O nome do braço armado do partido Movimento Resistência Islâmica (Hamas), as Brigadas Izis Aldin al-Qassam, é uma homenagem ao xeque árabe homônimo, responsável por organizar um grupo guerrilheiro em 1935 contra a política sionista. Em uma ação do grupo, os árabes mataram um oficial inglês e um judeu, gerando uma retaliação que culminaria no assassinato de al-Qassam, o que dá lugar a um levante árabe revolucionário, iniciada em 1936.
A insurreição contou com greves operárias, que mantiveram a região em ebulição de 1936 a 1939. Ingleses foram forçados a enviar um efetivo de 100 mil soldados para a Palestina. Esse será o evento fundamental para a criação do Estado de “Israel” porque, nesse processo, os ingleses vão desmantelar completamente os movimentos organizados árabes. Estarão desarmados para os eventos de 1948. Mas quem era o homem cujo assassinato incendiou o Mundo Árabe?
Nascido em 1882 na cidade de Jableh, no noroeste da Síria, Izz ad-Din al-Qassam emergiu como uma figura central da história do Oriente Médio na primeira metade do século XX. Filho de Abd al-Qadar, um funcionário do tribunal da Sharia durante o domínio otomano, e de uma família profundamente ligada à ordem sufi Qadariyya, seu avô fora um influente sheikh dessa ordem, que havia se mudado do Iraque para Jableh. Essa linhagem estabeleceu as raízes de al-Qassam em uma tradição islâmica, moldada por sua herança sufi e pelas correntes do pensamento Hanafi do Islã sunita.
Os primeiros anos do futuro mártir foram moldados por suas experiências em Jableh, onde estudou na Mesquita Istambuli sob a orientação de Sheikh Salim Tayarah. No entanto, seu verdadeiro despertar intelectual ocorreu durante seu período de estudo na prestigiada Mesquita al-Azhar, no Cairo, entre 1902 e 1905.
As fontes históricas divergem sobre os detalhes de seus estudos em al-Azhar. Alguns afirmam que al-Qassam teve a oportunidade de aprender com o renomado estudioso muçulmano reformista Muhammad Abduh e teve contato com Rashid Rida, um destacado proto-salafista que também fora discípulo de Abduh. Contudo, a natureza das relações de al-Qassam com esses pensadores permanece incerta. Não obstante, sua postura posterior em relação às questões políticas no mundo árabe sugere uma afinidade com as ideias de Abduh e Rida.
Durante seu tempo em al-Azhar, al-Qassam desenvolveu uma pregação entre agricultores, com quem destacou a necessidade de uma modernização do Islã, para torná-lo capaz de resistir ao colonialismo ocidental por meio da jihad, a luta santa. Essa visão moldaria suas atividades futuras e sua defesa de um Islã politizado, comprometido com o nacionalismo árabe.
De volta a Jableh em 1909 como um estudioso islâmico (′alim), al-Qassam ensinou na madrasa Qadariyya local, transmitindo as práticas místicas dessa ordem sufi, além de oferecer ensinamentos sobre jurisprudência e comentários do Alcorão. Também atuou como imã na Mesquita Ibrahim Ibn Adham, consolidando sua presença como líder espiritual na comunidade.
Seu retorno coincidiu com o início de uma campanha de renovação islâmica em Jableh, onde al-Qassam promoveu reformas morais. Encorajou a realização regular de salaah (oração) e o sawm (jejum) durante o Ramadã, ao mesmo tempo que advogava pelo fim do jogo e do consumo de álcool. Sua campanha teve grande impacto na população local, que adotou cada vez mais suas reformas.
Al-Qassam cultivou relações amigáveis com a polícia otomana local, utilizando-a para aplicar a lei da Sharia em casos excepcionais. Em certas ocasiões, enviava discípulos como vigilantes para interceptar caravanas transportando álcool, que era então descartado. Apesar do apoio ao nacionalismo árabe por alguns de seus colegas na al-Azhar e entre notáveis sírios, as lealdades de al-Qassam pareciam residir no Império Otomano, como indicava seu relacionamento harmonioso com as autoridades.
