– Por Victor Assis e Pedro Burlamaqui
No dia 6 de setembro, quando completou-se uma semana do golpe militar que levou à prisão de Ali Bongo, o presidente do Gabão, entrevistamos Daniel Mengara, fundador do movimento de exilados gaboneses Bongo Must Go. A entrevista foi gravada em inglês e sua tradução está sendo disponibilizada na íntegra.
A entrevista é uma exclusividade do Diário Causa Operária e está sendo publicada pela primeira vez no especial de dez dias do golpe militar no Gabão.
Diário Causa Operária: Gostaríamos que falasse um pouco de você. Quem é Daniel Mengara?
Daniel Mengara: Sou Daniel Mengara, nascido no Gabão, embora agora resida nos Estados Unidos. Me estabeleci nos Estados Unidos em 1996.
Atualmente, trabalho como professor na Universidade Estadual de Montclair, em Nova Jérsei, no Departamento de Línguas e Culturas do Mundo, onde basicamente ensino francês e estudos francófonos. Em 1998, comecei a oposição política contra o regime Bongo. O Gabão tem sido governado pela mesma família, pelo mesmo regime, por 56 anos, o que basicamente é minha idade.
Eu nasci no ano em que Omar Bongo chegou ao poder, em 1967. E basicamente só conheci os membros da Família Bongo como governantes do Gabão. E então Omar Bongo governou de 1967 até 2009, quando morreu, e depois seu filho assumiu por meio de eleições fraudulentas e vinha governando o Gabão até 30 de agosto, quando foi deposto. Desde então, tenho estado nos Estados Unidos, ainda cidadão do Gabão, mas liderando a oposição ao regime. Criei um movimento chamado Bongo Must Go (Bongo Deve Ir Embora), que advogava precisamente por uma mudança por meio de revolta popular ou, como vimos, um golpe militar, porque concluí que essa é a única maneira de o Gabão poder mudar de regime. E estou muito feliz com o golpe no Gabão, e tenho certeza de que o povo gabonês também está muito feliz.
DCO: Esta é a segunda independência do Gabão?
DM: Sim, de certa forma, porque quando se conhece a história dos países africanos, você sabe que a maioria dessas nações não obteve independências genuínas. A maioria das potências coloniais basicamente escolhia quem assumiria o poder naquele momento. Portanto, essas foram independências preestabelecidas, mas que mantiveram a maioria dos países africanos sob o controle de suas antigas potências coloniais.
E no caso do Gabão, tivemos, você sabe, de 1960 a 1967, digamos, uma aparência de sistema democrático, onde realizamos eleições e achamos que íamos seguir o processo de criar um verdadeiro sistema democrático. Mas eis que, em 1964, devido ao descontentamento popular, houve uma primeira tentativa de golpe militar apenas quatro anos após a independência no Gabão. E sabe o que aconteceu?
A França enviou soldados através do General de Gaulle – sim, aquele herói da França – para restaurar o primeiro presidente do Gabão no poder. Portanto, esse foi o primeiro sinal que nos mostrou que somos “independentes”, sim, mas que a França ainda mantém o controle sobre nosso país. E então, é claro, em 1967, aquele primeiro presidente, Leon M’ba ficou doente e foi para a França morrer lá. Mas o que a França fez, com o General de Gaulle ainda no comando, foi mudar a Constituição do Gabão do sistema parlamentar que era na época para um sistema presidencial baseado no modelo americano. Com essa mudança, se você tivesse um presidente e um vice-presidente concorrendo, e se eles vencessem, eles governariam juntos o país, mas, se o presidente morresse, ele seria automaticamente substituído pelo vice-presidente. E, nesse caso, não seria necessário fazer uma eleição, bastava continuar com o mesmo regime.
E quem fez isso foi um cara chamado Jacques Foccart, a quem, pelo menos no mundo francês, definimos como o pai do que chamamos de Françafrique (Françáfrica), que é basicamente a política imperialista da França, a política neocolonial para manter o controle sobre suas antigas colônias. Esse cara chamado Jacques Foccart organizou todo esse sistema com o General de Gaulle para garantir que Omar Bongo sucedesse o Presidente Leon M’ba, que foi o primeiro presidente.
E é claro que, em 1968, Omar Bongo suprimiu todos os partidos políticos e iniciou uma regra de partido único que durou até 1990, quando os gabonenses se revoltaram e foram para as ruas exigir o retorno à democracia. No entanto, em 1990, recuperamos a política de múltiplos partidos, mas não conseguimos a democracia que deveria acompanhar isso. E é isso que explica que entre 1990 e hoje, basicamente, quero dizer, até 30 de agosto, fomos basicamente governados pela mesma família, porque Omar Bongo morreu em 2009, mas foi substituído por seu filho por meio de eleições fraudulentas, e seu filho governou por 14 anos.
Se você somar os 42 anos de Omar Bongo e depois adicionar os 14 anos do filho, teremos um total de 56 anos da mesma família no poder. E o Gabão, na verdade, hoje é uma das únicas duas repúblicas no mundo que foram governadas pelo mesmo regime e pela mesma família por 56 anos. Isto é, estou falando de uma República, um sistema não monárquico, que foi governado pela mesma família! A primeira é o Togo, que venceu o Gabão por apenas alguns meses. A segunda é o Gabão. E o que estamos dizendo aqui é que os gaboneses realmente estiveram sob o jugo de uma única família por 56 anos, com a cumplicidade da França.
Portanto, sim, isso deve ser visto pela maioria dos gaboneses como a segunda independência. Na verdade, se você observar o que os gaboneses estão dizendo nas redes sociais, muitas pessoas estão propondo que o dia 30 de agosto se torne a nova data da independência do Gabão, que devemos celebrar todos os anos.
DCO: Você considera que esse golpe foi um bom golpe para o povo gabonês e para o país? E qual seria exatamente a diferença entre golpes “do bem” e golpes “do mal”?
DM: Se você observar a reação da comunidade internacional, vimos que, por exemplo, os Estados Unidos, a França e alguns outros países ao redor do mundo, a China e até mesmo a União Africana condenaram o golpe e disseram: “bem, precisamos restaurar a ordem constitucional e assim por diante”. E a pergunta que os gaboneses estão fazendo é a seguinte: “vocês não acham que a família Bongo vem liderando um golpe contra o povo gabonês há 56 anos?”
