Nesta terça-feira (16), o deputado federal Deltan Dallagnol teve seu mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Dallagnol ganhou os holofotes da imprensa burguesa durante a operação Lava Jato, onde o então procurador da República foi promovido como paladino da luta contra a corrupção. A cassação se baseou na Lei da Ficha Limpa, mais especificamente numa interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre essa que já é uma lei profundamente antidemocrática. Para tornar a situação mais problemática, a ação que culminou na cassação tem o PT como um dos recorrentes.
A pena foi imposta a partir de duas irregularidades: Dallagnol teve contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em relação a diárias e passagens de agentes envolvidos na Lava Jato e seu pedido de exoneração do cargo de procurador foi interpretado como uma fuga de possíveis processos administrativos. Processos esses que poderiam resultar em aposentadoria compulsória ou perda do cargo. Em declaração à imprensa, o ex-procurador afirmou que tinha sido inventada uma “inelegibilidade imaginária” para cassar seu mandato. E o pior é que, nesse ponto, ele está certo.
A operação Lava Jato foi um verdadeiro crime de lesa pátria, que prejudicou economicamente a população brasileira ao sangrar importantes empresas públicas e privadas do país, além de minar uma série de direitos democráticos. Pior ainda, foi comprovada a articulação entre promotores e juízes com agentes de serviço de inteligência estrangeiro, no escândalo chamado de “Vaza Jato”. Mas a condenação administrativa do TCU sofrida por Dallagnol teve a ver com o “modelo de força tarefa”, que não seria a estratégia mais econômica para levar adiante a operação. Uma tecnicalidade explorada pela burguesia para jogar o ex-procurador para escanteio após usar dos seus serviços.
Agora o que chama mais a atenção na decisão do TSE é a consideração de que é possível punir com a Lei da Ficha Limpa uma pessoa por ela ter abandonado um cargo antes que enfrentasse processos administrativos. Ou seja, a lei não se limita a verificar se alguém foi condenado ou não, mas ela pode também interpretar que tal pessoa poderia ser condenada mas que fez uso de algum expediente para driblar a condenação. No caso de Dallagnol é bastante óbvio que ele fez isso. No entanto, se o judiciário pode se valer de leis que não existem para escantear um direitista sujo como Dallagnol, podemos estar certos de que fará ainda pior para perseguir a esquerda.
Ora, mas então como a cassação de um canalha como Dallagnol. que atuou sob a orientação do FBI e entre outras coisas destruiu parte importante da indústria brasileira, pode ser algo negativo? A esquerda não deveria comemorar que o mesmo instrumento usado para tirar Lula das eleições em 2018 está agora servindo para punir um direitista? Por que não simplesmente calar nesse caso e deixar para denunciar as arbitrariedades do Poder Judiciário apenas quando o alvo forem figuras da esquerda?
Esse tipo de questionamento é relativamente comum em parte dos leitores deste Diário e cabe explicar brevemente a importância prática de levar adiante a defesa de princípios na luta política. Nos últimos anos temos assistido a uma onda crescente de campanhas de cunho moral que pedem por mais punição judicial, seja em relação a determinados comportamentos na vida pública ou privada das pessoas ou em relação a entes coletivos como partidos políticos ou empresas.
No Brasil, as expressões mais importantes dessa tendência foram os processos do “Mensalão” e da “Lava Jato”, que finalmente culminaram no golpe de Estado de 2016 e nos seus desdobramentos. Mas temos uma série de outras campanhas que resultaram em arbitrariedades jurídicas, como a equiparação estabelecida pelo STF entre racismo e homofobia, dois fenômenos sociais tão diferentes que só a aguçada criatividade dos ministros dessa corte no trato com a lei possibilitou tal “Frankenstein” legal.
Eis que os mesmos setores da esquerda que apoiaram essas campanhas, agora se mantém dispostos a abraçar todas as novas campanhas morais. No entanto, não se trata aqui de uma defesa de princípios em torno de como lidar com os problemas sociais. Se trata de um seguidismo oportunista ao monopólio das comunicação, que ilumina com seus poderosos holofotes as figuras dispostas a empunhar suas bandeiras de ocasião. Guilherme Boulos é um exemplo muito claro nesse sentido, tendo sido promovido a nível nacional pela imprensa burguesa para atacar o governo Dilma durante o período de preparação do golpe.
Combater as arbitrariedades do Poder Judiciário faz parte da luta da esquerda contra a ditadura da burguesia, sendo este o poder mais antidemocrático dentro do regime político atual. Se esse monstro não se atém nem mesmo ao gigantesco arsenal de leis à sua disposição para punir, qual o limite para sua ação? Está se tornando cada vez mais comum termos juízes cassando parlamentares, o que significa na prática que estão cassando os votos que esses parlamentares receberam. No caso de Dallagnol, quase 345 mil votos. Enquanto a burguesia disciplina a extrema-direita, setores da esquerda seguem com uma fé inabalável e inexplicável nos juízes.