Como primeiras impressões de leitura de A Velha, de Daniil Kharms, é percebida a semelhança do autor com outros escritores da prosa fantástica russa, como Nicolau Gógol. A sua interessante forma de estruturar uma novela em primeira pessoa, que começa com a visão de um relógio sem ponteiros e uma velha que olha as horas nessa mesma peça surreal. A velha, também surreal, que, após alguns acontecimentos, vai aparecer morta no quarto do personagem principal.
A velha morta, escondida em uma mala, após o narrador acordar de um porre de vodca, é levada pelos trens de Leningrado para lugar algum. A mala de roupas brancas, escondendo o segredo do homem que mora na Rússia soviética stalinista, vai sumir como apareceu: sem deixar vestígios. Em determinado momento, o narrador deixa a mala para ir ao banheiro no trem e, quando volta, a mala já não está lá. No fim do livro, ele observa a cidade e a natureza, e segue a vida como se nada tivesse acontecido.
Essa atmosfera de sonho, a qual Daniel Kharms utiliza para criticar as relações políticas na Rússia stalinista, só é quebrada com a breve narrativa da morte de Sakerdon Mikhailovitch, também uma referência à morte do amigo do autor, Nikolai Oléinikov, perseguido e fuzilado por Stálin. Esse também é o único momento em que a narrativa migra para a terceira pessoa.
O amigo do narrador é apresentado pelo autor após o encontro do narrador com uma moça que lhe paga pão na fila enorme necessária para conseguir o alimento. Ele se apaixona pela garota, mas ela some, e ele vai embora tomar vodca na casa do amigo e se vangloriar por ter ganhado o pão da garota.
É interessante comentar sobre a influência da própria vida de Kharms para o fluxo do texto. Esse tipo de escrita é parte da escola criada pelo grupo de artistas OBERIU (Associação para uma Arte Real), considerada a última vanguarda russa. Esse grupo é crítico ao stalinismo e, por isso, perseguido pelo regime soviético, o que vai ocasionar seu fechamento.
Após o fim do OBERIU, Kharms vai se dedicar à escrita de poemas infantis e textos de comédia. Sua literatura, como ele próprio, vai ser considerada degenerada pelo regime. Kharms vai acabar seus dias internado em um sanatório para loucos e morrer um ano após sua internação, em 1942.