Em campanha contra o governo bolivariano, o portal Esquerda Diário publicou um artigo trazendo a curiosa tese de que “a Venezuela não tem um regime político alinhado a Washington” (o que é verdade), mas ainda assim, “o ‘anti-imperialismo’ do governo Maduro é uma pose” (“Diante da disputa entre Venezuela e Guiana sobre Essequibo e o referendo convocado por Maduro”, 8/12), razão pela qual, o órgão defende: “nenhum confronto atrás de interesses que não são nossos”.
Trata-se de uma flagrante evidência de que os esquerdistas desconhecem o problema do imperialismo com a profundidade devida.
“Embora os regimes políticos da Venezuela e da Guiana sejam diferentes”, afirma Esquerda Diário, “em ambos os casos são governos capitalistas que colocam os recursos dos países à disposição dos grandes capitais das potências, embora os graus de subordinação variem”. Ora, mas são “os graus de subordinação” justamente o que deve ser analisado concretamente. Como o próprio artigo destaca, o governo bolivariano é percebido como “não-alinhado” pelos EUA, a despeito das transações comerciais ocorridas entre ambos os países, oriundas da dependência de capitais da atrasada nação sul-americana e a necessidade de petróleo do principal país imperialista do mundo.
O esquerdismo acentuado do Esquerda Diário acredita que o comércio entre EUA e Venezuela seria uma evidência do alinhamento político entre os dois países, sem, no entanto, propor uma alternativa viável à exportação do petróleo venezuelano para os países imperialistas.
“Quando as transnacionais petrolíferas negociam diretamente o saque com a Venezuela”, escreve Esquerda Diário, “deixam de ser imperialistas, mas quando o fazem com o governo da Guiana se tornam portadoras de interesses imperiais”. Os esquerdistas podem não ter ciência do fato, mas a economia mundial ainda não é orientada pelo socialismo, de modo que as nações atrasadas que se rebelem contra o jugo imperialista, terão frequentemente de comercializar com o imperialismo. Mesmo em seu apogeu revolucionário, a URSS não deixou de estabelecer relações com as nações imperialistas. Para a crítica fazer sentido, o Esquerda Diário teria de apresentar uma alternativa válida ao comércio entre a Venezuela e o imperialismo, mas não é o que ocorre, evidenciando se tratar de uma crítica diletante.
“Tanto o governo guianense quanto o governo Maduro estão brigando por quem controla a entrega de recursos, estão lutando pelo papel de parceiros juniores de interesses transnacionais na área”, diz o artigo, o que é uma falácia.
A propaganda da imprensa imperialista não esconde qual lado realmente está sendo apoiado pelo centro da opressão mundial. O brasileiro Estado de S. Paulo, por exemplo, chegou a publicar um editorial ameaçando Lula com um novo golpe em caso de inação do governo brasileiro contra Maduro.
Finalmente, é pateticamente óbvio que os recursos naturais são uma parte importante da reivindicação venezuelana, porém não é só isso, como o próprio Esquerda Diário reconhece:
“A disputa pelo Essequibo já dura quase dois séculos, embora sempre tenha sido uma questão sem significado real no destino do país e de seu povo”, escreveu o órgão, reconhecendo o quão antiga é a luta venezuelana pela retomada do território roubado pelo imperialismo britânico. “O império britânico saqueou a Venezuela”, é obrigado a reconhecer a matéria, “mas a Guiana não é o Império Britânico”, conclui.
Graças aos EUA, de fato, não é, o que não muda em absolutamente nada o problema do protetorado norte-americano no subcontinente. O imperialismo americano substituiu o inglês e mantém a Guiana como um país artificial, praticamente um enclave na América do Sul.
Esse é o conflito em questão no Essequibo, e enquanto defende a inação venezuelana, a política de Esquerda Diário defende, consequentemente, a manutenção da ordem imperialista no subcontinente. Usa-se, assim, uma oposição meramente idealista contra as supostas burguesias venezuelanas e guianenses para apoiar algo muito pior: o imperialismo.
É a ditadura mundial, enfim, que se beneficia do roubo do território venezuelano. As imensas riquezas naturais (que vão além do petróleo, diga-se de passagem) são um dos motivos. Sendo um poder, o imperialismo continuaria se opondo à reivindicação venezuelana, mesmo que o Essequibo não passasse de um imenso deserto, porque sua autoridade não pode ser questionada. O governo Maduro, por outro, junta-se a outras nações rebeldes e questiona essa autoridade, colocando a dominação imperialista em crise.
Fosse realmente trotskista, a Liga dos Trabalhadores pelo Socialismo (LTS) da Venezuela – descrita no artigo como “organização irmã do MRT e parte da Rede Internacional Esquerda Diário e da Fração Trotskista” -, entenderia a profundidade da luta de classes em nosso tempo e a centralidade do problema representado pelo imperialismo, o inimigo fundamental a ser combatido. Como não compreende o problema de maneira concreta, termina por se tornar uma correia de transmissão do sistema de opressão global, propagandeando uma política que, levada a termo, levaria a uma grave derrota do proletariado mundial e ao fortalecimento das forças imperialistas, algo que os trabalhadores não podem tolerar, devendo, isto, sim, apoiar as reivindicações venezuelanas pela retomada do território roubado e mobilizar-se para que o Essequibo volte a ser parte da Venezuela, por qualquer meio necessário.