O novo ministro do Supremo Tribunal Federal, Cristiano Zanin, continua nas manchetes dos jornais. Agora, não mais por conta de seu passado como advogado de Lula, mas sim por seu posicionamento “conservador” de “homem, hétero, cis e branco”. Se o legalismo é “conservador” quando os direitos democráticos estão em extinção, precisaremos de mais ministros “conservadores”.
Na segunda-feira, 21 de agosto, foi vitorioso o entendimento do relator, ministro Luiz Edson Fachin, que defendeu a tese na qual, uma vez que o Supremo entende a discriminação por identidade de gênero e orientação sexual como racismo, a prática da “homotransfobia” também pode configurar crime de injúria racial.
Foi vencido o ministro Cristiano Zanin que — ao contrário do que se noticiou — não votou contra a equiparação dos crimes, apenas entendeu que a (re)análise da matéria não é possível no âmbito de embargos declaratórios, tendo em vista que tal provimento configura um novo julgamento com alargamento do mérito para além do que foi estabelecido na petição inicial, configurando extra causa petendi.
O que observamos, por parte da Suprema Corte, com a feliz exceção do ministro Zanin, é a utilização da tutela jurisdicional para legislar. A desfaçatez é tamanha, que nem mesmo o princípio processual da congruência (tal qual consagrado no art. 492 do CPC) é respeitado. A imprensa burguesa, não satisfeita com a vitória do arbítrio, ainda tem a pachorra de definir o voto de Zanin como “sustentado por tecnicalidades processuais”.
Já na quinta-feira, 24 de agosto, o Supremo Tribunal Federal voltou a julgar a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), o que ficou conhecido na imprensa como o julgamento sobre descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. No entanto, o julgamento, que está 5 a 1 pela descriminalização, foi paralisado novamente por pedido de vista do ministro André Mendonça.
Em um primeiro plano, a questão em discussão era a inconstitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/2006, especialmente seu § 2º, que cria aberturas para a arbitrariedade do agente público na definição de quem é usuário e quem é traficante. No entanto, a discussão que se iniciou em 2015 saltou para a constitucionalidade, ou não, da punição, mesmo que administrativa, do usuário baseado nos princípios constitucionais da intimidade e privacidade.
A discussão foi reaberta com a reforma do voto do ministro Gilmar Mendes, limitando sua defesa da descriminalização que antes englobava qualquer droga, para beneficiar apenas a cannabis sativa.
Adentrando essa discussão que reemergiu em 2023, Zanin entendeu não ser possível declarar a inconstitucionalidade do trecho. Tendo em vista que o artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que está em debate, é o único dispositivo existente na legislação brasileira a diferenciar usuários e traficantes. Nas palavras do ministro, “como já expus, esse é o único parâmetro relativamente objetivo para diferenciar a situação do usuário da do traficante.” Não obstante, na busca por afastar a atual insegurança jurídica, Zanin propôs tese que definia quantidades objetivas de substância entorpecente para a tipificação penal.
Fora Zanin!
Desde que o nome de Zanin surgiu como possível ministro do Supremo Tribunal Federal, as críticas vindas da direita e da esquerda não cessaram. Dos posicionamentos mais miseráveis estava a defesa de uma ministra mulher e negra no STF, pelos motivos de… pasmem: precisarmos de uma ministra mulher e negra.
O identitarismo tem esse traço característico de esvaziar os interesses de um grupo em detrimento de representantes que pertencem a este grupo. Se a esquerda defendia os interesses das mulheres e dos negros, pouco importando a figura que alavancasse esses interesses, para os identitários da “ex-querda”, o que importa não são os interesses em disputa, mas a figura que alavanca o interesse. O fetichismo do representante, ou “representativismo” tem sido o ouro de tolo da classe média cosmopolita brasileira, além de um belo produto de legitimação da burguesia, que investe em novos representantes e “consultores de diversidade”.
Um outro problema do ministro Zanin — além de não ser uma mulher, negra, cadeirante, nordestina e do abecedário — é ser um estrito legalista. É compreensível entender a raiva da burguesia, acostumada a dobrar o ordenamento jurídico através do STF. No entanto, é um espetáculo à parte observar o choro e ranger de dentes da esquerda pequeno-burguesa ao ver que Zanin não pretende driblar a Constituição com as tão famosas “cambalhotas hermenêuticas” produzidas no STF.
Esses setores da esquerda querem utilizar do mesmo expediente de perseguição judicial que depôs a presidente Dilma e encarcerou o presidente Lula, acreditando eles, coitados, que a pequena burguesia cosmopolita tem a capacidade de usar as instituições do Estado para seus fins, tal qual a grande burguesia. Afinal, como Toffoli já disse, vivemos em um “semi-presidencialismo” tutelado pelo Supremo Tribunal Federal.
Tal qual na Monarquia, onde se apelava para o Rei decidir a contenda, temos diferentes grupos sociais no Brasil apelando ao STF. Hoje, no entanto, inexiste rei, o que temos é um sindicato príncipes togados.
Zanin, até o momento, vem agindo de forma extremamente legalista, o que para as classes populares, despossuídas do poder, é um grato alívio. E diferente do que pensa nossa pequena burguesia cosmopolita, qualquer decisão do STF, como a descriminalização do uso da maconha (pauta defendida historicamente pelo PCO não apenas para a cannabis sativa, mas para todas as drogas) será vista como uma decisão tomada de cima para baixo, enfiada goela abaixo de uma sociedade que, majoritariamente, é contrária a ela.
Esse setor da esquerda, com preocupações única e exclusivamente minoritárias, sempre em aliança carnal com a burguesia que se veste de arco-íris, ainda esbraveja que o povo é “fascista”, quando reacionários como Bolsonaro se elegem. Não poderia ser diferente.
Assim, se essa pequena burguesia cosmopolita fosse realmente popular, voltaria sua preocupação em convencer a população que a descriminalização das drogas, ou mesmo a criminalização da “homotransfobia” é uma pauta importante, em vez de apoiar que a decisão fosse imposta por um tribunal sem voto.
Nem a dita esquerda, muito menos a direita se preocupam com a opinião da população. Querem apenas escolher o novo rei que exerça o poder moderador em prol de suas pautas, afastando os ”bestializados” (leia-se população brasileira) de qualquer participação.