Batizado em homenagem ao inventor Thomas Edison, o mineiro de Três Corações foi ele próprio um inventor de mão cheia. Enquanto o norte-americano entrou para a história por inventar, entre outras coisas, a lâmpada elétrica, o brasileiro criou jogadas, dribles, estabeleceu um novo patamar de profissionalismo no esporte e foi o principal responsável pela popularização em nível mundial do futebol. Muito se fala dos atributos físicos de Pelé, como se discutisse alguma modalidade de atletismo, como corrida, salto em distância ou outra qualquer, onde o desempenho muscular é praticamente o único fator de desequilíbrio. No entanto, quem testemunhou seu futebol guarda vivas as lembranças de como ele surpreendia a todos, enxergando o que ninguém tinha visto, antecipando a movimentação dos demais, improvisando jogadas em instantes e com pouco espaço.
Um dos lances mais famosos da história do futebol é exemplo cristalino da velocidade de raciocínio de Pelé. Na semifinal da Copa de 1970, Clodoaldo, Jairzinho e Rivelino marcaram os três gols brasileiros da virada brasileira por 3 x 1 contra o Uruguai, mas o lance mais lembrado e reverenciado ao longo dos anos foi um dos quase gols mitológicos de Pelé nessa competição. O “drible da vaca” aplicado naquele que foi eleito o melhor goleiro da Copa inspirou uma enorme quantidade de análises técnicas, servindo até de pontapé inicial para o romance “O Drible”, que registra nas palavras do seu personagem principal: “Pelé desafiou Deus e perdeu. Imagine se não perdesse. Se não perdesse, nunca mais que a humanidade dormia tranquila”.
Nesse jogo, mesmo sem marcar o Rei deu mais um show para a alegria dos mexicanos que sediavam a Copa. Fez fila na forte zaga uruguaia, só parado com falta quase dentro da área, devolveu de primeira um tiro de meta cobrado pelo goleiro Ladislao Mazurkiewicz, pegando todos de surpresa e quase faz o gol da virada, ostentou elegância no meio do campo com um toque curto e dissimulado que desmontou a marcação uruguaia no lance do gol de Jairzinho, rolou a bola com capricho para o gol de Rivelino, até a jogada imortal onde contracenou com os dois uruguaios escolhidos para a seleção da Copa, o goleiro Mazurkiewicz e o zagueiro Atílio Ancheta, um detalhe que agrega ainda mais valor à jogada. Ambos ficaram marcados para a história não por estarem na seleção da Copa, mas por participarem do lance genial de Pelé.
Jairzinho entrega a bola para Tostão no meio campo, que observa Pelé disparar e faz uma bela enfiada de bola. O atento goleiro uruguaio se antecipa e sai para abafar a bola nos pés de Pelé, que numa decisão de milésimos de segundo deixa a bola passar entre ele e o “Polaco”, um dos apelidos do goleiro filho de poloneses. O ótimo goleiro fica atônito, enquanto Pelé dá a volta e chuta cruzado, no contrapé de Ancheta, que simplesmente capota depois da linha de fundo. O público presente não sabe se lamenta pela bola sair ou se comemora o lance espetacular, de qualquer forma, aplaude.
Aplaude até hoje, 52 anos depois. Assim como a inusitada tentativa de encobrir o goleiro da Tchecoslováquia na estreia do Brasil, que entrou para a história do futebol como “o gol que Pelé não fez”. Como relatado pelo craque Rivelino, num time com jogadores inteligentes como ele próprio, Tostão e Gérson, entre outros, ninguém tinha visto o goleiro Ivo Viktor adiantado. Ele conta em entrevista que os jogadores chegaram a reclamar com Pelé antes de quase testemunharem mais um gol antológico do Rei.
O goleiro inglês Gordon Banks é outro que entrou para a história por uma jogada de Pelé. O lance é considerado por muitos como a melhor defesa da história. Jairzinho cruzou e Pelé deu pulo característico, quando parecia parar no ar, e cabeceou para baixo, no canto, uma obra de arte que consagrou o goleiro adversário. O futebol não é uma modalidade de atletismo, um embate físico, é um esporte coletivo e que foi elevado ao nível de arte pelos brasileiros, dentre os quais Pelé foi o virtuose. Alguém que lia o jogo e escreveu com maestria os capítulos mais bonitos do esporte mais popular do planeta.





