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O caso Eduardo Bolsonaro

O dilema da classe média anti-democrática

Para colunista do sítio Brasil 247, a questão acerca dos limites da liberdade de expressão é um dilema, mas de fácil resolução: pior para a liberdade de expressão

Eduardo Bolsonaro, num ato público “pró-armas” realizado em Brasília no último domingo (9), comparou os “professores doutrinadores” a traficantes de drogas. Ele disse: “não tem diferença de um ‘professor doutrinador’ para um traficante que tenta sequestrar e levar os nossos filhos para o mundo do crime.”

A frase do deputado bolsonarista foi o bastante para atiçar os instintos repressivos e censórios que boa parte da esquerda vem alimentando nos últimos tempos. Denúncias no Ministério Público, pedidos de cassação do mandato do parlamentar, acionamento da Polícia Federal e por aí vai. Para essa esquerda, é a hora de preparar o terreno para botar o bolsonarista na cadeia. 

Seguindo essa tendência, a advogada e Secretária-Executiva Adjunta da Secretaria-Geral da Presidência da República, Tânia Maria de Oliveira, em coluna publicada no sítio Brasil 247, defende que o deputado da extrema direita cometeu os crimes de incitação e apologia ao crime e que sua fala “não pode ser tratado como discurso padrão, de conduta normal e tolerável sem questionamento jurídico”.

Quem criminaliza quem?

A colunista defende a tese de que o bolsonarista cometeu os crimes de incitação e apologia ao crime. Eduardo Bolsonaro discursou num ato público. Antes de entrar no mérito da questão, no entanto, Tânia de Oliveira faz uma consideração, no mínimo, interessante. Diz ela:
“Para a extrema direita, dentre outras dezenas de exemplos, se um professor disser a alunos que todos devem andar armados é liberdade de expressão. Contudo, se disser que todos precisam respeitar a orientação sexual do outro é um caso de doutrina, por se tratar de “ideologia de gênero”, que atenta contra os valores familiares e com capacidade de influenciar a homossexualidade entre crianças, e outras bobagens da mesma espécie.Esse tipo de concepção tosca foi o que originou o debate da Escola Sem Partido (…)”

A autora da coluna relembra, acertadamente, que a extrema direita tentou emplacar o projeto que ficou conhecido como “Escola Sem Partido”, projeto esse que circulou amplamente pelas assembleias legislativas e câmaras municipais do país, além, é claro, do Congresso Nacional. O projeto tinha um objetivo declarado: eliminar a “doutrinação comunista”, o que significaria, na prática, estabelecer um regime de verdadeira censura, perseguição e ditadura dentro das escolas, contra os professores e alunos. Para a extrema direita em ascensão, a ordem era criminalizar dentro das estabelecimentos de ensino qualquer ideia, discurso ou prática que se insinuasse, ainda que remotamente, de esquerda (ou “comunista”, segundo o jargão dos direitistas).

O curioso é que a autora, agora, recorre aos mesmos métodos. Enquanto os bolsonaristas pretendiam criminalizar a “doutrinação comunista”, Tânia de Oliveira quer criminalizar a doutrinação direitista. É um cabo de guerra para definir quem criminaliza quem. 

O grande problema é que esse método, historicamente, sempre foi o método da direita e da extrema direita. Nunca foi o método da esquerda, das organizações de luta ligadas à classe operária e aos setores populares. E isso por um motivo muito simples: a classe operária e os setores populares não possuem qualquer controle sobre o aparato de repressão do Estado. Não controlam os militares, a polícia, os promotores, os juízes e os carcereiros. Aliás, mais adequado seria dizer que, para além da ausência de qualquer controle, as massas oprimidas da população são os alvos fundamentais das instituições repressivas. A razão de ser do sistema penal é justamente perseguir, caçar e reprimir os explorados. O Estado e seu aparato repressivo têm dono e, por conta disso, não se prestam a desempenhar qualquer finalidade, como se fosse uma ferramenta neutra. Nesse cabo de guerra, a derrota da esquerda é certa.

