No dia 3 de dezembro, o povo venezuelano irá decidir se o território de Essequibo deve ser anexado ou não ao seu país. O referendo é uma decisão do próprio presidente, Nicolás Maduro, que vem defendendo sistematicamente a anexação. “Neste domingo, quando votarmos, pensaremos na pátria, na família, na juventude e no futuro”, afirmou Maduro em seu perfil no X. “A Venezuela toda por amor, pela paz e por Essequibo se prepara para um novo marco na história do nosso país. Unidos, nós podemos nos recuperar e pintar o mapa inteiro. Vamos deixar nossa marca!”.
Considerado hoje um dos três distritos da Guiana, Essequibo não é reconhecido formalmente como parte da Venezuela. Com cerca de 160 milhões de quilômetros quadrados, Essequibo corresponde a 74% do território guianês.
A imprensa capitalista tem acusado Maduro de realizar uma “manobra ufanista” – isto é, de trazer à tona a questão do Essequibo apenas para esconder uma crise de popularidade. Trata-se, obviamente, de uma calúnia, que já é parte da campanha de guerra do imperialismo contra a Venezuela.
Não há indícios de que Maduro vá ocupar militarmente Essequibo neste momento. Ao que parece, o referendo é parte de uma campanha política que o governo venezuelano está promovendo para “preparar o terreno”. No entanto, não se trata de mera “manobra”, como acusa portais como o G1, da Rede Globo, mas sim uma operação política de grande envergadura que pode desequilibrar a correlação de forças na América do Sul. A ocupação de Essequibo, onde hoje se sabe que há grandes reservas de petróleo, seria mais um duro golpe contra o imperialismo.
O perfil Hoje no Mundo Militar, na rede social X, afirmou sobre a questão, fazendo coro à campanha da grande imprensa: “se a Guiana não estiver tecendo alianças e parcerias com outros países visando a sua defesa, Nicolás Maduro conseguirá aquilo que quer e mergulhará a América do Sul em uma guerra de invasão e conquista, tal como Putin está fazendo neste exato momento na Ucrânia”.
De fato, a comparação com a Ucrânia é devida. Mas não porque seria uma “guerra de invasão e conquista”, mas sim porque a ocupação russa da Ucrânia foi também um duro golpe no imperialismo. Guardada as devidas proporções, o que Maduro faria ao ocupar Essequibo seria o mesmo que Putin fez na Ucrânia, o mesmo que os guerrilheiros palestinos fizeram em Israel e o mesmo que os países africanos estão fazendo contra os franceses: reagir militarmente à opressão dos países imperialistas.
O movimento de Nicolás Maduro, assim, está inserido no quadro geral de crise do imperialismo. “Será mais um abacaxi para o imperialismo descascar”, afirmou Rui Costa Pimenta, presidente nacional do Partido da Causa Operária, durante o programa Análise Internacional. “E, agora, no quintal do imperialismo norte-americano, que é a América Latina. (…) Eu acho que o Maduro está explorando isso em perspectiva. Ele vai fazer o plebiscito, quer dizer, a Venezuela entra com canais diplomáticos falando que Essequibo é da Venezuela, começa aquela aquele negócio e ele vai ficar esperando a oportunidade. Se a oportunidade se apresentar, eu não tenho dúvida de que os venezuelanos ocupem Essequibo”.
Dado todo esse panorama, não há margem para dúvida de que o governo venezuelano deveria ser apoiado. Afinal, trata-se do mesmo problema visto na Ucrânia: trata-se de um país oprimido pelo imperialismo que, diante da fraqueza apresentada pelos grandes dominadores, está reagindo militarmente. Mas não é apenas por isso que a iniciativa merece ser apoiada: efetivamente, Essequibo pertence à Venezuela.
Em 1777, quando foi criada a Capitania Geral da Venezuela, pertencente ao Império Espanhol, estabeleceu-se como fronteira oriental entre Espanha e Países Baixos o rio Essequibo, desde sua nascente até sua desembocadura no Oceano Atlântico. Uma vez que não houve qualquer acordo com a República Venezuelana, estabelecida após a independência perante a Espanha, Essequibo pertenceria, de fato, à Venezuela.
O território apenas não pertence hoje ao Estado Venezuelano porque, desde o século XIX, a Grã Bretanha passou a estimular que colonos invadissem as terras localizadas ao oeste do rio Essequibo. Naquele momento, o Império Britânico havia acabado de fazer um acordo com os Países Baixos e, assim, passou a colonizar o território guianês. A ocupação britânica do Essequibo foi, portanto, uma operação para constituir o território que hoje é a Guiana. A Grã-Bretanha roubou o território venezuelano e o anexou contra a vontade do povo venezuelano, que não pode reagir porque aquela era a maior potência militar do mundo à época.
Os britânicos, durante todo o século XIX, tentaram impor uma série de acordos para que Essequibo fosse reconhecida como parte de seu território – tais acordos, no entanto, foram negados pelos venezuelanos. Em 1899, finalmente, estabeleceu-se o Laudo Arbitral de Paris, um documento diplomático em favor da Grã-Bretanha. O documento, no entanto, era uma fraude. A princípio, deveriam participar de sua formulação dois ingleses, dois venezuelanos e um representante de um país “neutro”. No final das contas, a Venezuela foi “representada” por dois norte-americanos.
A decisão causou grande revolta entre os venezuelanos. “Surpresa inexplicável”, afirmou Dr. José María Rojas, Agente do Governo da Venezuela perante o Tribunal Arbitral. “O que nunca seremos capazes de saber é a razão que o Sr. De Martens para proceder assim”, afirmou, referindo-se ao presidente do Tribunal. Um jornal francês à época declarou: “o conceito de Tribunal Arbitral não deve ser confundido com o do Tribunal Arbitrário”. Em 1907, o Brasil, através de seu embaixador na Segunda Conferência de Paz de Haia, expressou a esse respeito que uma injustiça havia sido cometida contra a Venezuela.
A histeria sobre uma possível “invasão” da Venezuela ou os clamores em torno do “respeito ao direito internacional”, portanto, não podem ser visto como outra coisa que pura hipocrisia. A operação que resultou no “reconhecimento” de Essequibo como parte de um Império estrangeiro à América Latina foi uma fraude e deve ser tratada como tal.