Que país no mundo, especialmente entre as nações ocidentais, concordaria em ser governado pela mesma família por 56 anos? E então acredito que essa foi, na minha opinião, uma posição paternalista por parte das potências ocidentais, qualquer que seja o país que tenha condenado o golpe. Porque eles devem reconhecer que quando um país é governado por uma família por 56 anos, isso não é normal, é um sistema monárquico dentro de uma República. Especialmente quando você tem uma sucessão dinástica, onde os filhos substituem os pais. Se Ali Bongo tivesse vencido esta eleição, ele estaria preparando seu próprio filho para assumir o poder. Isso é o que esses países querem para um país como o Gabão, ou qualquer país?
Os Estados Unidos aceitariam a possibilidade de ter apenas uma pessoa governando-lhes? Quero dizer, as premissas da Revolução Americana eram que eles iriam se livrar do sistema monárquico, do controle da Inglaterra sobre o que a América se tornaria. Os próprios franceses mataram seus próprios reis, decapitaram-nos para chegar onde estão hoje. Para mim, os gaboneses, se tornaram reféns de uma única família. Por isso, o golpe é sinônimo de libertação.
E assim como De Gaulle lutou contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial para libertar a França e se tornou o pai da nação francesa, o pai da Quinta República Francesa, os gaboneses hoje estão saudando o nascimento de sua terceira República. E acredito que, de muitas maneiras, nós na África deveríamos dar as boas-vindas a um golpe que está restaurando as pessoas e a sua dignidade. Os gaboneses perderam sua dignidade por 56 anos, e quando você tem um golpe que está restaurando essa dignidade e talvez também restaurando o potencial para um renascimento, uma reconstrução de um país que foi saqueado por uma única família por 56 anos, isso deve ser saudado e apoiado.
Assim, acredito que o povo gabonês apoia o golpe. Eles o veem como algo bom. A comunidade internacional deveria olhar para este golpe como algo positivo. E, portanto, estamos esperando que isso ocorra em outros países africanos, como Camarões, onde têm uma situação semelhante à do Gabão, Guiné Equatorial… Ainda temos alguns países por aí que têm ditadores que realizam eleições, mas eleições fraudulentas. Estamos esperando que o modelo gabonês e talvez de outros países como Mali e assim por diante, que também tiveram golpes recentemente, esse modelo, que é realmente restaurador no sentido de que não são os golpes clássicos da Guerra Fria, onde alguém chegaria ao poder porque era apoiado pela França ou pelos Estados Unidos ou pela União Soviética, se propague. Estamos realmente tendo aqui uma situação em que os próprios africanos e seus exércitos estão tentando tomar o controle de seus próprios destinos. E acredito que isso só pode ser recebido de uma maneira positiva.
DCO: Gostaríamos que você comparasse este golpe com os outros golpes recentes em Níger, Burquina Fasso, Mali e assim por diante. Você poderia nos dizer as diferenças? E também, se considera que são golpes “do bem”.
DM: Sim, eu diria. Quando se olha especialmente para a África francófona. Estou meio que deixando de lado os países de língua inglesa porque eles têm tradições diferentes que também derivam da história anglo-saxônica, que influenciou esses países, onde você meio que vê as coisas relativamente melhor que nos países francófonos… Quando se olha para os casos de Burquina Fasso, Guiné, Mali e Níger, você tem a sensação de que há um contexto por trás de todos esses golpes que contém dois elementos. O primeiro é a impressão que as pessoas desses países têm de que seu destino ainda é controlado por países ocidentais – e, neste caso, pela França. Porque as coisas têm corrido muito mal, e eles tendem a ver que a França tem sido cúmplice com qualquer regime que tenha ajudado a chegar ao poder nesses países. As pessoas sentem que a França não é mais o parceiro ideal, mesmo que existam esses laços históricos.
E assim, vimos em países como Burquina Fasso, Guiné e, especialmente, Mali, especialmente, esse sentimento anti-francês, esse sentimento anti-imperialista, esse sentimento anti-françafrique. Isso levou as pessoas a se manifestarem – e há vídeos até mesmo de pessoas se manifestando com bandeiras russas. Antes, eram bandeiras americanas, agora são basicamente bandeiras russas.
Isso deve dizer algo sobre o descontentamento popular e a forma como os africanos nesses países se sentem, porque eles meio que ligam a presença da França, o controle da França, ao estado de pobreza em que vivem. Eles sentem que o sistema francês, pelo menos o intervencionismo francês, não favoreceu um verdadeiro surgimento de sistemas democráticos. E, você sabe, quando você tem democracia, há o potencial de uma melhor gestão do país porque a vontade do povo tende a estar envolvida. Mas quando você tem um presidente que foi imposto a você, é diferente porque esse presidente depende das pessoas que o colocaram lá para sua sobrevivência no poder. E, assim, o que você obtém é essa ideia de que o pano de fundo desses protestos é meio que anti-francês.
Mas então você também tem a realidade de que uma vez que esses líderes estão no poder, bem, há corrupção, eles não estão necessariamente trabalhando em direção à democratização e, é claro, você tem problemas em Mali e Guiné, até mesmo em Burquina Faso, que também têm uma ligação com o jihadismo, que são todos esses grupos islâmicos que estão criando instabilidade. Mas mesmo assim, você pode dizer que o jihadismo que está desestabilizando a maioria desses países, especialmente nas partes norte, esse extremismo religioso, dessa instabilidade, tem uma causa. E ela está no fato de os Estados Unidos, a França e a Grã-Bretanha terem derrubado Gaddafi. Mataram Gaddafi, basicamente derrubaram e o mataram. E porque Gaddafi tinha um grande arsenal, um arsenal militar onde todas as armas que o sistema de Gaddafi tinha caíram nas mãos de jihadistas que então foram capazes de ir para o Chade, Mali, Guiné e assim por diante para desestabilizar esses regimes.
E, assim, temos essa situação em que, por um lado, os regimes não foram capazes de desenvolver seus países, não foram capazes de responder aos desafios econômicos de seus países e, por outro lado, as pessoas estão ligando esses fracassos ao fato de a França estar controlando seu destino. E então em Burquina Fasso, Guiné e Mali, você tinha esse sentimento anti-francês e também aquele sentimento de “basta” entre as pessoas, que começaram a se manifestar, e então o exército tomou o poder em nome do povo. E é isso que nós vimos.
O Níger é um pouco diferente porque não houve manifestações públicas quando o golpe ocorreu. Na verdade, foi uma surpresa. E as pessoas meio que pensam que Bazoum teve basicamente uma disputa pessoal com um de seus generais que ele queria demitir, e ele respondeu derrubando Bazoum. Se isso é verdade ou não, é certamente algo que a história dirá. Mas sabemos que, de qualquer forma, o povo do Níger realmente não reclamou, e, assim, como não reclamaram, mostraram que não apoiaram Bazoum. Chegamos a uma situação em que talvez também seja algo bom para o povo do Níger. Embora Bazoum tenha sido eleito, a questão é: ele estava fazendo as coisas que o povo queria? Isso ainda é uma situação debatível no caso do Níger.
