QI! Mas não há nenhuma crítica nem denúncia a eles, e sim uma defesa velada! Não é verdade que exista uma eliminação da esquerda russa e um apoio pelo governo à extrema-direita. Isso foi comprovado pelos correspondentes enviados por este diário à Rússia e ao Donbass no ano passado. É uma falácia difundida pela imprensa imperialista a história de que Putin alimenta e é apoiado pela extrema-direita e por setores fascistas. Na verdade, Putin é apoiado pela maior parte da classe trabalhadora e das organizações de esquerda, mesmo que sua política nacionalista burguesa tenha características dúbias. Por um lado, a política econômica interna russa tem ganhado um caráter progressista, de defesa e promoção da indústria nacional e de direitos econômicos da população, enquanto por outro a política de costumes é extremamente moralista e alinhada com a Igreja Ortodoxa, embora também tenha o respaldo de grande parte da população.
Já a sua política externa tem um caráter nitidamente progressista por levar adiante as contradições com o imperialismo, dentro do âmbito do nacionalismo burguês de um país atrasado e de uma potência regional como é a Rússia. Em Belarus (Bielorrússia), não houve repressão a protestos populares contra o governo porque não houve protestos populares contra o governo, o que houve foi mais uma tentativa de revolução colorida, aos moldes das apoiadas efusivamente pelos morenistas ao redor do mundo. Algo semelhante ocorreu no Cazaquistão e na Chechênia. Trata-se da proteção de países oprimidos pelo imperialismo contra a agressão do imperialismo. As forças armadas russas têm sido utilizadas externamente por Putin para proteger, em última instância, a Rússia atrasada, oprimida, da opressão imperialista. E para isso ela se alia com outros países da região cujos governos também têm as mesmas características, sendo eles representantes de uma burguesia nacional cada vez mais oprimida pelo imperialismo, e que em momentos pontuais seus interesses de sobrevivência convergem com os interesses da classe operária desses países. O mesmo ocorreu na Síria, quando Putin e Assad impediram que o imperialismo tomasse conta do país, tendo recebido o apoio do povo sírio.
Não existe uma repressão às minorias étnicas na Rússia como é relatada pelo manifesto que estamos criticando. Onde, porém, essa repressão ocorre, e de maneira brutal, é na própria Ucrânia, a menina dos olhos da LIT-QI, que esconde a barbárie que está sendo cometida pelo regime de Kiev contra o povo russo do Donbass desde a “revolução da dignidade” verdadeiramente fascista apoiada pela própria LIT-QI em 2014. “Todo o mundo deveria ter direito à sua defesa contra a opressão, a defender sua cultura e sua língua, direito à autodeterminação política e à soberania nacional”, dizem os morenistas. E por qual motivo, então, não apoiam isso para o povo do Donbass, que se declarou independente da Ucrânia porque não queria viver sob um regime de tipo fascista que proibiu aquele povo de falar a própria língua?
E depois chegamos à pá de cal do enterro do marxismo – e mesmo de qualquer luta democrática e progressista – pelos morenistas da LIT-QI: a sua defesa de que o imperialismo envie armamento pesado à Ucrânia! E não é uma defesa disfarçada, é aberta!
“Os imperialismos americano e europeu, apesar de prometerem armamento, não enviaram o necessário”, diz o texto alucinado, que ignora que a OTAN está armando o regime ucraniano até os dentes há anos. Em 2022, o governo dos EUA enviou quase 23 bilhões de dólares somente em ajuda militar direta à Ucrânia, incluindo equipamento e armamento pesado e moderno. Isso é sete vezes mais do que a quantia enviada pelos EUA para que Israel massacre os palestinos. No total, quarenta países (o imperialismo americano e o europeu, mais meia dúzia de associados) enviam ajuda ao regime de extrema-direita de Kiev para que ele implemente o genocídio que já deixou cerca de 15 mil pessoas mortas no Donbass. E a LI-QI ainda tem a pachorra de afirmar que o imperialismo está financiando… a Rússia! Segundo ela, “se os governos europeus apoiaram (superficialmente) – superficialmente! – o conflito, é porque as massas ucranianas resistiram desde o início, e as massas internacionais se manifestaram contra a agressão russa”. Então quer dizer que o apoio do imperialismo foi “superficial” – o que seria um apoio para valer, então? – e que isso ocorreu porque o imperialismo, que, como todos sabem, é um sistema baseado no apoio crítico das massas, foi pressionado por essas massas para que envie armamento aos nazistas ucranianos! Um raciocínio genial, somente um gênio poderia produzir semelhante invenção!
Temos, então, o gran finale:
A estratégia atual da Rússia é o uso massivo da artilharia pesada, e o povo ucraniano quer lutar, mas não dispõe do armamento necessário para destruir esta artilharia e seus aviões, por isso é uma questão de vida ou morte conseguir armas para a resistência ucraniana.
Por isso mesmo, o apoio mais importante à resistência ucraniana é a demanda incondicional de envio de armamento à Ucrânia. Essa é a única forma pela qual a Ucrânia pode ganhar a guerra. As outras posições, como o pacifismo ou o apoio abstrato, no campo da guerra significa negar o direito à autodefesa, e contribui para a vitória russa. O povo ucraniano já assumiu a tarefa de se defender e a guerra continua, mas para ganhar esta guerra precisam de material e armamento pesado.
Joe Biden, Jens Stoltenberg e os capitalistas da indústria bélica dos EUA assinam embaixo o manifesto dos morenistas.