A correta declaração da presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, na semana passada, criticando a existência da Justiça Eleitoral e a política de interferência a autonomia dos partidos, causou uma reação da direita. O sítio Poder 360 publicou uma coluna, assinada por Roberto Livianu, chamada “O absurdo de extinguir a Justiça Eleitoral”.
Segundo o colunista, que defende a existência da justiça eleitoral, “um sistema de justiça especializado no combate aos abusos do poder político e econômico para que a vontade do eleitor se sobreponha e, em última análise, prevaleçam os ditames democráticos”.
Ou seja, a justiça eleitoral teria como função defender o eleitor, portanto o povo, do abuso dos poderosos. Ela seria, grosso modo, a guardiã da democracia.
Colocado assim, de maneira geral, parece que a função da justiça seria apenas fiscalizar as eleições, mas não é o que acontece no caso brasileiro.
Mas antes de explicar o que de fato faz a Justiça eleitoral no Brasil, é bom esclarecer se realmente seria democrático a existência de um órgão do judiciário para cuidar da eleição. Para compreender o problema, em primeiro lugar é preciso entender o que é o poder Judiciário.
Ele é um poder que não deveria se intrometer nos demais, ou seja, no legislativo e no executivo. Na realidade, da maneira como está organizado o poder Judiciário, a coisa é ainda mais anti-democrática, já que os juízes são escolhidos com base na casta burocrática que se perpetua no poder. O correto seria que o próprio Judiciário tivesse os juízes eleitos democraticamente.
Mas voltando às eleições gerais, o mecanismo de controle das eleições deveria se ar através de organismos formados pelo próprio povo. Não há uma fórmula pronta, mas os próprios partidos, como representações do povo, poderiam ter sua participação nesse controle. Outras organizações sociais também poderiam participar, como uma espécie de órgão temporário que controlasse as eleições.
Como dissemos, a ideia aqui não é propor nenhuma fórmula pronta, mas mostrar que há muitas opções mais democráticas do que a existência de um poder Judiciário que controle as eleições.
Mas o pior de tudo não é isso. A Justiça Eleitoral é muito mais do que uma simples fiscalizadora e administradora das eleições. Ela é, na prática, um órgão de ingerência sobre os partidos. Aí, a coisa já se torna muito ditatorial, o que fica comprovado pela própria ideia do autor ao falar sobre a chamada PEC da Anistia, iniciativa correta do Congresso para diminuir essa intervenção do TSE sobre os partidos:
“Eis que estamos em meio ao canhestro debate relacionado à PEC 9 de 2023, que propõe a 4ª anistia aos partidos, a maior da história, desconstruindo ações afirmativas que foram aprovadas depois de amplo debate no Congresso, assegurando modestos espaços de poder para negros e mulheres”.
Vejam que, por trás da preocupação com as cotas para negros e mulheres, está uma defesa dessa intervenção anti-democrática sobre os partidos. O partido político, como representação privada de setores da sociedade, deve ter total autonomia política e administrativa. São os próprios membros do partido que devem decidir sobre os métodos de organização, administração, finanças etc.
Além da falsa preocupação com cotas de mulheres e negros, o colunista mostra-se preocupado com a corrupção. Segundo ele, os partidos precisam ser controlados pelo judiciário porque isso evita a corrupção. Diz que os partidos enganam eleitores, colocando candidatos “ficha sujas”. Aí está mais uma ideia que só mostra que o que está por trás da justiça eleitoral é uma espécie de tutela do povo, como se o povo não tivesse condições de decidir os rumos do país. Mas se for assim, falar em democracia, ou seja, que o povo deve decidir, é pura demagogia.
O colunista conclui dizendo que “o princípio da separação dos Poderes é pedra angular do nosso sistema constitucional. A própria existência da Justiça Eleitoral protege nossa cidadania e a competição limpa pelo voto”. Mas é justamente o oposto do que ele diz. O tal do princípio de separação dos Poderes é completamente anulado quando o Judiciário tem poder de interferir nos partidos e nas eleições. Não é porque a Justiça Eleitoral existe há 91 anos, como reafirma várias vezes o colunista, e está regulamentada pela Constituição, que somos obrigados a concordar com sua existência. Aliás, propor uma reforma institucional no regime político é tão democrático quanto as eleições.