O Gabão, é claro, expliquei por que é importante que o caso do Gabão seja resolvido da maneira como foi, porque estamos realmente falando de 56 anos sob controle da mesma família, enquanto os outros tiveram golpes e assim por diante. Nunca tivemos uma variação na liderança no Gabão. E então acho que o pano de fundo é o mesmo, mesmo que as circunstâncias sejam um pouco diferentes. Mas acho que, no final, tudo se resume a uma coisa: a vontade do povo nunca foi realmente afirmada nesses países. E os militares sentiram que talvez seja hora de dar uma voz ao povo e garantir que o povo possa tomar as rédeas de seu destino.
Agora, não estou dizendo que estamos advogando por regimes militares. Porque essa é uma das coisas sobre as quais precisamos ter cuidado. A mudança através dos militares é boa porque acredito que os militares são uma boa ferramenta para restaurar um senso de dignidade, um senso de direção, um senso de destino a um país. Mas eles devem trabalhar na construção de sistemas que devolvam o poder aos civis e, portanto, atuem como ferramentas que possam ajudar esses países a começar realmente a se organizar ou a se reorganizar de acordo com as regras democráticas que permitirão eleições justas, eleições livres e que realmente tragam uma nova era de democracia para a África. Isso não significa necessariamente copiar o que acontece em outros lugares. Deve ser um sistema democrático baseado nos valores africanos, baseado na forma como os africanos veem seus sistemas. Mas deve ser a vontade do povo. E isso é realmente o que podemos dizer aqui.
DCO: Você sabe se há movimentos semelhantes em outros países africanos, como, por exemplo, Camarões, que, imediatamente após o golpe no Gabão, promoveram uma série de mudanças em seu próprio exército, possivelmente indicando que estão temendo que algo aconteça?
DM: Acredito que deveria haver. Eu teria dificuldade em acreditar que o povo camaronês esteja feliz em ter um presidente idoso que basicamente não está governando seu país. Tivemos a mesma situação no Gabão. Ali Bongo teve um derrame em 2018. Basicamente, ele estava fisicamente e mentalmente incapaz de governar, mas foi mantido lá, prisioneiro do sistema, apenas para que o sistema pudesse continuar. Sua própria esposa, que não tem papel constitucional, basicamente governava o país em seu lugar, porque nos sistemas africanos a esposa do presidente não tem papel. Mas, como é a esposa do presidente, ela pode tomar decisões políticas.
Paul Biya, ele é muito velho, não deveria mais estar lá. Eu teria dificuldade em imaginar que os cidadãos camaroneses não estejam sonhando com sua queda agora. O mesmo acontece na Guiné Equatorial, o mesmo no Congo-Brazzaville. Estes são países da África Central que foram governados por ditaduras por um tempo. E mesmo quando realizaram eleições, essas eleições não tinham um significado. Eram apenas eleições falsas destinadas a manter o sistema no poder.
Então, sim, acredito que, embora não estejamos vendo nenhum movimento político óbvio, mas talvez os próprios soldados, quero dizer, o exército e o povo, vejam que “oh, o que aconteceu no Gabão também pode influenciar o que acontece lá”. E esta não é a primeira vez que veríamos algo assim. Lembro-me que, em 1989, quando a União Soviética começou a se fragmentar e desmoronar, chamamos isso na África de “vento do Leste” no sentido de que isso coincidiu com movimentos populares, especialmente na África francófona, exigindo o retorno à democracia. Porque a maioria dos regimes, durante a Guerra Fria, tornaram-se sistemas de um só partido, regimes marxistas, você poderia dizer, e assim por diante.
E o que aconteceu é que, assim que as pessoas viram manifestações ocorrendo no Benim, onde começou e onde o povo realmente pressionou o presidente a organizar o que chamaram de conferência nacional, automaticamente o Gabão seguiu o exemplo. Até mesmo o Congo-Brazzaville seguiu o exemplo. E logo surgiram espécies de revoluções populares que forçaram a maioria dos regimes a concordar em trazer de volta sistemas políticos multipartidários. Ainda que, de toda essa experiência, Benim seja o único país que realmente conseguiu construir para si um sistema verdadeiramente democrático, onde diferentes presidentes se sucederam porque as eleições sempre foram justas, pelo menos para o povo beninense desde 1990.
Todos os outros falharam. A conferência nacional no Gabão falhou porque o regime Bongo se manteve. No Congo-Brazzaville, mesmo que Sassou Nguesso tenha perdido a primeira eleição, ele voltou por meio da guerra civil e não saiu desde então.
Portanto, você tem um fracasso geral da democracia na maioria desses países francófonos. E acredito que, na África Central, onde tínhamos regimes remanescentes que nunca haviam sido realmente muito desestabilizados, estou esperando que também aconteça em Camarões, porque o que seria bonito é que todos esses países realmente mudassem de regime e que uma geração diferente viesse ao poder e talvez permitisse uma cooperação regional entre democracias que poderiam permitir economias regionais, sistemas regionais que reforçariam a capacidade desses países de realmente gerenciar seus próprios assuntos.
DCO: No vídeo gravado por Ali Bongo após sua prisão, ele não convoca o povo para lutar por ele. Ele pede a pessoas de outros países, o que significa que ele não é apoiado por seu próprio povo. O que você poderia dizer sobre o apoio popular ao golpe no Gabão e aos outros golpes também?
DM: Eu diria que a coisa boa sobre todos esses golpes até agora tem sido que o povo tem apoiado os militares, apoiado as forças armadas. Eu ainda não vi um único golpe, nos últimos anos, onde o povo fosse contra o golpe. E isso deve nos dizer algo. Isto é, que sempre houve descontentamento nesses países. E mesmo no caso do Níger, onde você não teve ressentimento popular a princípio. Bem, uma vez que o golpe aconteceu, as pessoas se ajustaram à ideia de que o golpe era provavelmente uma boa ideia.