 “O dilema da contemporaneidade”

“Mas o que de fato importa no discurso do filho nº 03 do ex-presidente inelegível” ― continua Tânia de Oliveira ― “não é constatar o óbvio, mas o que vai ser apurado pela Polícia Federal: se ele pode ter cometido crimes.” Eis o que importa. Não percamos tempo com outras coisas! Vamos logo ao que interessa!! A conjunção condicional “se”, aqui, não passa de um embuste. Terminamos de ler a frase e sabemos, de antemão, que, sim, ele cometeu crimes, segundo a colunista.

Chegamos então ao mérito da questão, àquilo que Tânia de Oliveira chama de “dilema de contemporaneidade”: “quando se pratica liberdade de expressão e opinião, e quando ela foi extrapolada”. É possível observar que a questão nem é posta na formulação já clássica segundo a qual a liberdade de expressão e opinião tem limites ou não. A formulação aqui é diferente: quem extrapola os marcos do que é permitido e aceitável (não se sabe quais são nem quem determina tais marcos) não “pratica” a liberdade de expressão e opinião.

Quando se fala em “dilema”, pensamos imediatamente em algo complexo, de difícil resolução. Mas não para a nossa colunista. O dilema é resolvido facilmente, sem grandes dificuldades. A frase seguinte já indica em que sentido caminha a resolução da difícil questão: “O equívoco de achar que a palavra no ambiente público, sobretudo a de agentes públicos, pode ser absoluta e despida de qualquer controle social.” Nesse dilema, quem sai perdendo, é claro, é a liberdade de expressão.

A autora quer enquadrar a fala de Eduardo Bolsonaro nos tipos penais de apologia ou incitação ao crime, duas categorias que foram criadas e são utilizadas frequentemente para censurar e perseguir a esquerda, a depender da conjuntura política. Como ela mesma reconhece, o crime de apologia é de “perigo abstrato”, ou seja, não é necessário que haja alguma lesão concreta para a sua ocorrência, nem é preciso a intenção do autor para a sua configuração. Trocando em miúdos: tudo vai depender do que este ou aquele juiz pense. 

Este Diário tem afirmado insistentemente que tais tipos penais são uma arma destinada, antes de qualquer outra coisa, à perseguição política. Sua abstração manifesta e o caráter vago, amplo e indefinido de sua caracterização, entregam ao mais antidemocrático dos poderes do Estado, o Poder Judiciário, e ao aparato repressivo de conjunto um amplo campo de ação, através do qual podem censurar, perseguir, reprimir e prender os inimigos dos setores fundamentais da burguesia, de acordo com o andamento da luta política em curso. Ao invés de estimular e promover a utilização dessas categorias penais, o que a esquerda deveria fazer era defender a sua eliminação de qualquer código legal.

A autora mesmo reconhece que é preciso adotar algumas precauções ao utilizar esses tipos penais. Mas tudo isso é logo abandonado na sequência, porque há “Um ponto importante que pouco foi explorado pela imprensa e pelos formadores de opinião, e que faz muita diferença na análise do fato” ― o discurso de Eduardo Bolsonaro foi feito num ato pró-armas.

Para Tânia de Oliveira, esse fato faz toda a diferença. Seu raciocínio é o seguinte: Eduardo Bolsonaro atacou os “professores doutrinadores” num ato pró-armas, igualando-os aos traficantes de drogas; os bolsonaristas “armamentistas” defendem o uso de armas para se defenderem de bandidos;  Bolsonaro identificou assim quem são os bandidos: os traficantes e os “professores doutrinadores”; colocou, portanto, os professores na categoria dos bandidos e, dessa forma, autorizou e incentivou o uso da violência contra eles. Fica caracterizado, assim, o crime.

Os setores majoritários da esquerda, a cada dia, semana, mês e ano que passa, dão mais um passo no abandono das reivindicações democráticas que constituem parte integrante da experiência histórica de luta dos trabalhadores. A liberdade de expressão está entre os direitos mais atacados, e a argumentação da integrante do atual governo Lula leva ainda mais longe esse ataque. 

