Novo governo Lula

Primeiras impressões

Presidente da República fez discurso com tendências nacionalistas, ao mesmo tempo em que acena para setores nocivos do regime

Em um evento testemunhado por centenas de milhares em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse e deu início ao seu terceiro mandato, o quinto do Partido dos Trabalhadores. No primeiro discurso que fez enquanto novo presidente, Lula apresentou, de maneira mais definitiva, qual será sua política daqui para diante.

O presidente iniciou sua fala agradecendo ao povo brasileiro e à “frente democrática que formamos ao longo desta histórica campanha eleitoral”. Restará saber, no futuro próximo, se Lula de fato é grato a frente de sabotadores, como Simone Tebet e Paulinho da Força, ou se os elogios à “frente ampla” não passam de um aceno demagógico para acalmar seus inimigos.

Na sequência, contudo, Lula decidiu defender o mesmo discurso da chamada “terceira via” – a suposta oposição ao bolsonarismo que, na verdade, é o PSDB e a Rede Globo. O presidente afirmou que sua vitória superou “as mais violentas ameaças à liberdade do voto, a mais abjeta campanha de mentiras e de ódio tramada para manipular e constranger o eleitorado”. Trata-se de um exagero, semelhante ao feito pela imprensa no último período, que acaba tendo por efeito a absolvição dos crimes cometidos pela direita “tradicional”. A campanha de Aécio Neves (PSDB), em 2014, e a campanha de Jair Bolsonaro, em 2018, apoiada pelo PSDB e pelo MDB, foram mais violentas que a última eleição.

A ideia de que o bolsonarismo de 2022 teria sido o maior monstro já visto serve, justamente, para promover os ideais da “frente ampla’, segundo a qual todos devem se unir contra o “mal maior”.

Isso fica claro, por exemplo, quando Lula se mostra estarrecido com o diagnóstico do Gabinete de Transição de Governo: “esvaziaram os recursos da Saúde”, desmontaram a Educação, a Cultura, Ciência e Tecnologia”, “destruíram a proteção ao Meio Ambiente” etc. Lula, no entanto, ignora completamente que o governo de Fernando Henrique Cardoso, que havia lhe antecedido em seu primeiro mandato, deixou um cenário ainda mais destruído.

No mesmo momento, Lula ainda agradeceu ao Judiciário, que hoje concentra os esforços da burguesia para estabelecer uma oposição oficial do bolsonarismo – aquela que não faz uma única crítica à sua política econômica. Lula destacou ” fundamental “a atitude corajosa do Poder Judiciário, especialmente do Tribunal Superior Eleitoral, para fazer prevalecer a verdade das urnas sobre a violência de seus detratores”.

Na parte seguinte de seu discurso, Lula começou a criticar de maneira mais concreta o governo Bolsonaro e a apresentar sua política. Deve ser criticado, no entanto, o fato de ter estabelecido a Constituição de 1988 como o patamar ideal – “o grande edifício de direitos, de soberania e de desenvolvimento que esta Nação levantou, a partir de 1988, vinha sendo sistematicamente demolido nos anos recentes”. A Constituição de 1988, embora de fato tenha sido desfigurada, nos últimos anos, em seus aspectos mais progressistas, não deve servir de modelo para a esquerda. Ela foi promulgada após a ditadura militar, em um momento de ascenso da classe operária, mas acabou expressando um acordo com os setores mais reacionários do regime, de modo que prevê, entre outras barbaridades, a possibilidade de intervenção militar.

Na parte em que tratou dos relatórios do grupo de transição, embora tenha feito muitas concessões aos governos do PSDB, Lula fez uma importante denúncia: a da farra dos acionistas nas estatais:

“Desorganizaram a governança da economia, dos financiamentos públicos, do apoio às empresas, aos empreendedores e ao comércio externo. Dilapidaram as estatais e os bancos públicos; entregaram o patrimônio nacional. Os recursos do país foram rapinados para saciar a cupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas”.

Do ponto de vista dos direitos democráticos, Lula começou com um discurso ambíguo, o que é bastante perigoso:

“Este processo eleitoral também foi caracterizado pelo contraste entre distintas visões de mundo. A nossa, centrada na solidariedade e na participação política e social para a definição democrática dos destinos do país. A outra, no individualismo, na negação da política, na destruição do estado em nome de supostas liberdades individuais. A liberdade que sempre defendemos é a de viver com dignidade, com pleno direito de expressão, manifestação e organização. A liberdade que eles pregam é a de oprimir o vulnerável, massacrar o oponente e impor a lei do mais forte acima das leis da civilização. O nome disso é barbárie”.

Não fica claro, assim, qual é sua posição em relação à liberdade de expressão. Lula defenderá que a polícia e o Judiciário reprimam alguém por suas ideias? Ou apenas está criticando, de maneira geral, o conteúdo agressivo da política neoliberal?

Há ainda outras falas problemáticas. Em um ponto, Lula cita os 27 governadores como aliados – repetindo a campanha da “terceira via”. Não se pode esquecer, no entanto, que esses mesmos governadores não fizeram absolutamente nada durante a pandemia, sendo cúmplices das mortes causadas nesse período. Em outro, Lula reafirma a política de cotas para as universidades, o que foi feito em seus governos anteriores. Essa política, embora seja bem intencionada, acaba por jogar água no moinho da extrema-direita: é preciso implementar o acesso livre às universidades.

As primeiras impressões do novo mandato, portanto, são repletas de ambiguidades e acenos perigosos. Por isso, faz-se ainda mais necessária a pressão popular para que Lula efetivamente leve adiante uma política que corresponda aos interesses dos trabalhadores.

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