No caso de Ali Bongo, certamente isso diz algo, porque uma das coisas que provavelmente muitas pessoas não sabem sobre o neocolonialismo, especialmente na África e especialmente nos países francófonos, é que as potências coloniais como a França sentiram que precisavam manter algum tipo de controle. E a única maneira de fazer isso não é advogando pela democracia, porque a democracia significa que o povo tomará decisões que podem ir contra o seu controle. Eles tentaram colocar no poder principalmente minorias étnicas, porque sabiam que quando se tratava de eleições, essas minorias nunca poderiam vencer pelo sistema de um homem, um voto. Mas eles dependeriam da França para sua sobrevivência política. Foi por isso que, na época da independência, a França assinou o que eles chamam de acordos de cooperação militar, onde, se você ler cuidadosamente, você verá que o que eles estão realmente dizendo é que protegerão esses regimes contra ameaças tanto externas quanto internas. O que é engraçado, porque que tipo de ameaça interna vai acontecer? Especialmente quando você tem um povo, por exemplo, protestando, e você diria que a França garante que realmente virá lutar contra o povo no país para manter seu homem no poder.
E então você vê que esse é o tipo louco de acordo que vimos depois da independência, especialmente nos países africanos de língua francesa. E o que vimos no vídeo foi realmente uma revelação dessa realidade, que Ali Bongo sabia que não tinha apoio popular dentro do Gabão. Ele sabia disso. E seus parceiros eram sempre ocidentais, França e Estados Unidos, especialmente, porque alguns deles acham que ele tem sido um cara bom para políticas ambientais no Gabão. Mas eu digo: políticas ambientais são uma coisa, mas isso não é como você governa um país. Você não cria cooperação com um presidente apenas com base no fato de que “olha como ele é bom com o meio ambiente”. Você vai financiar o meio ambiente nesse país, mesmo quando se trata de um ditador?
O fato de Ali Bongo ter recorrido aos amigos do Ocidente revela que, na verdade, no Gabão, ele não tem apoio. Porque o que precisa ser dito é que o Gabão é uma exceção. Foi um golpe sem derramamento de sangue. Isso significa que nem um único soldado estava pronto para defender Ali Bongo. Nem um único. Isso diz algo que o próprio povo, pessoas do próprio grupo étnico dele, pessoas da própria região dele. Ninguém se importava. Isso é um sinal de que o cara estava lá não porque o povo o queria, mas simplesmente porque, é claro, a França o colocou lá. E enquanto não acontecesse nada que o tirasse de lá, ele seria apenas como um fantoche. Mas ele nunca foi alguém que o povo gabonês apoiasse. E então eu acho que muitos regimes na África, e você encontrará a mesma coisa com o Congo-Brazzaville, você encontrará a mesma coisa com a Guiné Equatorial, com Obiang Nguema Mbasogo lá, e você encontrará a mesma coisa em Camarões, que esses regimes realmente não dependem de nenhum tipo de apoio popular, mas eles vão depender de parceiros internacionais que lhes dêem credibilidade. Sim, porque toda vez que o presidente norte-americano se encontra com Paul Biya, por exemplo, isso lhe dá credibilidade, e ele volta para casa dizendo: “ei, vocês, vocês acham que sou um ditador. Mas vocês veem, eu me encontrei com o presidente dos Estados Unidos. Isso significa que ele gosta de mim, viram?”. E é assim que eles atuam. Eles atuam com base no que o Ocidente e no que a comunidade internacional pensam, em oposição ao que seu próprio povo pensa.
Estamos confiantes de que esses golpes estão sinalizando algo novo, especialmente nos países de língua francesa, algo novo que mostra que agora temos o potencial de cortar esse laço colonial de uma vez por todas com a França e talvez, em seguida, começar a imaginar novos tipos de relações. Não estamos dizendo que não vamos, pelo menos no caso do Gabão, trabalhar com ninguém. Porque as regras do sistema internacional e do sistema econômico comandam que possamos continuar trabalhando com quem quiser trabalhar conosco. Mas o que estamos recusando é a ideia de que um parceiro deva querer controlar o país para sempre e ditar o que está acontecendo lá. Hoje estamos falando sobre globalização. Globalização significa o quê? Relacionamentos multipolares, relacionamentos multilaterais que são principalmente econômicos. Mas estamos esperando que, finalmente, ao ter regimes democráticos que possam defender os interesses do próprio povo, vamos desenvolver economias africanas que também trarão algum nível de bem-estar para essas pessoas, porque os africanos têm sofrido muito.
O Gabão é um país muito rico. O Gabão é hoje, eu acredito, um dos dois países de maior renda per capita na África. Quando você olha apenas para a África continental, o Gabão é o segundo país com maior renda per capita, ou até o primeiro, dependendo da situação. Às vezes é a Guiné Equatorial, às vezes é o Gabão. Mas quando você vai ao Gabão, os níveis de pobreza são iguais aos que você encontra em alguns outros países africanos ainda mais pobres, extremamente pobres. Isso significa que os Bongo administraram a economia gabonesa de uma forma incrivelmente ruim. Eles instituíram a corrupção como uma forma de governar. E vocês provavelmente viram vídeos onde algumas pessoas do regime foram flagradas com quantias como 7 milhões de euros que mantinham em suas casas. Não no sistema bancário, mas em suas casas!
Isso mostra o nível de corrupção do qual estamos falando. A Família Bongo conseguiu até, em certo momento, negociar com uma antiga empresa petrolífera francesa que costumava explorar petróleo na África. Eles conseguiram firmar um acordo em que a Família deveria receber 18% da produção de petróleo, da renda proveniente da produção de petróleo que a Elf-Gabon estava produzindo. Foi um escândalo. E, assim, eles levaram uma vida luxuosa, enquanto os gaboneses estavam em condições cada vez piores, sem um sistema hospitalar realmente digno desse nome. O sistema educacional está em frangalhos, temos uma universidade que pode acomodar apenas uma quantidade muito limitada de estudantes, quando na verdade muitos deles nem podem ir à escola porque não há assentos suficientes para todos. As estradas, se você olhar para as nossas estradas hoje, ainda estão na década de 1960.
E isso significa que os Bongo estão presentes em todos os problemas, tanto no nível da democratização do governo do Gabão, quanto no nível da gestão econômica. Na verdade, o Gabão é um país pobre por dentro, mesmo que estejamos falando de uma renda per capita muito alta para um país africano.
DCO: Conte-nos um pouco sobre o seu país, para os brasileiros que não conhecem o Gabão. Quantas pessoas vivem lá? Como é viver no Gabão? Quais são as principais questões econômicas?
DM: Primeiramente, eu diria que o Gabão é, na verdade, muito semelhante ao Brasil em muitos aspectos. Somos um país com uma floresta enorme. Vocês têm a Floresta Amazônica. Mas o Gabão tem a floresta equatorial, que é uma das últimas áreas do mundo onde você ainda encontra muitos habitats naturais e assim por diante. Portanto, o Gabão é abençoado, somos um país florestal, não um país desértico. Temos muito petróleo, então somos um país rico em petróleo. Temos madeira, assim como em seu país. Essa é uma de nossas riquezas. Costumávamos ter urânio, mas essas minas foram fechadas. Temos manganês, ferro. Quero dizer, toda essa riqueza está lá. O Gabão é, na verdade, muito abençoado com tudo.
