As eleições na Turquia estiveram no centro do debate internacional nos últimos dias. O candidato do imperialismo Kemal Kılıçdaroğlu foi derrotado pela atual presidente turco Recep Erdogan em uma eleição acirrada.
Um setor da esquerda brasileira e turca foi completamente incapaz de compreender o caráter de classe da eleição. Presos na tese da “democracia contra a ditadura”, tais setores se mostram totalmente alinhados ao imperialismo. Foi o caso do Movimento Revista, do PSOL, em seu artigo “Comunicado da esquerda turca após a vitória de Erdogan”
O movimento republicou uma tradução do artigo do HDP, Partido Democrático Popular, para expressar a sua posição. De acordo com a nota, a votação de 48% Kiliçdaroglu foi “uma expressão clara da vontade do povo de mudar o sistema, apesar de toda a repressão”. O interessante é que em nenhum momento é comentado que esse era o candidato apoiado diretamente pelos EUA e pela União Europeia. Seria o primeiro caso em que o candidato apoiado pelo imperialismo também seria o candidato apoiado pelo povo. Mas a análise de classe passa longe da esquerda pequeno burguesa.
A nota segue: “‘Testemunhamos uma eleição injusta, marcada por violações das regras democráticas básicas, que ocorreu sob as condições repressivas do regime de um homem só’, disse o co-porta-voz do Partido da Esquerda Verde, İbrahim Akın. Akın criticou as condições injustas no período que antecedeu a eleição e a manipulação do Estado. ‘Não havia uma mídia livre, nem um judiciário independente. Os recursos do Estado foram usados em favor do titular e um exército de trolls na rede, a serviço do aparato de propaganda do palácio, criando conteúdo profundamente falso e espalhando desinformação na forma de poluição de informações, deixou claro repetidamente que a eleição não foi justa”.
A crítica ao governo Erdogan ignora que houve uma gigantesca campanha da imprensa imperialista dentro da Turquia em apoio a Kılıçdaroğlu. Inclusive o imperialismo manobrou as eleições removendo um dos candidatos para que seus votos fossem transferidos para o seu candidato de preferência. É possível que Erdogan tenha usado o aparato de Estado a seu favor nas eleições, uma prática feita em todo o planeta, mas ignorar o aparato imperialista, que é gigantesco, só é possível quando se quer defender a todo o custo a política do imperialismo. A Turquia é um país da OTAN no Oriente Médio, um país oprimido principalmente pela Alemanha e os EUA, que são muito mais poderosos que o governo Erdogan. Prova disso é que ele por pouco não perdeu as eleições.
Em nenhum momento, o PSOL e seus companheiros turcos refletem sobre a disputa existente entre a burguesia da Turquia, representada por Erdogan, e o imperialismo. Ignoram, por exemplo, que os EUA tentaram dar um golpe de Estado em 2016, que falhou, e desde então o presidente turco se aproxima cada vez mais dos russos. Ignoram que o Oriente Médio redefinindo suas relações, aproximando-se do Irã e da China, e que Erdogan já demonstrou que está interessado em adentrar esse bloco. Assim como a Arábia Saudita se descola da esfera de influência dos EUA, a Turquia de Erdogan parece seguir os mesmos passos.
É preciso compreender o que isso significa na prática. A vitória de Kiliçdaroglu seria uma vitória de um candidato que aplicaria a política do imperialismo na Turquia. Uma vitória da OTAN em um país bastante próximo à Ucrânia e ao Oriente Médio. Os EUA não têm mais nenhum ponto de apoio na região, nem mesmo Israel está totalmente sob seu controle. Retomar o poder na Turquia seria uma grande derrota para os povos árabes e persa. E é isso que o PSOL defende, que o imperialismo, que massacrou por décadas com guerras sanguinárias o Oriente Médio mantenha uma base de operações na região. É uma política pró imperialista absurda.
A nota continua: “Akın agradeceu ao povo curdo e a todos os eleitores do Partido da Esquerda Verde por expressarem seu desejo de mudança e democracia de acordo com as políticas de seu partido e saudou sua postura e luta”. Aqui ele se refere a população curda, um povo oprimido que vive em sua maioria no território turco e que votou em Kiliçdaroglu pois sofreu com a repressão de Erdogan nos últimos anos. O argumento dos curdos está sendo muito utilizado para atacar Erdogan mas ele também é uma farsa. A culpa pelas divisões e pela violência no Oriente Médio não é dos governos locais, é do imperialismo.
Basta ver o que houve na Arábia Saudita. O país estava em guerra com o Iêmen há 8 anos massacrando a população. Com o realinhamento com o Irã, a guerra acabou e os países rapidamente reestabelecem lassos diplomáticos. O mesmo vale para a Síria, que ficou excluída por uma década da Liga Árabe. Com o enfraquecimento do imperialismo na região, o país voltou as relações diplomáticas estão todas sendo reestabelecidas. A questão curda não é diferente, o grande gerador de conflitos é o imperialismo. Foi o imperialismo que usou os curdos para atacar Assad e Saddam Hussein e agora os utiliza para atacar Erdogan.
Os povos oprimidos tendem a se unificar em sua luta contra o imperialismo. No irã vive o povo persa, na Turquia os turcos e nos demais países os árabes. Todos estão se unindo contra a intervenção imperialista na região. É possível também que os curdos que não são cooptados pelo imperialismo participem dessa união.
O artigo conclui tornando cristalina a posição pró imperialista do PSOL e seus companheiros turcos: “Estamos aqui. Continuaremos a luta democrática pela mudança, tanto no parlamento quanto em todas as outras áreas da vida, e faremos com que a política democrática cresça. Não vamos nos desviar desse caminho. Com a base da sociedade, lutaremos e venceremos juntos”. A oposição entre democracia e ditadura é o que permite o apoio sempre a política do imperialismo. Isso porque a “democracia” em abstrato é justamente a política de imperialista. Todos os líderes que se opõem a ditadura mundial são os ditadores, Putin, Xi Jinping, Erdogan, Khomeini, Maduro etc. Já os lacaios do imperialismo nunca são citados,Guilherme Lasso, Dina Boluarte, Michel Temer etc.