Desde que setores do movimento islâmico adquiriram protagonismo na luta contra a dominação imperialista no Oriente Médio, a propaganda pró-imperialista bombardeia o público com a falsificação de que os muçulmanos lutando pela libertação de seus povos seriam terroristas ultrassectários sanguinários.
Busca-se retratar a duríssima luta pela libertação nacional na região como algo puramente religioso, como se os muçulmanos quisessem fazer desaparecer do mapa os demais grupos religiosos, particularmente os judeus e os cristãos. É algo absurdo. Antes do início da colonização sionista na Palestina, o antissemitismo não era uma realidade do mundo árabe. Procura-se transportar a história europeia, em que a perseguição aos judeus de fato foi enorme, aos muçulmanos, algo um tanto ridículo, pois tradicionalmente os judeus eram uma minoria protegida.
No que tange aos cristãos, a perseguição também não é real. A era dos conflitos “religiosos”, que também não eram religiosos em essência, mas sim econômicos, entre cristãos e muçulmanos, é um resquício de um passado de muitos séculos. Além do fato de que Jesus é reconhecido como um dos profetas do Islã, é conhecido que o Hesbolá desempenhou um papel importante na proteção dos cristãos sírios durante a sangrenta guerra civil síria, e que a luta pela libertação palestina, em geral, nunca estabeleceu uma divisa entre cristãos e muçulmanos palestinos.
Evidentemente, o principal grupo islâmico caluniado no momento é o Hamas, o principal partido palestino combatendo o fascismo israelense em Gaza. Apoiando-se no programa do grupo na época de sua fundação, procuram fazer crer tratar-se de uma espécie de ISIS palestino, uma falsificação grotesca dado que o próprio partido combateu o ultrassectarismo em Gaza.
Pode até ser que na época de sua fundação, quando era um grupo muito menor e muito menos ligado às massas palestinas do que hoje, tratava-se de um grupo sectário. No entanto, tal qual prevê o marxismo, a luta revolucionária fez o Hamas evoluir em algo muito diferente. Para demonstrar tal fato, basta se apoiar no atual programa do partido.
Primeiramente, é interessante a caracterização do que é “palestino” para o Hamas: “os palestinos são os árabes que viveram na Palestina até 1947, independentemente de terem sido expulsos dela ou permanecido nela; e toda pessoa nascida de um pai palestino árabe após essa data, seja dentro ou fora da Palestina, é um palestino.” Mesmo que se trate de uma organização islâmica, não há uma menção sequer à religião na definição do que é ser um palestino, de forma que inclusive os judeus que estavam na terra antes do projeto colonial sionista estão contemplados.
“O Islã é uma religião de paz e tolerância. Ele fornece um guarda-chuva para os seguidores de outras crenças e religiões que podem praticar suas crenças com segurança. O Hamas também acredita que a Palestina sempre foi e sempre será um modelo de convivência, tolerância e inovação civilizacional.” Em realidade, não faltam os testemunhos de que antes da agressão sionista, as três principais religiões monoteístas do mundo conviviam em paz na Palestina.
O próprio programa lida com a acusação de “antissemitismo”: “O Hamas afirma que seu conflito é com o projeto sionista, não com os judeus devido à sua religião. O Hamas não trava uma luta contra os judeus por serem judeus, mas luta contra os sionistas que ocupam a Palestina. No entanto, são os próprios sionistas que constantemente associam o judaísmo e os judeus ao seu próprio projeto colonial e à sua entidade ilegal.”
Finalmente, uma das calúnias que o partido sofre é de querer instaurar uma ditadura religiosa na Palestina e de querer esmagar as mulheres:
“Um estado real da Palestina é um estado que foi liberto. Não há alternativa a um Estado palestino plenamente soberano em todo o território nacional palestino, com Jerusalém como sua capital.
O Hamas acredita e adere à gestão de suas relações palestinas com base no pluralismo, na democracia, na parceria nacional, na aceitação do outro e na adoção do diálogo. O objetivo é fortalecer a unidade de fileiras e ação conjunta com o propósito de alcançar metas nacionais e atender às aspirações do povo palestino.
[…]
A sociedade palestina é enriquecida por suas personalidades proeminentes, figuras, dignitários, instituições da sociedade civil, jovens, estudantes, sindicalistas e grupos de mulheres que trabalham juntos para alcançar metas nacionais e construção da sociedade, buscam resistência e realizam a libertação.
O papel das mulheres palestinas é fundamental no processo de construção do presente e do futuro, assim como sempre foi no processo de construção da história palestina. É um papel fundamental no projeto de resistência, libertação e construção do sistema político.”
Com todos esses fatos na mesa, fica um tanto ridícula a acusação de que o Hamas seria formado por uma espécie de horda de muçulmanos sanguinários e insanos. Ainda mais quando se leva em conta que, do ponto de vista prático, combatem ao lado de grupos que se dizem marxistas, como a FPLP e a FDLP, e da Jihad Islâmica, que prega a unidade entre xiitas e sunitas.