O que Tânia de Oliveira qualifica como o fator determinante para a caracterização do crime de Bolsonaro é, na verdade, aquilo que, se a esquerda ainda tivesse com a cabeça no lugar, afastaria qualquer hipótese de configuração de crime ― Eduardo Bolsonaro discursou num ato público. Sim, um ato, uma manifestação, uma demonstração públicos. Um tipo de atividade política na qual deveria prevalecer, se levamos em consideração um regime que garanta minimamente as liberdades democráticas, a mais absoluta liberdade de fala, de expressão. É possível imaginar uma manifestação política, realizada num local público, seja de qual for a tendência política, onde determinadas coisas podem ser ditas, expressadas, defendidas e outras não, sob pena, entre outras coisas, de prisão? Sim, é possível imaginar. Basta pensar na ditadura de 1964.

Pois se trata disso. A maioria das organizações de esquerda, de uns tempos para cá, vem adotando posições que fariam a ditadura militar de 1964 dar pulos de alegria.

O bolsonarismo não será derrotado assim. Muito pelo contrário!

Para combater o bolsonarismo, a esquerda jogou fora os princípios políticos que não são outra coisa que não a generalização da experiência de luta dos explorados na luta pela sua libertação do capitalismo. Ela aposta hoje em métodos que lhe são estranhos e mesmo hostis. São os métodos dos seus inimigos, da classe dominante, da burguesia. O resultado disso só pode ser a derrota.

Eduardo Bolsonaro, num ato público, disse mais uma das idiotices típicas do bolsonarismo e da extrema direita em geral. Atacou os professores, chamou-os de bandidos. Por que não responder ao bolsonarista no terreno ideológico? Por que não denunciá-lo na imprensa operária e progressista? Por que não chamar atos em defesa dos professores? Por que não trabalhar para elevar a organização da categoria? Por que não lutar para criar uma força social que, no terreno da luta real, seja capaz de enfrentar o bolsonarismo e derrotá-lo politicamente, fazê-lo perder sua base social, mostrar que ele não passa de um movimento reacionário, que não tem a menor condição de resolver os problemas do povo? 

Essa esquerda, cuja base social consiste numa classe média afeita aos métodos históricos da direita, envereda por caminhos perigosos. Ela, na prática, entrega e terceiriza a luta contra o bolsonarismo para justamente os setores mais dominados pelo… bolsonarismo.

Se Eduardo Bolsonaro ou qualquer outro bolsonarista cometeu um crime, então é o caso de mobilizar o aparato repressivo do Estado. As polícias, o Ministério Público, os tribunais e o conjunto de órgãos de persecução penal devem entrar em ação. Mas será mesmo que a esquerda desconhece que o aparato policial, ao lado dos militares, constitui uma das principais bases de apoio do bolsonarismo? Como mobilizar essa força para atacar o bolsonarismo se ela mesma está dominada pelo bolsonarismo? 

Mas olhando mais de perto, vemos que dentro do aparato repressivo existem verdadeiros “combatentes do fascismo”. Trata-se da turma de Alexandre de Moraes e Cia. A esquerda realmente joga suas fichas nessa turma. Eles são os pais de Bolsonaro. São os principais promotores do golpe de Estado de 2016, da derrubada de Dilma Rousseff e da prisão de Lula. Eles fingem que caçam os bolsonaristas. Vez ou outra, um bolsonarista de quinta categoria vai para a prisão ou é perseguido, indiciado, censurado etc. Esse setor, que faz parte da direita tradicional cuja base foi abocanhada pelo bolsonarismo, é o real protagonista de toda uma série de ataques aos direitos democráticos no país. 

Ao defender a perseguição política contra seus adversários, a esquerda não faz mais do que se jogar no colo dessa direita falida. Mais ainda, ajuda a preparar a cama para os ataques que recairão sobre si num futuro que, dependendo das circunstâncias, não está distante. As características ditatoriais e antidemocráticas do regime político acentuam-se cada vez mais, e o maior prejudicado de tudo isso será certamente as organizações operárias e populares. 

Ao contrário do que se pensa, o bolsonarismo se fortalece a cada episódio em que um seu representante é perseguido pela Justiça. Ele aparece como vítima, mobiliza suas forças, se agrupa ainda mais. A esquerda, por seu lado, se desmoraliza. Ficando a reboque da direita tradicional, abandonando os princípios políticos fundamentais que a história ensinou aos trabalhadores conscientes, a esquerda conseguirá tudo, menos derrotar o bolsonarismo.

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