O ano de 1911 marcou um ponto significativo na vida de al-Qassam com a invasão italiana à Líbia. Demonstrando seu compromisso com a resistência, iniciou a arrecadação de fundos em Jableh para apoiar o movimento de resistência conjunto otomano-líbio. Compôs um hino de vitória e, ao fazê-lo, entrou em conflito com o governador do distrito de Jableh, que buscava controlar a arrecadação de fundos. Acusado de trabalhar contra o Estado otomano, al-Qassam foi investigado oficialmente e considerado inocente, enquanto o governador foi destituído.
Em junho de 1912, durante um sermão, al-Qassam convocou voluntários para se juntarem à jihad contra os italianos. Aceitando apenas voluntários com treinamento militar otomano prévio, alistou dezenas de homens e estabeleceu um fundo para a expedição à Líbia, além de uma pequena pensão para as famílias dos voluntários enquanto estivessem no exterior.
Acompanhado por 60 a 250 guerrilheiros voluntários, conhecidos como mujahideen, al-Qassam chegou a Alexandreta no final de 1912, buscando obter transporte marítimo dos otomanos. No entanto, suas tentativas foram rejeitadas pelas autoridades otomanas, que ordenaram seu retorno a Jableh.
Entre 1928 e sua morte, al-Qassam atuou como presidente da Associação Muçulmana de Jovens (AMJ) em Haifa. Embora tenha concentrado seu ativismo nas classes mais baixas, sua posição na AMJ lhe proporcionou acesso às classes médias e educadas da cidade, atraídas pelo partido nacionalista Hizb al-Istiqlal (Partido da Independência). Em especial, ele desenvolveu uma forte relação com Rashid al-Hajj Ibrahim, proeminente membro local do partido e ex-presidente da AMJ de Haifa. A divergência ideológica entre o secular al-Istiqlal e al-Qassam foi superada pela convergência na luta contra a expansão sionista na Palestina e ao domínio britânico. Essa política diferenciava al-Qassam e al-Istiqlal das forças predominantes na Palestina na época. Embora homens do al-Istiqlal e da AMJ geralmente se abstivessem de se unir à causa de al-Qassam, sua associação com eles o protegeu de figuras políticas contrárias ao seu ativismo. Suas atividades também foram financiadas por vários empresários associados ao al-Istiqlal, devido à sua crescente reputação.
No começo dos anos 1930, al-Qassam recrutou numerosos seguidores e os organizou em cerca de uma dúzia de células diferentes, cada grupo ignorante da existência dos outros grupos. A maioria de seus homens era composta por camponeses e operários. A maioria dos círculos de al-Qassam estava baseada no norte da Palestina, mas ele tinha discípulos em todo o país, incluindo Gaza, no sul. Ao contrário dos líderes tradicionais palestinos, que faziam campanha contra o assentamento sionista enquanto evitavam confrontos com as autoridades britânicas, al-Qassam via como prioridade lutar contra ambos.
Ele também encarava o conflito iminente na Palestina como uma luta religiosa, ao contrário da maioria dos líderes palestinos que defendiam uma resposta secular e nacionalista. Al-Qassam preconizava uma jihad moral, política e militar como solução para encerrar o domínio britânico e barrar as aspirações sionistas na Palestina.
Ao treinar seus homens, al-Qassam enfatizava a importância de manter uma boa índole. Assim, os combatentes deveriam prover para os necessitados, ajudar pessoas doentes, manter bons laços com suas famílias e rezar regularmente a Alá.
Essas virtudes, segundo ele, eram requisitos para serem combatentes disciplinados e destemidos. O componente moral dos ensinamentos de al-Qassam era especialmente direcionado aos jovens dos bairros de operários de Haifa, que viviam longe de suas famílias e estavam expostos a atividades consideradas imorais no Islã.
