No final do mês passado, uma fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou 110 pessoas que estavam sendo forçadas a trabalhar em condições de escravidão na construção de uma linha de transmissão de energia no leste de Minas Gerais. Segundo o órgão, todos os trabalhadores eram de estados do Norte e do Nordeste, trazidos, provavelmente, com a promessa de um emprego digno.
A empresa responsável pela construção, obviamente, disse não concordar com a avaliação do MTE. Fato é que, de acordo com a fiscalização, dos 110 trabalhadores em condição de escravidão, 78 estavam em um galpão improvisado como alojamento em Conselheiro pena que não possuía ventilação adequada. Os outros 32 estavam em condições ainda piores em um imóvel em Governador Valadares,
“Não havia janelas. O calor era muito forte. Os trabalhadores não conseguiam dormir”, afirmou o auditor-fiscal do trabalho do MTE em Minas Gerais, Marcelo Campos, responsável pela fiscalização.
O episódio em questão está longe de ser isolado. Recentemente, surgiram uma série de casos de trabalhadores resgatados em situação de escravidão, o mais famoso sendo o da vinícola no Rio Grande do Sul. Lá, as pessoas precisavam pagar por suas próprias habitações, recebiam comida estragada e eram submetidas não só a abusos físicos, mas também, em alguns casos, a tortura – os trabalhadores relataram agressões com borrifador de pimenta, choques elétricos, espancamentos e tiros de bala de borracha.
A operação de fiscalização, também encabeçada pelo MTE em conjunto com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e as polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF), resgatou mais de 200 homens em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha.
De maneira geral, o MTE resgatou 918 trabalhadores em situação de escravidão entre janeiro e 20 de março de 2023, uma alta de 124% em relação aos primeiros três meses de 2022. Somente em Goiás, 365 pessoas foram resgatadas. No Rio Grande do Sul, incluindo o caso de Bento Gonçalves, 293 pessoas foram resgatadas.
Trata-se de um reflexo da crise cada vez maior do capitalismo. Os empresários, para manter os seus próprios lucros, já não possuem mais condições de garantir nem mesmo o mínimo para os trabalhadores. Forçando-os a trabalhar em condições degradantes, algo muito amplificado pelo fato do isolamento do campo em relação à cidade e, nesse sentido, ao próprio governo.
Finalmente, boa parte das empresas que apenas algumas décadas atrás estavam registrando lucros exorbitantes estão, agora, entrando em crise. É uma tendência mundial que pode ser observada pela profunda crise do imperialismo. Afinal, se os países mais ricos do mundo, como os Estados Unidos e a Alemanha, estão em apuros financeiros, que dizer do Brasil, um país oprimido pelas grandes potências que sofreu um golpe de Estado orquestrado por estas recentemente?
Mais que isso, essa crise, materializada, dentre outras formas, por meio do aumento de casos de trabalho escravo, envolve uma série de elementos que fazem parte do regime político no País. Não é à toa que, durante o governo Bolsonaro, quase a totalidade dessas ocorrências foi ocultada: a burguesia estava se protegendo.
Porém, a mesma imprensa burguesa que fingiu estar escandalizada com os casos recentes no Rio Grande do Sul, esconde essa correlação e protege figuras importantes da burguesia. Muitos donos de fazenda e empresários que foram pegos no flagra empregando trabalho escravo em seus negócios são elogiados pela grande imprensa, como é o caso de Ronaldo Caiado (União Brasil), que recebeu de presente um grande espaço nos principais jornais da burguesia durante o golpe de 2016, além de apoio nas últimas eleições que concorreu.
Caiado que, segundo levantamento de setembro de 2018 possui 14 fazendas apenas no Goiás, é fundador da União Democrática Ruralista (UDR), uma das principais organizações pistoleiras do Brasil. Ademais, o pecuarista Antônio Ramos Caiado Filho, tio de Caiado, foi incluído na “lista suja” de trabalho escravo pelo MTE. Ele foi considerado culpado por submeter quatro pessoas a condições de escravidão.
Emival Caiado Filho, primo do atual governador do Goiás, também foi incluso nessa lista. Em 2010, 26 trabalhadores foram resgatados de um trabalho análogo à escravidão na fazenda Santa Mônica, no município de Natividade, no Tocantins.
Onde está a escandalização da imprensa com esses casos? Ao invés de denunciá-los, os jornais burgueses não só defendem figuras ligadas ao trabalho escravo como também atacam o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o principal movimento de libertação dos trabalhadores do campo no Brasil.
Vale ressaltar que Caiado, principalmente por meio da UDR, é um dos principais inimigos do MST. E não é coincidência, pois, pela importância do movimento, representa um risco aos latifundiários que querem manter os trabalhadores escravizados em suas propriedades.
Dessa maneira, procuram enfraquecer justamente o movimento político que serve para lutar contra a escravidão no campo, que busca emancipar o trabalhador rural para que ele próprio possa se sustentar e não precise depender de empregos com condições degradantes de trabalho. Fortalecendo, com isso, os latifundiários, pistoleiros e, de maneira geral, todos os inimigos dos camponeses em território nacional.