Há pouco mais de 40 anos, um aluno do prestigioso Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT, em inglês), tinha um problema que tenho certeza que muitos leitores desta coluna já enfrentaram. A impressora compartilhada por diversos laboratórios, inclusive aquele em que Richard Stallman trabalhava, perdia os pedidos de seus usuários porque o aparelho era tão requisitado que sua fila de requisições estava frequentemente cheia. A impressora era uma Xerox 9700 e o programa que a controlava era proprietário, opaco aos seus usuários. Stallman, que trabalhava como programador no laboratório dedicado a pesquisa de Inteligência Artificial, considerou a situação absurda: tanto porque ia contra a filosofia de seu grupo de pesquisa, de que o software lá desenvolvido deveria ser livremente compartilhado para modificação, tanto porque o problema era de fato trivial de se resolver caso o programa instalado na impressora pudesse ser alterado. Bastava aumentar o tamanho estipulado para a fila ou torná-lo dinâmico.
Esse episódio, ocorrido em 1981, levou Stallman, no final de setembro de 1983, a anunciar que desenvolveria um sistema operacional próprio, o GNU. Isso porque, além da impressora, em 1982, o MIT comprou um computador, o então poderoso DEC PDP-10 da Digital, que era operado pelo lendário sistema operacional Unix, desenvolvido no Bell Labs, departamento de pesquisa e desenvolvimento do monopólio norte-americano de telecomunicações AT&T. Stallman considerava absurda a forma como o software era distribuído e achava que os programas deveriam ser livres. Não necessariamente gratuitos, mas livres para que seus usuários pudessem moldá-los às suas necessidades ou consertá-los e atualizá-los. O nome que deu a sua iniciativa era ambicioso e revela seu humor peculiar. O anagrama recursivo GNU significa “GNU não é Unix”.
Stallman queria um sistema moderno, compatível como o popular Unix. O sistema seria composto tanto por seu núcleo, o GNU Hurd, parte que se comunica diretamente com o hardware, e as ferramentas disponíveis a seus usuários. O Hurd continua até hoje em desenvolvimento, é levado adiante tanto por entusiastas como por acadêmicos, mas as demais partes do projeto GNU alcançaram enorme sucesso. Duas de destaque são o editor EMACS, que deu origem à licença de software livre que já comentamos nessa coluna, e o compilador GCC, que quando lançado, no final dos anos 1980, superava o desempenho dos compiladores comerciais.
Apesar de não utilizarmos o GNU hoje em dia, muitos de nós utilizam diariamente o Linux, ou GNU/Linux como Stallman gosta de chamá-lo. Muitos de nós usam sem saber, finalmente o núcleo do Android é baseado no Linux. O núcleo do sistema operacional livre, criado pelo estudante finlandês Linus Torvalds foi inicialmente publicado com licença própria, mas em 1992 aderiu à licença GNU. O projeto era apenas o hobby de um estudante motivado e boa parte das ferramentas – o interpretador de comandos bash, o compilador gcc, o editor emacs – que o tornavam útil eram parte do projeto GNU, que teve basicamente apenas seu núcleo substituído.
Do ponto de vista ideológico de Stallman, o Linux não é perfeito. Finalmente, o suporte do sistema a inúmeros componentes, certamente algo que ajudou em sua adoção, veio por meio de um compromisso, a admissão de software opaco, massas binárias não livres que fazem esses componentes funcionarem. Ainda assim, o Linux é o Hurd real. Como muitos em muitos projetos idealistas, utópicos, o Hurd é um alvo em movimento.
“Eu estou fazendo um sistema operacional livre (é apenas um hobby, não será grande e profissional como o GNU) para os clones AT 386(486). Está sendo desenvolvido desde abril e está quase pronto”, disse Torvalds às vésperas de apresentar a primeira versão do Linux à internet em 1991. Em algumas décadas, seu projeto sem grandes ambições profissionais “como o GNU” transformou-se no sistema mais utilizado no mundo, tanto em servidores que sustentam a computação em nuvem como em celulares e sistemas embarcados.
Por mais que o Hurd não tenha atingido sucesso comercial, o que podemos parcialmente colocar na conta do caráter ideológico do projeto GNU, não podemos jamais diminuir seu legado. Parabéns ao projeto por seus 40 anos. Espero que nos próximos 40 o Hurd se torne uma realidade e que tenhamos tanto o GNU/Linux como o GNU como alternativa.