Todas as relações sociais entre as pessoas são políticas. Nesse sentido, até mesmo uma fofoca de astros da Rede Globo pode ser analisada politicamente. Mas a fofoca não deixará de ser fofoca, a futilidade não deixa ser futilidade apenas porque alguém decidiu analisar politicamente os barracos que acontecem entre astros da TV.
O identitarismo transformou qualquer barraco fútil em grandes temas para problematizar. Se depender do identitarismo, os grandes temas políticos serão substituídos pela discussão individual, pela alcova. É mais ou menos isso o que está acontecendo no caso envolvendo dois jornalistas da Globo, Patrícia Poeta e Manoel Soares, apresentadores do programa Encontro.
A jornalista é acusada de destratar o rapaz, que é negro, e a gota d’água teria ocorrido na última segunda-feira, quando Patrícia passou em frente à câmera que focaliza Manoel Suares, enquanto ele falava, interrompendo-o. O que poderia ser analisado como uma enorme falta de educação ou como uma falha de posicionamento no programa ao vivo, transformou-se em problematização para os identitários.
Como dissemos, esse assunto nem deveria ser abordado, mas, como a discussão foi aberta, vamos ao que interessa: a política.
O colunista do Brasil 247, Ricardo Nêggo Tom, publicou artigo sobre o caso relatado acima, intitulado “Manoel Soares e o racismo institucional, onde a corda sempre arrebenta para o lado do mais preto”.
Na coluna, o autor se esforça para mostrar que o caso é um grande problema que comprova o racismo no Brasil. Obviamente que é totalmente aceitável a ideia de que numa emissora de TV, dominada pela burguesia, num programa com uma jornalista branca, com altos salários, um negro não seja bem tratado.
Daí, a extrapolar essa ideia genérica como sendo uma dominação de poder de Patrícia Poeta sobre o outro já não é correta. Claro que a jornalista, sendo famosa, branca e, inclusive por conta disso, a atração principal do programa, tem mais chance de se dar bem do que o negro. Mas isso não quer dizer que Patrícia Poeta tenho o poder, como afirma o colunista:
“Patrícia Poeta sabe muito bem como fazer uso desse ‘poder’. Tanto, que não será nenhuma surpresa – pelo menos para mim – se ela se transformar em vítima da história que ela mesma criou.”
Ela pode se fazer de vítima, como pode, como está acontecendo, ser condenada ao fogo do inferno pelo seu “racismo”. Ou seja, não há poder real nenhum aí, o que há é uma mulher rica que acha que pode ser sem educação com um rapaz negro, no máximo isso.
Patrícia Poeta não tem poder e isso ficará comprovado se a Rede Globo decidir demiti-la porque teria eventualmente sido racista. Quem tem poder é a Globo, para fazer o que bem entender, inclusive colocar panos quentes no que se passou.
Feitas essas considerações, é importante debater a ideia do colunista sobre o racismo. Ele afirma o seguinte:
“A propaganda institucional racista não precisa apresentar pretos e pretas como inferiores, porque essa característica já está implícita nos privilégios detidos historicamente pela branquitude em todos os espaços sociais de poder e de visibilidade.”
O colunista ignora que a “propaganda institucional” hoje não apresenta pretos e pretas como inferiores. Ela é o oposto disso. Há uma enorme operação cínica e demagógica contra o racismo. Aliás, foi isso o que colocou Manoel Soares no programa da Globo. De fato, essa propaganda demagógica não vai mudar a vida dos negros no Brasil. Mas muda, sim, a vida de alguns individualmente. Nesse caso, admitindo que Manoel Soares tenha sofrido com a falta de educação de uma “branquela riquinha” da Rede Globo, é verdade também que ele se encontra dentro de uma classe restrita de privilegiados: astros da televisão.
Manoel Soares não é um negro da periferia, não mais. Seu sofrimento com o racismo, quando existe, não é o mesmo da maioria do povo. Voltamos, assim, ao problema da futilidade.
A preocupação do colunista do Brasil 247 é superficial. A grande questão, que ele não responde, é como resolver o problema dos negros no Brasil, o problema da população pobre em geral. A demagogia da rede Globo não vai resolver o problema e ela tem o mesmo fundamento das ideias apresentadas pelo colunista: o racismo é um problema de relações entre indivíduos. Bastaria, portanto, colocar um negro no programa da Globo para resolver. Mas como ele mesmo admite, não resolveu.
Diferente do que diz o colunista, as instituições hoje são “anti-racistas”. Logicamente, entre aspas. Como dissemos, é puro cinismo. O é fato que institucionalmente, ou seja, na grande imprensa capitalistas, nas propagandas institucionais etc, a moda é fazer muita demagogia com os negros, as mulheres, os LGBTs. No entanto, isso não resolve o problema de nenhum desses setores. O problema não é “institucional”, mas é de classe. Os negros fazem parte da maioria esmagadora da população pobre e explorada. Esse é o problema.