Artigo publicado na Folha de S. Paulo chamado “Descolonizando os afetos”, assinado por Geni Núñez, defende a tese de que a “Imposição da cultura monogâmica fez parte do projeto de poder dos invasores”. Traduzindo, os colonizadores do Brasil, que a autora chama de invasores, impuseram a monogamia como parte do domínio sobre os indígenas que viviam no país.
O texto não defende necessariamente uma versão diferente da monogamia, segundo ela, “Não é sobre a imposição de um outro modelo, é um convite a acolhermos as mudanças, as transformações do que sentimos”.
Também não temos aqui o objetivo de impor nada a ninguém, mas esclarecer muitas confusões que estão no texto.
A primeira ideia que apresentada é a de que a monogamia era imposta pelos missionários:
“De acordo com a historiadora Vânia Moreira, a imposição da monogamia se tornou uma grande obsessão dos missionários, uma vez que sem ela não seria possível o batismo —e, sem este, todo o sucesso da obra missionária estaria comprometido.”
Será que essa informação é totalmente correta? Se analisarmos informações básicas da colonização veremos que não é bem assim. Em primeiro lugar, é provado pelos historiadores que a Coroa Portuguesa incentivava o casamento com as índias. Alguns Portugueses acabaram por ser incorporados às tribos, adotando inclusive a cultura poligâmica. Essa era uma política colonizadora tradicional dos Portugueses.
Como se vê, a questão não é assim tão simples, não pode ser vista unilateralmente.
É fato que os jesuítas – ou missionários, como diz a autora – eram contra essa prática. Houve muitos atritos entre eles, setores da Coroa e colonizadores, incluindo os bandeirantes. Atritos cuja principal motivação estava muito longe de ser o tipo de casamento.
A análise ignora os diferentes estágios de colonização e os conflitos existentes na própria sociedade colonial.
Mais adiante, a autora compara a ideia cristã de monogamia com uma suposta concepção dos indígenas sobre o relacionamento.
“Para os missionários, a monogamia era um sacramento, algo sagrado e inquebrável, uma vez que sendo também um laço com Deus não poderia ser dissolvida em hipótese alguma. Esse fundamento é chamado de ‘indissolubilidade do vínculo’ e é a base da monogamia cristã.
(…)
“Nossos povos não lidavam (e não lidam) com o tempo dessa forma, o que provocava um grande choque nos missionários.
“O padre Diogo Ferrer, em uma carta de 1633, registra seu espanto ao ver que ‘os guaranis vivem junto quanto tempo querem, não praticam a perpetuidade do matrimônio'”.
Aqui, vemos uma típica confusão entre a monogamia e o casamento. O casamento estabelecido pelo cristianismo e adotado como lei na maioria dos países cristãos é um contrato entre duas pessoas que prevê de fato uma espécie de prisão, ou a “indissolubilidade do vínculo”, conforme a autora descreve. Mas isso não é a monogamia.
A monogamia não é necessariamente uma forma jurídica. A sociedade burguesa transformou o contrato do casamento num negócio e reforçou com isso a ideia de que esse contrato não deveria ser quebrado. Esse contrato jurídico é baseado na monogamia, mas não é a monogamia propriamente.
A maneira como ela descreve a relação dos índios, sendo precisa ou não, também pode ser considerada monogamia. Ela não é a relação eterna e inquebrável, como diz a igreja, mas a relação com um único parceiro de cada vez durante um determinado período de tempo ou durante toda a vida.
A autora quer questionar a monogamia, mas, na verdade, no máximo questiona o casamente conforme a lei cristã adotada pela sociedade burguesa.
A autora faz uma confusão entre os termos.
Por fim, é preciso deixar um questionamento para a própria autora. Deduz-se que o que ela chama “invasores” são os europeus que chegaram aqui a partir do século XV. Seria interessante saber o que a autora acha dos atuais invasores, não aqueles de mais de cinco séculos atrás. Nós podemos responder.
Esses “invasores” atuais são representados pela Folha de S. Paulo, jornal que deu espaço para a autora defender sua ideia. Nada contra ela poder defender sua tese, por mais errada que seja, mas fato é que os “invasores” de hoje estão interessados em questionar a monogamia. Como ela mesma afirma no início do texto, houve “um aumento das discussões sobre monogamia e não monogamia”.
Esse aumento é impulsionado principalmente pelos “invasores” atuais e suas sucursais no Brasil. Por que não haveria, então, algum “invasor” tentando impor uma visão diferente? A autora deveria se fazer essa pergunta.
O que acontece é que o imperialismo “invasor” está impulsionando uma ideologia como a expressa pela autora. O objetivo não é necessariamente defender a poligamia, mas mostrar que o Brasil seria uma verdadeira desgraça onde tudo o que aconteceu foi ruim e, portanto, deve ser descartado completamente para os interesses do imperialismo.