Uma matéria publicada neste 15 de junho no The Grayzone “Nicarágua se reconstrói – cinco anos após a derrota do terror financiado pelos EUA”, assinada por John Perry, mostra o retrato contundente do que foi a realidade da tentativa de golpe na Nicarágua. Sempre é preciso desconfiar quando a imprensa burguesa, ou determinados setores da esquerda, ficam reclamando de presos políticos, pois, em geral, se calam para os verdadeiros presos políticos, como Julian Assange, cuja prisão conta com a conivência de toda a imprensa burguesa, fazendo coro com alguma campanha do imperialismo.
Existem inúmeros ataques contra o governo de Daniel Ortega, como a matéria do Globo, do início de fevereiro, “denunciando” que “Presidente da Nicarágua despacha 222 presos políticos para o exílio e retira da cidadania deles”. Como já era de se esperar, o texto vai dizer que Ortega não passa de um ditador e que se utiliza do Estado para se livrar de seus adversários políticos.
O que a grande imprensa omite é que houve uma tentativa super violenta de golpe na Nicarágua em 2018 que, para surpresa de ninguém, foi financiada pelos Estados Unidos.
Masaya, Nicarágua
“A história começa um mês antes do incidente que vou descrever. Eu moro na cidade e escrevi em meu diário que ‘sábado, 12 de maio, deve ser considerado o pior dia em Masaya desde o terremoto de 2000’“.
Assim começa o artigo, que é um relato minucioso dos eventos. Na noite anterior ao relato, vândalos opositores invadiram a casa do vice-prefeito e incendiaram a prefeitura, um antigo edifício colonial que também abrigava o Museu dos Heróis e Mártires da Revolução de Masaya. O texto lembra dos bloqueios que ser formaram nas estradas, interromperam o tráfego entre as cidades que assim ficaram sob domínio dos opositores golpistas.
A grande imprensa tratou de culpar jovens sandinistas ou a polícia pela violência dos ataques, encobrindo os verdadeiros responsáveis.
Os golpistas tomaram rapidamente o controle de Masaya. A igreja promoveu um “diálogo nacional” e o governo ofereceu deixar as polícias dentro das delegacias e as orientou a não trocar tiros com a oposição, que deveria em troca desbloquear as estradas. Os golpistas, no entanto, aproveitaram o recuo do governo para aumentar o número de bloqueios.
Em Masaya, muitos prédios foram incendiados, desde um mercado turístico até uma escola que atendia mais de 3000 alunos. Houve saques de lojas e a maioria baixou as portas.
No início de junho, os opositores trataram de atacar o depósito da cidade, que guardava a maioria dos veículos da municipalidade e suprimentos para o caso de emergências, como terremotos.
O prefeito havia destacado seis homens para guardarem o local, que ali comiam e dormiam. Com o ataque iminente, os seguranças planejavam sua defesa, mas receberam uma mensagem de que o presidente havia ordenado que não respondessem ao fogo para que houvesse o mínimo de feridos. Roberto José Raidez Garcia, conhecidos como Tito, era um dos encarregados da segurança, o outro é Reynaldo José Urbina Cuadra (“El Chele”). Os guardas foram liberados para voltarem para suas casas, caso o desejassem, mas preferiram todos ficar, pois se fosse para morrer, disseram que iriam “morrer juntos, de botas”.
No dia 13 de junho, cerca de 500 pessoas cercaram o depósito, muitas armas com morteiros, pistolas, fuzis AK-47, e invadiram o prédio; os seguranças foram atirados aos chão e lhes roubaram até o dinheiro. A pistola pessoal de Tito foi encontrada mais tarde com o líder da oposição, Santiago Fajardo, quando foi preso.
Tito tentou convencê-los que se fossem saquear, que não depredassem os veículos, pois eram os únicos e úteis para emergências. Não adiantou, tudo foi depredado e pelo menos 36 veículos e 7 motos foram roubados ou destruídos. Nada ficou inteiro.
Tortura
Tito e El Chele ficaram juntos e os guardas foram mandados embora. Posteriormente, o dois também separados, eles foram barbaramente torturados e interrogados, queriam saber onde os guardas escondiam as armas. Relata que foi levado a um bloqueio e ali discutiram se não deveriam simplesmente matá-lo. Um membro do grupo disse que precisariam tratar dos ferimentos de Tito, pois sangrava muito e, se morresse na rua, o caso poderia repercutir negativamente nas redes sociais.
El Chele foi interrogado e torturado outras vezes, seu braço esquerdo foi seguidamente golpeado no mesmo lugar com a coronha de uma espingarda. Levado a um médico clandestino, teve seu braço enfaixado para evitar o sangramento, mas partes danificadas de músculos ficaram penduradas e não puderam ser suturadas. Após seis dias sem tratamento adequado, seu braço não pôde ser salvo e teve de ser amputado.
Masaya foi liberta em 17 de julho por uma incursão policial. A polícia recebeu ordens de não atirar diretamente se pudesse evitar. A ideia era minimizar o número de mortos, que acabou resultando em apenas cinco.
Prisões
Muitos dos participantes do ataque ao depósito foram presos, condenados e outros receberam uma anistia do governo em 2019. Santiago Fajardo está solto e tem uma empresa de entrega em domicílio. Alguns golpistas seguem no crime.
Cristian David Meneses Machado, conhecido como “Chino Wan”, e Jader Humberto González Zeledon, o “Comandante Zero”, estão ambos presos por tráfico de drogas. O “Comandante Zero” também esteve envolvido na terrível tortura e assassinato de um policial, Gabriel Vado, em um bloqueio de estrada em Masaya em 15 de julho de 2018. Outros envolvidos, como o irmão de Fajardo, Cristian, estão entre os ex-prisioneiros agora exilados nos EUA ou Costa Rica.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC), a OEA e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que supostamente deveriam investigar de modo independente o ocorrido, se omitiram ou trataram de acobertar os crimes da oposição. O ataque ao depósito de Mayasa continua sendo ignorado.
Moradores de Mayasa estão furiosos ao ver a oposição golpista ser elogiada pela grande imprensa e órgãos internacionais.
Esses relatos foram feitos por quem viveu aquele grave momento da história nicaraguense, denunciando a conivência da direita com a barbárie e, como se não bastasse, a tentativa de incriminar o governo Ortega, repetidamente chamado pelos lacaios do imperialismo de ditador.