O Senado dos EUA aprovou por unanimidade (“democratas” e “republicanos” são duas faces da mesma moeda) uma resolução condenando a Rússia pela invasão da Ucrânia. No texto os senadores afirmam que «os Estados Unidos da América são um farol para os valores da liberdade, democracia e direitos humanos em todo o mundo…». Já não bastava terem o “destino manifesto” de mandar no mundo, têm que ser farol também. Acontece que nenhum país do mundo tem semelhante currículo na sistemática violação dos valores que invocam. Em toda a parte, incluindo a própria casa.
A resolução do Senado norte-americano que condena a Rússia pela invasão da Ucrânia, aprovada por unanimidade, começa com um «considerando» assaz elucidativo da forma como os EUA vêem o mundo: «considerando que os Estados Unidos da América são um farol para os valores da liberdade, democracia e direitos humanos em todo o mundo…». Nem mais.
Para os cem membros do Senado que subscreveram o texto, republicanos e democratas, as guerras conduzidas pelos EUA contra a Sérvia, Iraque, Afeganistão, Síria, para já não falar no apoio à Arábia Saudita contra o Iémen ou a relação privilegiada com Israel que há décadas agride e coloniza a Palestina, não constituem qualquer problema nem configuram qualquer crime. Embora não reconheçam ao Tribunal Penal Internacional (TPI) legitimidade bastante para julgar crimes de Israel, a quem Washington fornece anualmente 3,8 mil milhões de dólares em ajuda militar, e muito menos para julgar cidadãos norte-americanos, os EUA querem ver o TPI a julgar a Rússia por alegados crimes de guerra.
O que está em causa não é obviamente a unanimidade na condenação da guerra. O que está em causa é a unanimidade na hipocrisia que leva os cem magníficos senadores a arrogar-se o direito de levar à Justiça (?) «estrangeiros» acusados de crimes de guerra e de crimes contra a humanidade, quando em 2002 o Congresso norte-americano aprovou o American Service-Members Protection Act, («Acto para a protecção dos membros do serviço Americano»), uma lei promulgada por George W. Bush, que contém uma cláusula chamada Lei de Invasão de Haia, segundo a qual se um cidadão americano ou de um país aliado for detido pelo TPI, os militares dos EUA podem usar a força armada para o libertar. Mais, o TPI agora chamado a julgar os russos é o mesmo que os EUA têm reiteradamente boicotado, exercendo abertamente chantagem sobre 100 países que o reconheceram, obrigando-os a assinar acordos bilaterais de imunidade garantindo que não entregarão cidadãos norte-americanos ao TPI, sob pena de perderem a ajuda (melhor seria chamar-lhe suborno) que recebem dos EUA.
Como se isto fosse pouco, o Senado deste «farol para os valores da liberdade, democracia e direitos humanos» acaba de aprovar o maior orçamento militar da história: 858 000 milhões de dólares para 2023, um aumento de 10% em relação ao anterior e mais 45 000 milhões do que a astronómica quantia solicitada por Biden.
O foco está bem centrado, como disse o secretário da Defesa, Lloyd Austin: «A China é o único país que garante em simultâneo a vontade, e um crescente poder, para reformular a sua região e a ordem internacional para garantir a suas opções autoritárias. Deixem-me ser claro: não deixaremos que isso aconteça».
É pouca luz para tanta ameaça.
Fonte: ODiario.info