Portanto, o potencial está lá. É apenas que esse belo país foi mal gerido. Por exemplo, poderíamos ter uma indústria turística muito sólida, mas ainda não exploramos isso porque fomos prejudicados pela maldição do petróleo. A maioria dos países produtores de petróleo tende a esquecer outros aspectos da economia e a depender apenas da receita de seus recursos naturais. Portanto, eu diria que o Gabão é potencialmente um país que muito rapidamente pode se transformar em um país muito rico. O potencial ainda não atingiu nem 10% do que podemos realizar. Temos tudo para fazer: faltam estradas, escolas, hospitais… Mas em termos das esperanças dos gaboneses, estamos contando que este regime, e, talvez, em dois anos, um novo governo eleito, poderão, em um prazo de cinco anos, começar a resolver alguns dos problemas que podem ser resolvidos dentro desse período. Acredito que o dinheiro esteja lá, exceto que o dinheiro do Gabão estava indo para os bolsos da oligarquia que governava o país.
Estamos confiantes de que podemos resolver esse desafio e talvez começar uma nova era de cooperação internacional com países como o Brasil. Porque eu acredito que o Brasil tem coisas a oferecer. Vocês têm um país que está ascendendo, acredito que o Brasil é uma das economias emergentes do mundo hoje. E queremos ser um parceiro em nosso próprio país com o Brasil. Ter brasileiros vindo para o nosso país, talvez para ajudar com qualquer expertise que vocês tenham. E talvez os gaboneses também indo para aí, tendo intercâmbios de estudantes que também possam ajudar a promover esse tipo de cooperação.
Estou confiante de que a economia gabonesa pode ser restaurada muito rapidamente. Temos um desemprego muito alto no momento, principalmente entre os jovens – algo em torno de 35% a 40%, o que é um desastre. Portanto, precisamos resolver isso e acredito que isso pode ser feito muito rapidamente.
Mas o que posso dizer sobre a economia do Gabão é que é um país rico no papel, um país muito rico no papel, e com uma população pequena – somos apenas cerca de dois milhões de pessoas, mas nem temos certeza se somos dois milhões. No Gabão, na verdade, nunca tivemos um censo muito confiável. Sabemos que a família Bongo às vezes estava dando números falsos à comunidade internacional, eles realmente inflavam o número de gaboneses que eram, inflavam a população porque no nível internacional, quanto mais população temos, menor é a renda per capita. Isso é muito importante para o Gabão, porque geralmente quando eles querem pegar empréstimos do FMI, do Banco Mundial, o FMI dirá “bem, vocês na verdade não precisam pegar empréstimos. Vocês têm dinheiro suficiente em seu país”. Portanto, se eles lhes disserem o número real de gaboneses, então teríamos uma renda mais alta e, em seguida, não conseguiríamos os empréstimos de que precisamos.
Portanto, acredito que precisamos realmente fazer um novo censo para saber exatamente quantos gaboneses somos. O problema no Gabão é que não temos um sistema informatizado que nos permita rastrear a evolução demográfica. Portanto, não sabemos quando as pessoas nascem, não sabemos quando as pessoas morrem, não somos eficientes em rastrear as pessoas que entram no Gabão como estrangeiros, imigrantes e assim por diante. E esse é o ponto de partida. Na verdade, precisamos criar um sistema para o gerenciamento estatístico de tudo, de demografia e tudo mais, para que possamos realmente saber exatamente quantos somos.
Nenhum gabonês hoje dirá exatamente quantos somos. No papel, você encontrará 2 milhões e 200, sabe, mas na realidade, essa figura não se baseia em algo que confiamos. Portanto, precisamos fazer um novo censo, e acredito que este ano é, na verdade, o ano em que deveríamos fazer um censo. E, esperançosamente, isso nos permitirá saber exatamente quantos gaboneses somos.
O que posso dizer é que somos uma população pequena com muita riqueza, e esperamos que, ao longo do tempo, a maioria dos gaboneses acabe vivendo a prosperidade, que deveria ser garantida a todos nós. Afinal, quando você está em um país rico, não deveria ser pobre. Quando você está em um país rico, deveria desfrutar dos benefícios de estar em um país rico. Precisamos de um sistema educacional gratuito para todos os gaboneses, porque na verdade podemos pagar por isso. Precisamos de um sistema hospitalar que trate as pessoas gratuitamente, porque na verdade podemos pagar por isso. Mas hoje, no Gabão, nenhuma dessas condições existe. Portanto, estamos esperançosos de que os líderes militares, a sociedade civil e a classe política serão capazes de negociar um novo contrato social que nos permitirá finalmente resolver todos esses problemas de uma vez por todas.
DCO: E quais eram as principais críticas do povo contra o regime dos Bongo em relação a saúde, educação, fome?
DM: A principal crítica é que eles não fizeram nada. Essa é a questão em si, que os Bongo eram muito incompetentes. Porque o sistema era realmente tão corrupto que, na realidade, a única vez que os gaboneses viam algo do regime era durante as campanhas eleitorais, pois durante as campanhas eleitorais era quando o regime podia corromper as pessoas diretamente, oferecendo-lhes sacos de arroz, camisetas, coisas para motivar as pessoas a votar. Mas depois, após a eleição, eles esqueciam o povo, as promessas sobre estradas e assim por diante.
Temos um economista chamado Mais Moisi, um jovem muito brilhante, que publicou recentemente um relatório dizendo que no último mandato de Ali Bongo, este que foi interrompido, ele fez cerca de 105 promessas, mas cumpriu apenas talvez 12 ou 13 delas. Isso dá uma ideia do nível de incompetência, da inutilidade do regime dos Bongo no Gabão.
As críticas também surgem do fato de que é um sistema que está lá há muito tempo. Quando se quer que novas ideias entrem em jogo em um país, é necessário uma mudança democrática, é necessário uma alternância de poder. E é por isso que eu meio que admiro o sistema norte-americano, porque a premissa no sistema norte-americano que as pessoas geralmente não entendem quando falam sobre um mandato de quatro anos é que eu acredito que os norte-americanos concluíram que, como um novo líder, você basicamente tem apenas quatro anos para implementar as ideias inovadoras que você possa ter. Qualquer coisa que seja nova, inovadora, só pode ser alcançada nos primeiros quatro anos. O segundo mandato se torna rotina, sem novas ideias, você está basicamente administrando as coisas. E, portanto, eles estabeleceram um máximo de oito anos por um motivo.
