A imprensa burguesa, sempre tão acostumada a seguir as diretrizes do imperialismo, está, como diria um surfista, “levando um caldo” das redes sociais. Seus articulistas, que se empenham em oferecer aos leitores as suas opiniões de “gente inteligente”, estão vendo seu esforço se desmanchar ante a divulgação de pontos de vista contrários aos de seus patrões. Sim, estamos falando do conflito na faixa de Gaza.
Uma colunista da Folha de São Paulo apelou para o velho e bom lugar de vítima do povo judeu para clamar contra os “defensores de terroristas” e lamentar que “vidas judias não importem”. O fato de judeus terem sido vítimas do Holocausto na Segunda Guerra Mundial não deveria imunizar de críticas o Estado de Israel e os sionistas, que não representam a totalidade dos judeus do mundo, mas a imprensa empenha-se em pôr o Hamas no mesmo lugar de Hitler, ainda que a realidade conte outra história.
As informações saem de todos os cantos, são milhões de celulares filmando e gravando depoimentos e, mesmo que haja mentiras, montagens e distorções, há uma gama variada de dados em circulação. O próprio conhecimento histórico é divulgado via internet, há um sem-número de elementos em disputa pela “verdade”, que talvez só possa ser extraída desse conjunto desorganizado.
A imprensa burguesa, no entanto, acredita que lhe cabe o papel de dizer onde exatamente está a verdade. Há algum tempo, criaram as agências de checagem de fatos, que, como temos visto, são igualmente usadas para, em nome da “verdade”, municiar manchetes enviesadas – os jornalões sabem muito bem que muita gente vai ler só os títulos das notícias. Agora buscam sistemas de inteligência artificial, que, pelo cruzamento de dados, seriam capazes de reconstituir “a verdade”.
Talvez “a verdade” não tenha, em si, essa neutralidade tão perseguida. O fato é que o ataque do Hamas de 7 de outubro de 2023 fez o mundo olhar para a situação da região, que a imprensa do capitalismo se ocupa de esconder. Israel vinha aparecendo em reportagens de “turismo LGBT”, sendo Tel Aviv a “capital mundial” dos amigos dessa população. A classe média vibra com esse tipo de informação, como se isso fosse a prova de que esse lugar é evoluído e democrático e, portanto, as pessoas que lá vivem são melhores que os bárbaros do resto do Oriente Médio. O artifício da propaganda talvez ajude a explicar o apoio de identitários de “esquerda” ao Estado de Israel, que, desde a sua fundação, vem tentando aniquilar o povo palestino.
A ironia dramática de tudo isso apareceu na famosa “rave”, a festa em que jovens abastados se divertiam a poucos quilômetros do “campo de concentração a céu aberto” representado pela faixa de Gaza. Completamente alienados da realidade, foram tirados de seu entorpecimento pelo som das bombas. Se a imprensa mostrasse o que acontece dia após dia no estreito território de Gaza e as atrocidades dos sionistas na região, talvez os festeiros fossem buscar outro cenário para a própria diversão. Mas não. É preciso investir na imagem de Israel como lugar livre, democrático, turístico etc.
Um sujeito que se apresenta como presidente do Instituto Brasil-Israel, em entrevista ao Estadão, divulgada no X (Twitter), afirmou que “ser LGBT em Gaza não é lá um bom negócio”, que Gaza não é um lugar democrático, em que se respeitem os direitos das mulheres etc. Mostrando-se muito preocupado com a população palestina, lamentou que o dinheiro chegado às mãos do Hamas não tivesse sido usado para obras sociais – afinal, mendigos que são, os palestinos não deveriam lutar por sua soberania.
Enquanto isso, os Estados Unidos abastecem Israel com vultosas quantias e equipamento militar para assolar o território já reduzido a uma faixa e devastado. O cinismo do sujeito, no entanto, é flagrado pelos leitores, que se manifestam livremente, pelo menos enquanto não se censuram as redes sociais de vez.
O fato é que a pobreza de argumentos dessa extrema-direita, muitas vezes disfarçada de “civilizada” ou de identitária, está expondo seus membros ao estrondoso apupo da plateia. Basta ler os comentários de leitores que se seguem a essas publicações para constatar que o discurso que se pretendia hegemônico vem levando muita pancada, o que, entre mortos e feridos, não deixa de ser algo positivo.