O filme Pearl, lançado em 2022, relaciona-se a um outro filme do mesmo diretor e do mesmo ano, X – A marca da morte. No jargão cinematográfico, esse tipo de filme é chamado de prequel, palavra formada a partir de sequel [sequência], relatando os acontecimentos que deram origem àqueles de um filme anterior.
O gênero cinematográfico, tanto de X quanto de Pearl é chamado de slasher, que poderíamos traduzir por “violência gratuita”, filme em que ocorrem muitos assassinatos.
Pearl, no entanto, e diferentemente de X, é mais do que isso. É um filme pós-moderno. E é isso que nos interessa aqui.
O pós-modernismo não é bem um gênero, nem uma escola artística, embora tenha características definidoras. Qualquer obra de arte pode ser pós-moderna. Temos o exemplo, na música, do grupo Postmodern Jukebox, de Scott Bradlee, que faz arranjos de música contemporânea invocando a época dos jukeboxes ou máquinas de música – geralmente, décadas de 1920 e 1930. Na pintura, podemos ver uma cena de crime retratada como se fosse uma pintura de Caravaggio.
Em Pearl, temos um filme de terror B feito em Cinemascope, uma técnica utilizada entre as décadas de 1950 e a1960, para projeções em telas de 12:9”. Um dos filmes mais conhecidos em Cinemascope foi O manto sagrado, de 1953.
O enredo trata de uma família rural, isolada em sua fazenda devido à pandemia da gripe espanhola, durante os anos da Primeira Grande Guerra (1914-1918). A família é formada por Pearl, uma garota sonhadora, que imagina que um dia será uma grande atriz de cinema e cujo marido foi para a Guerra; a mãe de Pearl, uma fanática religiosa bastante austera com a filha; e um pai inválido de quem as duas mulheres cuidam.
Desde nova, Pearl começa a desenvolver uma personalidade esquizofrênica, mostrando-se ora como uma garota ingênua, ora como uma mulher violenta. Mas seu momento de libertação ocorrerá quando ela conseguir, finalmente, impor-se à mãe. Nesse momento, a personalidade assassina predominará e o terror passará a dominar a história.
Como toda obra pós-moderna, o filme é esquizofrênico, ao encaixar um filme de terror B, com temática de filme moderno, em um ambiente de Cinemascope, com tratamento de grande produção épica. Os próprios letreiros do filme remetem a filmes antigos. É uma mistura esquizofrênica de filme de terror, romance psicológico e filme de época. Quando o filme começa, pensamos que se tratará de uma espécie de A estrela sobe ou mesmo de O mágico de Oz.
Mas se fosse só isso, o filme seria, como grande parte do que é pós-moderno, de algo trivial e de mal gosto. O que sustenta o filme é a atuação de Mia Goth, que faz o papel principal. É espantoso ver como essa atriz inglesa, que tem sotaque inglês, consegue imitar perfeitamente o sotaque do Texas; fazer o papel de uma garota ingênua e obediente à mãe e, ao mesmo tempo de assassina cruel e convencer o espectador. E, ao final do filme, no diálogo dela com a cunhada, parecia uma cena de Ingmar Bergman.
A última cena do filme mostra a volta do marido, que todos pensavam ter morrido na Guerra. Ele chega e vê uma cena dantesca e é recebido pelo sorriso da esposa. Enquanto os letreiros da produção começam a rodar sobre a cena, o sorriso da moça vai mudando de alegria para tristeza, passando pelo sorriso forçado, pelo sorriso fingido, pelo arrependimento até chegar à tristeza, sem que a boca se movimente muito. É trabalho de atriz bem treinada e bem dirigida.
O diretor do filme, Ti West, caminha no sentido de tornar-se uma espécie de Tarantino de filmes de terror. Procura jogar com a ironia e com a banalidade da violência; faz remissões a outras obras cinematográficas, com faz Tarantino. Mas seu estilo é diferente. Vamos ver se valerá a pena assistir a outros filmes dele. Mas uma coisa é certa: se a atriz for a mesma, valerá o sacrifício.