Os franceses também tinham um sistema onde o mandato era de sete anos, e eles nunca realmente experimentaram alguém no poder por 14 anos. O General de Gaulle teve que renunciar após ter passado, eu não sei, talvez dez, doze anos. Depois disso, François Mitterrand passou 14 anos no poder na França. Esse é o único presidente francês que conseguiu cumprir dois mandatos de sete anos. Os franceses acharam que era tempo demais. É quase como se o país ficasse traumatizado e estagnado porque novas ideias não podem surgir de um regime que está há muito tempo no poder. Mas compare os 14 anos de François Mitterrand com a mesma família governando um país por 56 anos. Que novas ideias você acha que eles seriam capazes de trazer à tona?
E, assim, eu acredito que o fato de eles terem ficado tanto tempo já era talvez o principal problema para o povo gabonês, porque os gaboneses entendiam que se livrar dos Bongos abriria caminho para novas ideias, novas pessoas que podem fazer as coisas melhor e permitir a modernização com uma nova geração que tem experiência como eu, outros que estiveram no exterior, que viram como outras pessoas administram seus países. Então você tem uma nova geração que poderia fazer melhor.
E a realidade é que eles ficaram tanto tempo, e ao mesmo tempo foram incapazes de resolver qualquer problema, que isso se tornou apenas uma questão de sobrevivência no poder. A maior parte do dinheiro que o regime tinha era direcionada para a corrupção. Corrupção para subornar as pessoas a fim de permanecer no poder. E quando você está nessa posição de ter que comprar pessoas para se manter no poder, isso significa que o dinheiro que deveria desenvolver a economia é redirecionado para redes de corrupção. Você não pode fazer nada de bom com esse tipo de sistema. E, assim, acho que de alguma forma os Bongos não fizeram nada em termos de garantir que os gaboneses pudessem ser bem tratados, porque o sistema hospitalar está em frangalhos.
Eles não construíram estradas, e as estradas para mim são uma das coisas mais importantes em uma economia, porque se você colocar estradas no lugar, permitirá o desenvolvimento natural da economia. Você não precisa fazer muito. Apenas boas estradas permitirão o desenvolvimento da economia nacional. As pessoas que cultivam suas lavouras sabem que podem cultivar um pouco mais para vender, e as pessoas que estão na cidade sabem que podem enviar carros que voltarão rapidamente para vender seus produtos nas cidades. Uma economia camponesa natural pode nascer apenas porque você tem boas estradas. E, então, é claro, as indústrias que acompanham tudo isso também podem nascer porque você tem boas estradas. Mas quando você não tem estradas, você não tem uma economia. E no caso do Gabão, as estradas que temos hoje são basicamente estradas deixadas pelos franceses. Não construímos realmente estradas novas no Gabão há anos.
Esse é um dos problemas que acho que torna claro que, como os Bongos se mantiveram tanto tempo, os gaboneses não puderam mais suportá-los no poder. E, então, estamos todos saudando o golpe porque achamos que o golpe fará o que chamamos no Gabão de “liberar as inteligências”, liberar uma nova energia, liberar as iniciativas que poderiam levar o Gabão a uma nova compreensão de si mesmo, uma nova motivação pela dignidade e pelo bem feito pelas pessoas que governam o país.
DCO: Quantos exilados políticos existem? Fale mais sobre o movimento Bongo Must Go.
Quando falamos em exílio político, às vezes esquecemos que até mesmo alguém que se exila por motivos econômicos também é um exilado político. Os gaboneses costumavam não migrar muito. Em tempos anteriores, quando o Gabão ainda estava mais ou menos bem – na verdade, nunca esteve realmente bem – houve um período na história do Gabão em que os estudantes gaboneses iam para o exterior e voltavam para o país. E então isso parou. Acredito que isso parou na metade dos anos 1980 e se generalizou nos anos 1990, especialmente nos cinco anos que se seguiram à conferência nacional de 1990, quando as pessoas começaram a entender que, após a segunda eleição em 1998, as coisas não estavam realmente funcionando. E a democracia que as pessoas desejavam não estava realmente se estabelecendo. Muitas pessoas então começaram a simplesmente dizer: “bem, se estou no exterior, vou ficar porque nada de bom está acontecendo em casa”.
E, assim, o que se viu foi muitos gaboneses decidindo que, “ok, se estou nos Estados Unidos, vou ficar. Se estou na França, vou ficar”. E eles se tornaram, por força das circunstâncias, pessoas que decidiram permanecer no exílio.
Depois, houve pessoas como eu que decidiram se envolver em ativismo político. Eu não estava em uma posição de intelectual. Eu era professor em uma universidade americana, então estava seguro o suficiente para usar minha voz para começar a falar sobre os problemas que o povo gabonês estava enfrentando. Então, em 1998, após a segunda eleição presidencial ser roubada por Omar Bongo, pai de Ali Bongo, concluí que o Gabão não poderia mais mudar por meio de uma eleição. Eu tinha acabado de ter tempo para analisar a eleição de 1993 e depois a eleição de 1998, e simplesmente disse que, com base no que eu tinha visto, nunca haveria nenhuma mudança no Gabão que viesse por meio de uma eleição enquanto a família Bongo estivesse no poder. O que é interessante porque eu era jovem na época e fiz essa previsão, e tem sido verdade desde então. E disse claramente que a única maneira que eu via de mudança no Gabão seria por meio de uma revolta militar ou uma revolta popular. E foi o que aconteceu.
Então, quando comecei isso, é claro que me tornei inimigo do regime. E, portanto, por um tempo, eu não pude realmente ir ao Gabão por causa da minha atividade política. Mas, ao mesmo tempo, uma coisa importante é que, quando se tem um regime que, mesmo que realize eleições, consegue punir as pessoas por sua opinião, então não vai ser um lugar interessante para ninguém ficar. Então, sim, toda pessoa que foi para o exterior por motivos econômicos também decidiu ficar por motivos políticos, porque sabiam que não tinham realmente a liberdade de se expressar no Gabão. Sim, havia eleições, mas também sabíamos que qualquer pessoa que expressasse sua opinião não poderia conseguir um emprego no Gabão. Quando você era contra o regime Bongo, não podia conseguir um emprego no sistema. Eles podiam corromper você, como fizeram com tantos intelectuais, dizendo “volte, vamos oferecer um cargo ministerial para você”. Muitos de nós voltaram dessa maneira, mas pessoas como eu acharam que não se tratava de cargos ministeriais. Tratava-se de realizar uma mudança democrática, da capacidade do povo gabonês de escolher seus líderes.
