Até o momento, nove pessoas morreram em conflitos entre torcidas organizadas no Brasil, em 2023.
As polícias militares, por ano, matam até dezenas de milhares nas periferias e favelas do Brasil. A violência doméstica mata milhares de mulheres. A falta de segurança no trabalho mata milhares de trabalhadores. O trânsito, milhares de pedestres e ciclistas. Até brasileiros mortos como mercenários na guerra da Ucrânia já são 30, conforme as contas do Governo russo. Entretanto, são as torcidas organizadas que devem ser fechadas. Esse é mais um capítulo da perseguição à classe trabalhadora como elemento fundamental do futebol brasileiro. Ou mais, como sua fundadora não só no Brasil, mas em todo o mundo.
As torcidas organizadas não matam ninguém. Quem mata são indivíduos criminosos, mas, mais, a opressão de classe que marginaliza os mais pobres, restringe seu acesso à educação, saúde e qualidade de vida, e oferece o crime como alternativa fácil de escape da situação de precariedade. Como o povo pobre é fundamentalmente o que prevalece entre os torcedores apaixonados que entregam a vida pelo seu time, eventualmente o crime vaza para o único ambiente pelo qual os trabalhadores ainda conseguem acessar os estádios, as torcidas organizadas.
Ainda assim, esse fenômeno é raro, ao contrário do que a mídia burguesa faz parecer. Novamente, são nove pessoas mortas, contra milhares em outras situações tão corriqueiras quanto uma partida de futebol. As brigas, inclusive, ocorrem ocasionalmente. Uma vez a cada seis meses, ou mais, ocorre algo digno de nota, numa única partida. No Brasil, só no campeonato brasileiro, são quase 400 partidas. Pode diminuir, pode acabar? Sim. Mas não é um problema que determine o fim das torcidas organizadas, como querem sugerir meios de comunicação, torcedores das classes médias, patrocinadores, organizadores.
A Constituição do Brasil prevê o livre direito à organização, sendo punida a instituição em que os crimes cometidos sejam considerados inerentes a ela, e não atos individuais de seus integrantes. Ninguém pode fechar a Globo porque um ator assassinou a colega de trabalho, ou porque outros cometeram casos graves de assédio. Tampouco fechar o Partido Liberal porque seu presidente incorporou o ex-presidente Jair Bolsonaro, a despeito de seus eventuais crimes durante seu Governo, sobretudo durante a pandemia.
Alijar o torcedor dos estádios, vetando um dos únicos mecanismos para sua participação sem o desembolso de 300 reais por partida, é mais um dos ataques da burguesia ao futebol brasileiro. Ignorando o trabalho e o legado cultural de instituições como Gaviões da Fiel, Mancha Verde, Galoucura, Máfia Azul, Raça Rubro-negra, entre outras, e extinguindo-as, mais um elemento histórico do futebol brasileiro desaparece com a financeirização do esporte. Junto à proibição da maioria dos cantos e gritos de provocação, à inviabilização da frequência do trabalhador aos estádios, à proibição da venda de cerveja, à punição pelas invasões de campo por celebração ou por protesto, cada vez mais o futebol se torna um esporte de plateia, tal como o tênis, e menos de torcida.
Futebol sem povo é uma atração sem alegria, é uma celebração dos ricos, é um espaço para selfies e influenciadores.
Não foi assim que o futebol nasceu. Não é assim que ele vai ficar. Os brasileiros não vão assistir aos seus times pelo pay-per-view dos bares, como ocorre na Inglaterra, desde que a famigerada Tatcher criou as condições para o banimento do povo nos estádios e o fim do Campeonato Inglês para a criação da liga mais rica, e mais inodora, do futebol mundial. O futebol é patrimônio do Brasil e haverá resistência.
Nem que seja na porrada. Ou alguém vai impedir a Gaviões de entrar? Como diz o canto: “e ninguém vai me segurar, nem a PM!”