Projeto lançado ainda no governo de João Dória, denominado “Olho Vivo”, foi implementado em 2020 em caráter experimental . Inicialmente a PM de São Paulo foi equipada e treinada para atuar usando câmeras corporais (body cams) em suas atuações, principalmente aquelas que exigem o uso da força, enfrentamentos, etc. Reportagem do portal Metrópoles aponta que já foram gastos 60 milhões com os equipamentos adquiridos em licitação vencida pelo consórcio Advanta/Axos. São aproximadamente 10 mil equipamentos em uso, cobrindo a atividade de 40 mil policiais em 66 dos 134 batalhões da PM no estado.
Segundo o Metrópoles, e também ressaltada por matéria do Estadão, a queda no total de mortes expressa o sucesso da iniciativa, que é elogiada por especialistas entrevistados. A comemoração feita por eles é a de que as mortes perpetradas por PMs em serviço caíram em 39% desde a adoção das câmeras corporais. Autoridades também acrescentam que medidas tomadas pela Corregedoria, envolvendo orientações, treinamentos e punições aos infratores, também ajudaram a colocar as estatísticas em níveis comparados a décadas anteriores, atingindo o menor patamar desde 2001, segundo o Estadão. O Metrópoles afirma que:
“A estatística foi divulgada nessa quinta-feira (26/1), pela Secretaria da Segurança Pública (SSP). Na total de ocorrências em serviço e durante folga, São Paulo contabilizou 382 casos de letalidade da PM em 2022 – uma queda de 29,6% em relação às 543 mortes de 2021. Esse índice é o menor desde 2005.”
Mas, as mortes continuam acontecendo, em “off”, em momentos em que o PM faz “bico” como segurança ou que está de folga, a paisana, e acaba reagindo de forma violênta a situações do cotidiano. Fato semelhante foi divulgado em 10/01/2023, quando um policial de folga matou um morador de rua. Chamados para atender à situação, os PMS uniformizados filmaram o atendimento e as imagens serão provas cabais contra o acusado, que aparentemente matou por homofobia.
Sucessos da iniciativa de se monitorar em tempo real as ações policiais não são novidade. Estão nos filmes desde a década de 2000, quando Nova Iorque passou a usar e popularizar o equipamento. As câmeras corporais são muito úteis em sua função específica, mas não podem ser a base de uma política pública para segurança. “Off the record”, PMs, provavelmente, continuem sua rotina homicida.
A queda nas estatísticas, como sabemos, é algo fácil de se obter. A mudança da situação que leva à violenta impunidade da máquina repressiva e seus agentes contra civis pobres e pretos, em sua avassaladora maioria, infelizmente, não depende dos vídeos salvos em nuvem e disponíveis, inclusive, para cortes da PM para seu canal de Youtube. Há muita propaganda envolvida, certamente. O esforço pelo sucesso do projeto fica evidente. Menos evidente ficam as formas como nós, cidadãos, podemos acessar e, por que não, avaliar as performances anunciadas pelas autoridades. Deveria ficar disponível, para a população, as regras que regem os usos das câmeras e quais aspectos das propostas do projeto estão sendo bem implementadas ou não. Se os equipamentos, em princípio, servem para proteger a população, precisamos de um guia comum para podermos avaliar, como supostos beneficiários do projeto e de seus investimentos. Outro fator que temos que prestar atenção, como cidadãos, é o uso que os juízes e tribunais farão dessas imagens. Em SP, desde 2021 as tratativas estão acontecendo. Dada a conhecida “parcialidade” de alguns tribunais, as imagens que deveriam proteger o cidadão, podem ser usadas par incriminá-lo.
Não é segredo para ninguém que as nossas SSPs, além de outras instituiçoes às quais cabe reforçar o “cumprimento da lei”, adoram copiar as ações estadunidenses na área de segurança. Quantas e quantas vezes não foi mencionado o “Zero Tolerance”, do hoje malfadado Giuliani, então prefeito de NYC. Dória mesmo, quando governador em época de COVID19 imitava, tal e qual, o governador de Nova Iorque, Cuomo, impeachado do cargo. As lives diárias de Dória, na época, era cópias tropicais das lives de Cuomo. Até a indumentária era semelhante, menos o jeans apertado, que é marca de nosso tucano sem asas. O seu programa de câmeras corporais, provavelmente xerox do NYPD, foi criticado pelo então candidato a governador, Tarcísio de Freitas, que pretendia rever o programa, mas parece ter recuado em relação à promessa de campanha e aderido aos bons resultados apresentados. Todavia, tais resultados são sempre relativos, parciais e bastante manipulados pelas divulgações de resultados feitas pelas agências públicas interessadas, como SSPs e PMS e políticos em geral, principalmente em épocas eleitorais.
Em lugares onde o equipamento já é usado há vários anos, como nos EUA e no Reino Unido, estudos apontam, contrariamente ao que nossa mídia alardeia com entusiasmo, que em algumas localidades que conduziram estudos específicos sobre o tema revelam resultados negativos que precisam ser melhor observados e melhorados, caso os objetivos estabelecidos para seu uso se mantenham os mesmos.
Relatório publicado em janeiro de 2022 por órgão de pesquisa ligado à justiça estadunidense, o NIJ – National Institute for Justice – disponível em: https://nij.ojp.gov/topics/articles/research-body-worn-cameras-and-law-enforcement informa que em algumas cidades o número de fatalidades diminuiu, enquanto em outras, não houve mudanças em comparação a cidades que não usam o equipamento. Em Washington , DC, por exemplo, as câmeras não influenciaram em diminuição de enfrentamentos e violência. Em Birmingham, UK, as câmeras diminuíram a intensidade, mas não a ocorrência de uso da força em confrontos.
Nossa PM é violenta e não deixará de sê-lo porque está equipada com câmeras, pois elas tem regras de uso específicas, capacidade de 12h, no máximo, e regras para upload ou relatórios ao final do expediente. Tirado o uniforme e a câmera, tudo volta a ser como foi e ainda é: não é por que não foi filmada que a brutalidade dos PMs deixa de existir. Basta ligar a TV em programas sensacionalistas e veremos, diariamente, ações policiais entrando em ruas e comunidades para “matar” ou revidar balas de “traficantes e bandidos”. A narrativa oficial é de qua a PM é a boazinha da história. Será mesmo? Saber quando e o que filmar para sua própria proteção, enquanto agente público de segurança, certamente, é uma das instruções recebidasd no treinamento. Tais orientações também ficam gravar no hard disk cognitivo e emocional do cidadão sem farda, que saberá como fazer para que ninguèm, nem câmera alguma, possam ver o que não pode ser visto pela população civil, pobre e amedrontada de SP.