E, assim, lidero esse movimento há anos com a esperança de que a mudança que eu estava advogando não viria por meio de eleições, mas exatamente pelo que vimos, por um golpe. E este aconteceu da melhor maneira possível aqui para o povo gabonês. Então eu diria que todos nós éramos e ainda somos exilados. Assim que o regime Bongo sentiu que ia perder esta eleição, o que eles fizeram? Eles cortaram a internet no país. Porque eles sabiam que a Diáspora, o povo gabonês fora do país, estava muito envolvido em ativismo, em posições que sempre condenariam e talvez organizariam pessoas contra o regime. Eles cortaram a internet porque queriam garantir que as pessoas na Diáspora não interviessem na política gabonesa enquanto roubavam a eleição.
Eu diria que, se você olhar cuidadosamente, qualquer gabonês fora do país, na minha opinião, foi um exilado político. Embora alguns deles tenham conseguido voltar e não tenham sido presos, a realidade é que essas prisões eram sempre possíveis se você se tornasse uma ameaça ao regime. E é isso que acho que vai mudar agora, porque acredito que o exército, pelo menos por enquanto, deu sinais positivos. Eles libertaram prisioneiros políticos dentro do país, chamaram a Diáspora para voltar e disseram que provavelmente criarão as condições para esse retorno para garantir que as pessoas se sintam seguras e também tenham oportunidades em casa. E assim estamos nesse momento de transformação, na minha opinião, de transição que determinará se teremos sucesso em colocar o Gabão em um novo caminho, um caminho de democracia, mas também um caminho de dignidade para o povo gabonês.
DCO: Como você mesmo disse, houveram várias irregularidades flagrantes nas eleições, como o governo cortando o acesso à internet. É assim que foram todas as eleições sob o regime dos Bongo?
DM: Essa é uma boa pergunta. Na verdade, deixe-me fazer uma rápida história das eleições no Gabão, para me fazer entender. Primeiramente, eu contei anteriormente sobre Omar Bongo chegando ao poder em 1967 e depois estabelecendo uma regra de partido único em 1968. Agora, é claro, sob um sistema de partido único, você vota apenas em um partido. Isso significa que, nesse caso, nem mesmo há um debate. Essas nem mesmo eram eleições. Quando alguém ganha com 99,99% dos votos, isso é ridículo, é o que chamamos de resultado “stalinista”. Portanto, de 1968 a 1990, foi o sistema que tivemos. E então, é claro, vieram as mobilizações estudantis de 1990. Na época eu ainda estava no Gabão. Na verdade, sou a pessoa que provavelmente desencadeou essa revolta, pois escrevi algo no campus de nossa universidade criticando o regime e pedindo que a união estudantil organizasse uma reunião para discutir uma intoxicação alimentar no restaurante. E acabou que a reunião estudantil se transformou em uma revolta estudantil, e isso é o que de fato pressionou o regime a aceitar o princípio de uma conferência nacional onde eleições multipartidárias seriam permitidas novamente no Gabão.
Então, em 1990, tivemos as primeiras eleições legislativas para o parlamento, e o parlamento validou a Constituição que havia sido acordada em 1991. E, então, tivemos, portanto, a primeira eleição presidencial em 1993, resultante das reformas que haviam sido feitas de 1990 até aquele momento. Bem, acontece que, com base na impopularidade de Bongo, ninguém esperava que eles ganhassem aquela primeira eleição. Mas eles venceram. Mas sabíamos que o candidato da oposição provavelmente era o vencedor. Mas Bongo roubou aquela eleição, e depois em 1998, ele roubou a eleição novamente. E, então, em 2005, ele roubou a eleição novamente. E, então, Omar Bongo morreu, seu filho assumiu em 2009, e ele roubou aquela eleição. E então, em 2016, foi provavelmente a primeira eleição no Gabão em que tivemos prova direta de como o regime estava roubando essas eleições.
Lembrem-se, a Internet era algo novo. Na verdade, eu fui provavelmente uma das duas primeiras pessoas no mundo a inaugurar a era do que chamamos de ciberativismo, porque criei um dos primeiros sítios do mundo, talvez o segundo ou o primeiro, especificamente com o propósito de advogar pela mudança democrática. E fiz isso em 1998, na época em que a internet ainda estava engatinhando em todo o mundo. Muito poucos gaboneses tinham acesso à Internet na época, e a Internet cresceu no Gabão enquanto eu já estava fazendo isso. E as pessoas realmente me admiraram. O movimento Bongo Must Go foi, na verdade, a primeira vez que os gaboneses viram alguém dizendo coisas que eles queriam ouvir em termos de como o Gabão precisava mudar através de uma revolução.
Então, em 2016, o Gabão permitiu que observadores internacionais entrassem no país. A mídia também veio naquela época. E pela primeira vez na história do Gabão, vimos na realidade o regime aceitando a derrota em sete das nove províncias que o Gabão possui. Temos nove províncias, e o regime realmente reconheceu a derrota em sete delas. Também perdeu na Diáspora, que chamamos de 10ª província do Gabão. E eles disseram que venceram apenas em duas. Mas o que eles fizeram foi basicamente isso: o cara foi para a sua província natal, onde criou basicamente resultados falsos. Como estava perdendo por, acho, 60.000 votos, ele precisava encontrar um lugar para esses votos. Então ele foi para sua província e criou uma nova demografia inventando quantas pessoas viviam naquela província. E depois fez com que 98% dessas pessoas votassem. Claro, eles não estavam votando, era algo inventado. E, então, dos 98% que votaram, ele obteve 93% dos votos. E foi assim que ele conseguiu o que precisava para mitigar os 60.000 votos que precisava. E então ele fez com que sua Corte Constitucional cancelasse as eleições em algumas seções eleitorais. E foi assim que ele obteve uma maioria muito pequena, mas isso foi visto por todos. A União Europeia na época realmente disse que se Ali Bongo não tivesse feito isso em sua província natal, teria perdido a eleição. Mas suponho que a comunidade internacional não tinha a intenção de dizer quem havia vencido, mas o que disseram foi claro o suficiente para garantir que todos soubessem que, na realidade, Ali Bongo havia perdido aquela eleição, mas a roubou.
Então, agora, nesta eleição, eles fizeram exatamente a mesma coisa. Esta foi provavelmente uma das piores eleições que a família Bongo já viu, que eles iriam perder por mais de 60%. Mas o que fizeram foi basicamente inverter o resultado proclamando um resultado falso, assim como tinham feito em 1993, assim como tinham feito em 1998. O que se pode fazer? Porque não há um mecanismo para a oposição combater isso. Eles controlam a mídia, eles controlam as eleições. O sistema não permite que ninguém no sistema eleitoral saiba o que realmente está acontecendo. E assim eles podem ir à televisão e simplesmente anunciar qualquer resultado que desejarem. E foi isso que eles fizeram desta vez novamente, e é claro que o exército assumiu imediatamente – cerca de 15 minutos depois de terem proclamado esse resultado, o exército assumiu o poder.
