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Fábio Picchi

Militante do Partido da Causa Operária (PCO). Membro do Blog Internacionalismo e do Coletivo de Tecnologia do Partido da Causa Operária. Programador.

Justiça pró-truste

Monopólios e o futura da indústria de games

A Microsoft venceu processo que bloqueava sua fusão com empresa de videogames Activision-Blizzard, e deve comprá-la, aprofundando seu controle sobre o mercado

Em janeiro de 2022, a empresa norte-americana Microsoft, famosa por seu sistema operacional Windows, expressou seu interesse em comprar a empresa de jogos Activision-Blizzard, famosa por franquias milionárias da indústria do entretenimento digital como Diablo, Warcraft e Call of Duty. A transação chamou a atenção da Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês), que lançou um processo contra a Microsoft em dezembro do ano passado, alegando que a fusão violaria a legislação norte-americana que previne a formação de monopólios.

Eis que no último dia 11, a juíza responsável pelo caso deu causa ganha para a Microsoft, alegando que a fusão das duas empresas não configurava uma prática anticompetitiva. Segundo a decisão, a fusão entre a empresa responsável não apenas pelo Windows, plataforma favorita de muitos gamers, mas pelo Xbox, um dos consoles de videogame mais populares da atualidade, com o estúdio responsável pelas franquias mais lucrativas do mercado de jogos eletrônicos não deixará o mercado menos competitivo.

É tão absurdo que temos dificuldade até em escolher por onde começar a nossa crítica.

Em primeiro lugar, por sua presença no mercado de computadores pessoais, a Microsoft já deveria ser considerada um truste. Mais de 74% dos computadores do mundo têm o Windows instalado. É certo que a sua predominância já foi maior e vem aos poucos sendo corroída pela Apple, outro monopólio, que controla apenas 15% desse mercado. Trata-se, no mínimo, de um oligopólio das duas empresas mais valiosas do mundo: a Apple com um valor de mercado de praticamente US$3 trilhões e a Microsoft com US$2,57 trilhões.

O problema é que a atuação da Microsoft não está limitada a esse mercado. A empresa tem seu próprio serviço de computação em nuvem, o Azure, que perde em adoção apenas para o Amazon Web Services, da Amazon, que também passa longe de ser um mero portal de vendas na internet. Além disso, são donos do Linkedin, o patinho feio das redes sociais recheado de “empreendedores” e bajulações; do Github, plataforma orientada a programadores para desenvolvimento colaborativo; e certamente muitas outras empresas que se listássemos nesta coluna, mataríamos nossos leitores de tédio. Vale lembrar que a Microsoft é detentora de quase 50% das ações da empresa de “inteligência artificial”, a OpenAI.

Vemos logo que os tentáculos do conglomerado fundado por Bill Gates vai muito além dos games e do desenvolvimento de sistema operacionais. Praticamente todas as pessoas que interagem com um computador usam algum serviço da Microsoft. Espero ter convencido os leitores de que, se há alguma lei antitruste, a Microsoft já a viola há muito tempo. Mas voltemos aos games.

Logo antes de anunciar a compra da Activision-Blizzard, que já é resultado de uma fusão entre duas gigantes do mercado de jogos digitais, a Microsoft havia comprado o estúdio Zenimax, outro conglomerado do mercado de games que tem em seu portfólio a Bethesda, responsável pela popular série The Elder Scrolls. A Microsoft já estava, portanto, buscando centralizar o mercado de jogos digitais sobre o seu comando. 

Sabemos que nesta ação em particular não estava em discussão o caráter monopolista da Microsoft em outros mercados, que demonstramos acima. Sabemos também que não estava em discussão a abrangência das atividades da empresa em áreas de grande sinergia, o que por si só já poderia ser considerada uma prática anticompetitiva. Mesmo assim, como a justiça norte-americana justificou a autorização da fusão entre os principais estúdios de games do mundo (Activision, Blizzard, Zenimax e tantos outros que a Microsoft já detém) e a fabricante do Xbox? Vamos à ginástica jurídica.

Acontece que no mercado de consoles de videogame, a Microsoft ocupa a terceira posição, atrás das japonesas Sony, com seu Playstation, e Nintendo, com o portátil Nintendo Switch. O representante da Microsoft contou à juíza responsável a história triste de que seus patrões não impediram a publicação dos jogos de seus estúdios nas demais plataformas. Apresentaram como evidência o Minecraft, jogo mais popular de todos os tempos, do estúdio sueco Mojang, adquirido pela Microsoft em 2014, que está disponível em todos os consoles.

A Microsoft alegou que está desenvolvendo uma plataforma de games em nuvem, e que esse futuro serviço por assinatura – similar ao Netflix, mas voltado a jogos eletrônicos – não diminuiria a competitividade entre a norte-americana e suas rivais japonesas. Pelo contrário. Como os jogos não seriam mais executados nos consoles e computadores pessoais, eles poderiam ser jogados em qualquer plataforma, até mesmo celulares com baixo poder de computação. Poderiam, inclusive, rodar no Playstation e no Nintendo Switch. Tudo por uma módica taxa de assinatura de seus usuários.

Se cinismo matasse, esse advogado cairia duro diante dos presentes na corte. É claro que esse serviço não configura um monopólio do ponto de vista da fabricação e venda de consoles de videogame, fonte do processo original da FTC. A Microsoft argumento que qualquer empresa poderia fabricar consoles que se conectam com seu serviço de jogos em nuvem, mas a realidade é que, se bem-sucedido, seu serviço praticamente torna obsoletos os consoles. Para jogar seria necessário apenas uma televisão e uma boa conexão com a internet. E nesse universo, a Microsoft, com seus outros serviços e estúdios de games, estaria numa posição de dominação total.

Para os que acompanham rotineiramente este diário, a concentração de poder nas mãos de um punhado de monopólios não deve ser uma surpresa. A monopolização de serviços digitais é quase tão acelerada quanto foi a dos monopólios do setor petroleiro, se não for maior. Achei relevante trazer o caso para a coluna, porém, para mostrar o grau de cinismo das justificativas utilizadas para autorizar essa aceleração. O caso remonta à família Rockefeller, que para dominar o mercado norte-americano de petróleo, aumentou sua presença no mercado ferroviário, o que possibilitou que efetivamente cobrassem impostos de seus concorrentes que precisavam das estradas de ferro para escoar seus produtos.

Como militante marxista, entendo que essa concentração é, na realidade, natural. É a semente do modo de produção socialista dentro do capitalismo, em total decadência. Por outro lado, não consigo deixar de ficar triste pela evolução cultural dos games, que aprisionados nas mãos desses monopólios tornam-se cada vez mais amorfos e cinzentos. Fica também outra pergunta: nesse lindo futuro de games em nuvem da Microsoft, qualquer desenvolvedor poderá publicar seus trabalhos ou só serão publicados aqueles que a empresa julgar adequados? A julgar pela crescente regulação dos monopólios digitais, já sabemos a resposta.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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