Ele via o casamento como chave para evitar a corrupção moral dos jovens e conseguiu ajudar financeiramente seus apoiadores mais necessitados com as despesas de casamento. Encorajava seus homens a cultivar barbas como sinal de compromisso com a jihad e a carregar um Corão consigo onde quer que fossem. Embora muitos de seus seguidores fossem analfabetos, ele os ensinou a ler e escrever usando o Corão como base para o aprendizado. Al-Qassam também pediu a seus combatentes que se engajassem nos exercícios espirituais praticados pela ordem sufi Qadiriyya e recitassem cânticos sufis antes da batalha.
Os grupos de guerrilha ficaram conhecidos como a Mão Negra (al-kaff al-aswad), uma organização militante anti-sionista e anti-britânica. A ideia para tal grupo parece ter se cristalizado após os distúrbios de 1929. Desde o início, ocorreu uma divisão no movimento. Uma facção liderada por Abu Ibrahim al-Kabir defendia ataques imediatos contra alvos britânicos e judeus, enquanto a outra facção, liderada por al-Qassam, considerava uma revolta armada prematura e arriscada, expondo os preparativos do grupo. Segundo Subhi Yasin, um camarada de al-Qassam, os ataques do grupo no norte foram executados pelo grupo de Abu Ibrahim em desafio a al-Qassam, embora posteriormente, Abu Ibrahim tenha negado essa alegação.
A campanha da Mão Negra começou com a emboscada e morte de três membros do kibbutz Yagur em 11 de abril de 1931, uma tentativa fracassada de ataque com bomba a casas judias em Haifa no início de 1932 e várias operações que mataram ou feriram quatro membros de assentamentos judeus no norte. A campanha culminou com as mortes de pai e filho judeus em Nahalal, vítimas de uma bomba jogada em sua casa, em 22 de dezembro de 1932.
Em 1935, al-Qassam recrutou centenas de homens — entre 200 a 800 — organizados em células de cinco homens, providenciando também treinamento militar para os camponeses. As células estavam equipadas com bombas e armas de fogo, que utilizavam para atacar assentamentos judeus e sabotar linhas de trem construídas pelos britânicos. Embora tenha conquistado o apoio dos pobres rurais e da classe trabalhadora urbana, o movimento de al-Qassam preocupava profundamente a elite urbana muçulmana, uma vez que colocava sob risco as suas relações políticas e financeiras junto às autoridades britânicas do Mandato.
Após a descoberta, em outubro de 1935, de um depósito clandestino de armas no porto de Jafa, aparentemente proveniente da Bélgica e destinado à milícia fascista judaica Haganá, a indignação árabe palestina resultou em duas greves gerais. O envio de armas à Haganá serviu como o último impulso para que al-Qassam lançasse uma revolta contra as autoridades.
Em 8 de novembro, o corpo de um policial, Moshe Rosenfeld, foi encontrado perto de Ein Harod. Acredita-se que al-Qassam e seus seguidores tenham sido responsáveis, levando grupos de busca a procurá-lo. Nesse momento, al-Qassam e doze de seus homens decidiram se esconder, deixando Haifa e indo para as colinas entre Jenin e Nablus. Lá, passaram dez dias em movimento, sendo alimentados pelos moradores das aldeias da região. A polícia britânica cercou al-Qassam em uma caverna perto de Ya’bad, na vila de Sheikh Zeid. No longo confronto que se seguiu, al-Qassam e três de seus seguidores foram mortos, e cinco foram capturados em 20 de novembro.
O funeral de al-Qassam, realizado na Mesquita Jerini, atraiu pelo menos 3 mil simpatizantes, principalmente operários e camponeses. Seu caixão e o de seus companheiros mortos foram cobertos com as bandeiras do Iêmen, Arábia Saudita e Iraque, os únicos três países árabes independentes na época. Em reação à morte de al-Qassam, foram realizadas greves em Haifa e várias cidades palestinas e sírias. Al-Qassam está enterrado no cemitério muçulmano da antiga aldeia palestina de Balad al-Sheikh, agora Nesher, um subúrbio judeu de Haifa.