Matéria “Gabão: chaves de um novo golpe de Estado na África” publicada pelo MRT (Movimento Revolucionário dos Trabalhadores) em seu sítio Esquerda Diário, nesta quarta-feira (6), mostra que esses setores da esquerda não apoiam essas insurreições que vêm acontecendo no Continente Africano. Para eles, trata-se de uma luta no interior do capitalismo que, de um lado, tem o imperialismo ‘ocidental’ e, de outro, um bloco imperialista formado por Rússia e China.
A afirmação de que se trata apenas de um movimento dentro de interesses capitalistas leva, inevitavelmente, esses grupos a tomarem uma posição ‘neutra’ diante desses golpes de Estado que estão pipocando pela África, especialmente na região dominada pela França. Porém, como se sabe, não existe posição de neutralidade dentro da luta de classes, especialmente quando um dos lados está o imperialismo.
Neutralidade em política, invariavelmente, se traduz em apoio ao lado mais forte de um conflito. Vimos isso no Brasil, no golpe de 2016, quando aqueles que se diziam do lado de ninguém, ou contra todos, se retiraram das ruas quando Dilma Rousseff foi deposta.
“Frieza”
O texto do MRT tenta passar uma certa frieza diante dos fatos e faz praticamente uma descrição do que teria sido o golpe: “Embora com características e motores específicos, o golpe no Gabão parece ter um guia e uma estética semelhantes aos anteriores.”.
A matéria descreve que Ali Bongo foi deposto em 30 de agosto, após assumir seu terceiro mandato consecutivo: “um grupo de 12 militares com uniformes da guarda republicana, o exército e forças de segurança, chegou às telas da televisão nacional Num breve comunicado lido no ar, o chamado Comitê para a Transição e Restauração das Instituições, anunciou que as eleições presidenciais de 26 de agosto, que Bongo tinha vencido com mais do que suspeitos 65% dos votos, foram anuladas”.
Ora, a família Bongo esteve no poder no Gabão por quase seis décadas, o MRT deveria, pelo menos, questionar o porquê de o imperialismo, tão ativo em levar a democracia para os quatro cantos do mundo, nunca te se incomodado com o Gabão, especialmente a imprensa burguesa, que trata todos os desafetos dos Estados Unidos como ‘ditadores’.
Mantendo seu ar de distanciamento, o texto diz que a “junta militar improvisada dissolveu o Congresso e o Supremo Tribunal. E prendeu Bongo, a sua família e membros do seu gabinete sob acusações que vão desde fraude e governo irresponsável até traição. Tal como aconteceu em outros países africanos de língua francesa, no Gabão também houve cenas de apoio e júbilo popular na queda de Bongo, e slogans idênticos contra o neocolonialismo francês e os seus parceiros da elite local”.
Está claro que o imperialismo está em crise, crise esta que vem se agravando desde a derrota para o Talibã, em agosto de 2021. A França, por ser um dos elos mais fracos do bloco imperialista, está sofrendo uma série de revoltas por parte dos países que controlava. Não foi por menos que o governo do Gabão pediu a entrada do país no Commonwealth, o que se concretizou em 2022; e que agora pede que seus aliados “façam barulho”.
O MRT trata o que está acontecendo no Gabão como um “golpe palaciano”. Se, para eles, “este regime de partido único continua na prática através de uma trama de clientelismo e repressão que envolve eleições fraudulentas e reformas constitucionais funcionais para perpetuar os mesmos interesses”, por que a insurreição não aconteceu antes? Qual é o fato novo?
A dificuldade da esquerda pequeno-burguesa em entender a luta de classes, o nacionalismo burguês como uma expressão dessa luta, leva esses segmentos a tratarem esses fenômenos como uma luta interimperialista.
O Gabão é um país produtor de petróleo, o BRICS, com a adesão de Irã e Arábia Saudita, somando-se à Rússia e ao Brasil, pode concentrar pelo menos metade das reservas petrolíferas mundiais. A formação desse bloco enfraquece o imperialismo e exerce enorme pressão sobre países que produzem essa commodity. O enfrentamento é quase inevitável.
A “teoria dos blocos”
Segundo a matéria “Os Estados Unidos têm os seus próprios interesses na região. No quadro da guerra na Ucrânia, a sua principal preocupação é evitar que a rejeição do imperialismo francês e este “espírito de época anticolonial” sejam usados demagogicamente pela Rússia e pela China para aprofundar a sua penetração em África”.
É um enorme erro teórico e uma capitulação política tratar a Rússia e a China como imperialistas, são países atrasados, não importa que sejam grandes territorialmente e potências militares. Esses países não controlam os mercados mundiais.
Para variar, o MRT acusa, sem provas, de que a Rússia esteja por trás da morte de Evgeny Prigozhin, que estava à frente do Batalhão Wagner, que, segundo afirmam, “pagou com sua vida pelo desafio que criou ao governo de Vladimir Putin”. É a mesma acusação que faz o imperialismo.
Ainda que faça uma concessão aos golpes que vêm ocorrendo, pelo “fato de alguns deles recorrerem a uma linguagem anticolonial para se legitimarem [o que] é um sintoma de que as contradições e rivalidades geopolíticas podem abrir caminho à intervenção do movimento de massas”, o que realmente importa é a afirmação de que os “Os líderes golpistas militares africanos não são “anti-imperialistas”, mas procuram melhores condições, alinhando-se com o bloco capitalista da Rússia e da China”.
Esse é o verdadeiro posicionamento do MRT, que não apoia a insurreição contra o imperialismo, não vê o quanto o seu enfraquecimento é progressista.
A esquerda pequeno-burguesa está presa à burguesia, compactua de sua ideologia, porém não pode deixar que isso transpareça para a classe trabalhadora. É por esse motivo que produz textos onde tenta, sem sucesso, disfarçar seu verdadeiro posicionamento: a defesa dos interesses do grande capital.