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Coluna

Monopólios na era digital

Grandes empresas deixam seus usuários encalhados em ilhas no oceano da Internet

Na última semana, a empresa Beeper lançou um aplicativo de mensagens para celulares Android chamado Beeper Mini. Imagino o que deve estar passando pela cabeça de nossos leitores: “o quê? Mais um aplicativo de mensagens?”. Sim, mas esse prometia fazer o que nenhum outro tentou até então: unificar os infindáveis aplicativos de mensagens que somos obrigados a utilizar diariamente.

O Beeper Mini, na realidade, dava aos usuários Android a possibilidade de comunicarem-se com amigos e familiares que possuem um iPhone como se eles próprios possuíssem um dispositivo da Apple. Mensagens enviadas pelo Beeper Mini com destino a um iPhone chegariam no iMessage do destinatário como se tivessem sido enviadas de outro iPhone.

Para quem não conhece, iMessage é um equivalente ao WhatsApp disponível apenas em plataformas da Apple. Na realidade, é um aplicativo de mensagens desenvolvido pelo próprio monopólio norte-americano que, desde sua concepção, fez questão de nunca desenvolvê-lo para outras plataformas, de maneira a trancar seus usuários mais assíduos nas plataformas Apple.

Seu uso não é muito popular no Brasil por motivos óbvios: iPhones são um item de luxo por aqui. Nos Estados Unidos, porém, a situação é diferente e o iMessage é, na realidade, o aplicativo de mensagens mais popular porque a Apple é a fabricante mais popular de celulares. O aplicativo serve como um reforço ao monopólio, fazendo com que seus usuários continuem na plataforma para manter seus contatos e seguir usando o aplicativo que tanto gostam. Alguns chegam até a promover o monopólio para amigos e familiares.

É algo tão crítico para a Apple que apenas três dias após o lançamento do Beeper Mini sua integração com o iMessage já havia sido destruída. Engenheiros do monopólio norte-americano acharam alguma forma de detectar que as mensagens não estavam vindo de um iPhone e bloquearam as funcionalidades que os engenheiros da Beeper haviam habilitado através da engenharia reversa do protocolo de comunicação utilizado pelo iMessage.

Não apenas a Apple não estava disposta a oferecer seu aplicativo de mensagens em plataformas rivais, como estava disposta a impedir aqueles que tentassem fornecer algo similar. Esse tipo de contradição é, infelizmente, muito comum na Internet. Só não foi assim no breve período após sua criação.

No início, dispositivos diversos comunicavam-se na rede de computadores valendo-se de protocolos abertos, padronizados, como o SMTP, protocolo que sustenta os serviços de correio eletrônico, nossos e-mails. Para quem não entende de tecnologia, é difícil se dar conta disso, mas o e-mail é uma tecnologia antiga que oferece interoperabilidade entre seus diversos provedores. Um assinante de plataformas Google, com um e-mail @gmail.com pode comunicar-se livremente com um usuário da Apple, com seus e-mails terminados em @icloud.com. O mesmo vale para Yahoo e outros provedores.

No caso de aplicativos de mensagem de celular isso não ocorre. Um usuário de WhatsApp precisa criar uma conta no Telegram para comunicar-se com alguém que usa exclusivamente esta segunda plataforma. Isso vale para redes sociais como Twitter e Facebook. Vale, finalmente, para o iMessage, com a exceção de que, para usá-lo, é necessário um dispositivo Apple.

Nesse vasto oceano, a Internet, esses monopólios de tecnologia criaram ilhas que isolam suas bases de usuários. Somos forçados a criar contas e mais contas em diversas plataformas que, em essência, oferecem o mesmo serviço.

É difícil saudar empresas capitalistas de tecnologia, principalmente startups, foco de muita especulação. Mas acredito que o esforço da Beeper é um esforço nobre. Com seu outro produto, o Beeper Cloud, querem unificar todos os aplicativos de mensagens num único aplicativo, para facilitar a vida de seus usuários. Confesso que adoraria usar tal plataforma, se isso fosse possível.

Como vimos com o esforço da Apple, não é do interesse dessas empresas perder suas bases de usuários dos quais extraem petabytes de informações que são vendidas ou, mais recentemente, usadas no treinamento de modelos de inteligência artificial. 

A Apple diz que seu ecossistema de produtos, do relógio ao computador, passando pelo celular são convenientes. Eu digo que essa “concorrência” entre aplicativos que, finalmente, oferecem a mesma funcionalidade é o oposto de conveniência. Acontece com aplicações como Uber e 99 táxi; Netflix, Amazon Prime e outros serviços de streaming; e por aí vai.

A Internet e essas plataformas de serviços são, em última instância, o que economistas burgueses chamam de monopólios naturais, como estradas de ferro ou uma rede de eletricidade. Não faz sentido econômico construir duas estradas de ferro, uma ao lado da outra, para que duas empresas compitam pelo melhor serviço de logística.

A lógica deturpada do capitalismo, em sua época de total decadência, cercou certos terrenos no campo livre que era a Internet. A disputa por esses “latifúndios digital” é brutal. Infelizmente, nossos amigos do Beeper não resolverão esse problema, por mais bem-intencionados que estejam. O problema da abertura, da interoperabilidade, da Internet como um bem público passa pela luta contra o capitalismo. Não é um problema tecnológico, é um problema político, e os monopólios que hoje loteiam a Internet sempre acharão novos meios técnicos de proteger suas posses virtuais.

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