Nesta segunda-feira (01) teve fim o julgamento do mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 779, realizado pelo Supremo Tribunal Federal.
E, novamente, a suprema corte aproveitou-se para retirar direitos democráticos da população, utilizando com disfarce um motivo nobre. No caso, o disfarce foi a luta contra o machismo, julgando inconstitucional a tese de que a legítima defesa da honra seria uma legitima defesa da honra.
A título de informação, a legítima defesa da honra era uma tese alegada, para defender homens que assassinaram suas esposas adúlteras. O homem, ao assassinar a esposa que o traiu, estaria defendendo sua honra de forma legítima. É, de fato, algo retrógrado, medieval.
Algo perfeito para a burguesia utilizar como disfarce para a remoção de direitos da população. E qual foi o direito democrático que foi tolhido? O direito à plenitude de defesa por parte do réu e de seu advogado.
Conforme já informado por este Diário, a ação fora proposta pelo PDT, com a finalidade “de se afastar a tese jurídica da legítima defesa da honra e de se fixar entendimento acerca da soberania dos veredictos”.
Traduzindo, a finalidade era pedir para o STF interpretar o Código Penal (CP), dizendo o que pode ou não ser legítima defesa, para que a corte determinasse se a tese da “legítima defesa da honra” estaria de acordo com a Constituição Federal; e para que o Supremo interpretasse o CP a respeito da soberania da decisão do júri.
E o que foi decidido pelo supremo? Foi decidido o seguinte:
- “Legitima defesa da honra” não é legitima defesa.
- Proibiu que os advogados utilizem a tese da “legitima defesa da honra” para defender seus clientes. Caso utilizem, a decisão proferida pelo júri é automaticamente considera nula.
- Também proibiu juízes e promotores e utilizarem essa tese para absolver o acusado.
Vamos para o primeiro problema, a decisão de que “legítima defesa da honra” não é legítima defesa. Pois bem, em que pese a tal “legitima defesa da honra” ser algo profundamente reacionário, resquício cultural de uma sociedade pré-capitalista, e uma manifestação grotesca de que a mulher ocupa um lugar inferior na sociedade, a decisão do supremo não pode ser defendida.
E por que não? Porque são 11 pessoas não eleitas atuando como legisladores. O Código Penal não diz nada sobre “legítima defesa da honra”. Não proíbe nem permite. A lei é omissa. Diante disso, para se proibir a “legítima defesa da honra” uma lei deveria ser aprovada no Congresso, por aqueles que foram eleitos para legislar.
Por piores que sejam o Congresso e as eleições, o fato é que os parlamentares foram eleitos. Já os juízes, não. A função destes não é legislar e nem interpretar, é aplicar as leis criadas pelo parlamento. Qualquer outra coisa diferente disto é atropelar os direitos democráticos dos brasileiros.
A atividade legislativa do STF só serve para concentrar poder nas mãos do setor mais reacionário e repressor da burocracia estatal. Em razão das arbitrariedade do Supremo, chegou-se a um ponto que as leis não valem mais no Brasil. O que é lei é a palavra dos juízes.
Este primeiro ponto já mostra que o STF segue atuando como uma corte antidemocrática, pois ao modificar as leis atropela o direito democrático ao voto. Contudo, o segundo ponto da decisão é ainda mais grave. Já um ensaio para que, no futuro, o instituto do júri popular seja removido do direito brasileiro. E olha que a possibilidade do júri já é bastante limitada no Brasil (apenas nos crimes dolosos contra a vida).
Nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal proíbe aos advogados que utilizem a tese da “legítima defesa da honra” para defender seus clientes. Caso essa tese seja utilizada, o julgamento proferido pelo júri é considera nulo, automaticamente. E, essa proibição também vale para juízes e promotores, que não poderão absolver réus com base nessa tese.
Vejamos o trecho exato da decisão:
(iii) obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante o julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.
Trata-se de uma flagrante violação ao devido processo legal, à ampla defesa, à plenitude de defesa e à soberania do júri popular, todos direitos democráticos fundamentais, previsto no art. 5º da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
[…]
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
[…]
XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
[…]
c) a soberania dos veredictos;
E, conforme dispõe o art. 60, §4º, também da Constituição, todos esses direitos são cláusula pétrea, ou seja, não podem ser modificados para pior, nem por meio de emenda à constituição, e muito menos por meio de julgamentos:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[…]
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
[…]
IV – os direitos e garantias individuais.
Novamente, vê-se o Supremo rasgando a Constituição, enquanto diz defendê-la. E, o que é pior, desmantelando direitos democráticos, conquistados pela humanidade após séculos de luta para varrer o feudalismo e suas instituições anacrônicas da face da terra.
O STF diz-se guardião da Constituição. Ao mesmo tempo, é o seu principal violador. No julgamento, os ministros fundamentaram seus votos dizendo que a legítima defesa da honra é algo arcaico, medieval, e que por isso não poderia ser permitida.
Contudo, eles seguem destruindo sistematicamente os direitos democráticos, direitos estes surgidos justamente da luta contra a sociedade medieval. É uma hipocrisia e um cinismo sem tamanho. Mas não é apenas isto. Esta nova decisão faz parte de todo um processo mais amplo, qual seja, a política do imperialismo de destruição dos direitos democráticos da população, em especial a liberdade de expressão e manifestação de pensamento.
Aliás, esse julgado também configura, de certa forma, um ataque a mais esse direito. Por quê? Ora, pois os ministros proibiram os advogados de falar sobre a legítima defesa da honra no processo. Consideraram a legitima defesa da honra algo ideologicamente atrasado, arcaico (o que de fato) é, e por isto proibiram que ela seja utilizada como tese para defender o réu. Disseram explicitamente que era para combater o machismo.
Deram a justificativa de que também seria para evitar assassinatos de mulheres que cometeram adultério. Mas isto é falso. Quantos casos desses existem no Brasil? Comparando com o número total de mortes por ano, certamente correspondem a uma minoria.
E desde quando proibir que um advogado use uma tese jurídica específica vai impedir crimes de acontecer. Quem comete crimes abjetos como assassinar a própria esposa apenas em razão de adultério sequer está pensando nisto.
Assim, as justificativas de defesa de uma causa nobre, de defesa da mulher, dadas pelos ministros é uma completa farsa utilizada para esconder o que realmente está acontecendo: a progressiva liquidação dos direitos democráticos da população.
Já estão em processo avançado de liquidação o direito à liberdade de expressão. Agora foi dado início à liquidação do devido processo legal, da ampla defesa, da plenitude de defesa e da soberania do júri popular. Quanto tempo vai demorar para que o próprio júri seja extinto? Se depender do ministro Dias Toffoli, deveria ser extinto já hoje, conforme declaração sua na ocasião do próprio julgamento.
Diante disto, é necessário denunciar todas essas arbitrariedade do Supremo Tribunal Federal e do Poder Judiciário, expondo que há em marcha um processo de destruição dos direitos democráticos do povo brasileiro. Nesse sentido, deve ser feita uma ampla campanha, a fim de mobilizar as massas para lutar por tais direitos, em especial o da liberdade de expressão.