Não há uma única eleição no Gabão que se possa dizer que foi democrática, que foi organizada de acordo com princípios básicos de Justiça. Não, sempre foram eleições roubadas.
DCO: Falamos, no início, que esta seria talvez a segunda independência do Gabão. Alguns analistas, no entanto, dizem que a independência do Gabão foi uma farsa completa. Você mesmo mencionou o caso de M’ba, o primeiro presidente. Você concorda com esta discussão de que a independência “oficial” do Gabão foi, na verdade, uma farsa?
DM: Sim, foi uma farsa, assim como em toda a África. Talvez você possa relativizar isso para as pessoas que realmente conquistaram sua independência militarmente, mas se essa independência foi concedida a você, foi uma farsa. Sempre foi um sistema em que as potências coloniais apenas preparavam o país para um controle contínuo, mas por meio de um fantoche, um fantoche africano.
O que você também precisa saber é que quando falamos sobre o sistema colonial, o próprio sistema colonial era muito fraudulento. Eles fabricaram tudo, fabricaram a ideia de que os africanos os amavam, quando, na realidade, ninguém pode amar ser escravo. Então, essa ideia de eleições falsas, seja lá o que for, eu acho que esses regimes estavam apenas copiando o que as potências coloniais estavam fazendo porque o sistema colonial em si é um sistema ditatorial, é uma imposição ao destino de um povo.
E, então, o que vemos é que, na maioria dos casos, essas foram independências falsas. Na verdade, é preciso olhar para o sistema francófono, a história por trás de como os africanos conquistaram sua independência. De Gaulle fez uma campanha muito forte para instituir o que ele chamou de Comunidade Francesa em 1958. Porque, até aquele momento, a França ainda não concordava em dar independência às suas colônias. E esse é também o momento em que Jacques Foccart falou e De Gaulle planejou esse tipo de sistema maquiavélico pelo qual eles poderiam considerar dar independência, mas, ao mesmo tempo, eles tinham que manter o controle.
A princípio, eles queriam criar essa Comunidade Francesa para garantir que o presidente francês continuasse sendo o presidente de todos, e eles dariam autonomia política às colônias. Imitando um pouco o sistema da Commonwealth sob o Rei ou Rainha da Inglaterra. E, então, esses países, essas antigas colônias, teriam apenas primeiros-ministros, mas sem liderança real, porque ainda estariam sob o sistema francês.
Mas, embora muitos países tenham votado sim em um referendo organizado por De Gaulle em 1958 para fazer com que as colônias votassem para permanecer no sistema francês, na Comunidade Francesa, apenas uma pessoa votou contra: Sékou Touré, da Guiné Francesa, que hoje chamamos de Guiné-Conacri. Este foi o único país que votou contra o referendo e disse “preferimos a independência agora”. E foi esse país que quebrou todo o plano de De Gaulle. Então, De Gaulle, vendo isso, sentiu que talvez fosse melhor dar independência a todos esses países. A Guiné se tornou independente em 1958, e, depois, o resto, pelo menos dos países francófonos, se tornou independente em 1960.
Mas, é claro, quando você recebe independência que não realmente lutou por ela por meios militares, você deve esperar que a antiga potência colonial vá organizar algum tipo de continuação do seu controle. E assim vimos a assinatura deste acordo de cooperação militar, mas também vimos acordos econômicos que nem sempre eram oficiais, mas que basicamente faziam com que, por exemplo, reservas estratégicas, como as de urânio no Gabão, a França iria manter porque a França queria se tornar uma potência nuclear. Portanto, qualquer coisa que o Gabão tivesse em termos de urânio estava inteiramente sob o controle da França.
Depois, tínhamos o setor de petróleo no qual as empresas francesas eram, é claro, por um tempo, dominantes. Porque as empresas de petróleo do Gabão são mais fracos, eles meio que desistiram, embora ainda tenhamos a Perenco, que na verdade não é de propriedade do governo francês, mas de uma família francesa. Mas o ponto é que o petróleo foi uma das coisas que tornou o Gabão rico, e a França tinha a empresa francesa Elf-Gabon, que era uma subsidiária da Elf-Aquitaine francesa, o monstro francês – embora tenham mudado de nome por causa dos escândalos precisamente da Elf-Gabon.
Mas o ponto é que eles fizeram esses acordos para basicamente garantir que as matérias-primas gabonesas, o que quer que o Gabão produzisse, fossem propriedade da França. Eles estavam dando ao Gabão, pelo que sabemos, 25%. Isso é o que sabemos da produção de petróleo do Gabão por meio de empresas francesas. Depois, descobrimos que talvez a França realmente estava nos dando um pouco mais: eles davam 25% ao país, mas 18% iam para o bolso da família Bongo. Isso significa que estávamos basicamente sob o domínio francês, mas com um presidente gabonês, é isso que éramos. E pense que, quando você olha para todos os outros países, era o mesmo modelo. E então concordo com quem fez a análise de que isso não era realmente independência, porque quando sua antiga potência colonial ainda mantém esse tipo de poder sobre você, ainda pode decidir quem assume o poder em seu país, pode ditar para quem você vende seu petróleo, não são condições propícias à ideia de autonomia política ou independência política.
Acredito que essas condições são precisamente a razão pela qual vemos esses golpes também acontecendo. Você pode claramente ver isso no Mali, onde 80% dos distúrbios populares estão relacionados à existência dessa ideia francesa, presença francesa. E em países como o Gabão, ainda temos uma base militar francesa e os gaboneses provavelmente não estão muito felizes com essa ideia. Eles provavelmente gostariam de ouvir algum dia que a França está se retirando do Gabão. Recentemente ouvi algo sobre a França ameaçando interromper a cooperação militar com o Gabão, mas quem se importa, realmente? O Gabão não vai entrar em guerra com ninguém, então para que serve a cooperação militar? E então você é apresentado como uma ameaça, como “vamos interromper a cooperação militar porque houve um golpe”. Mas o golpe é sobre soberania, o golpe é sobre o povo gabonês se tornando soberano sobre seu próprio governo, um governo decidido por eles mesmos. Portanto, se você interromper a cooperação militar, ninguém vai reclamar porque não precisamos de um regime militar no Gabão. Mas entendemos o que a França quer dizer com isso. O que a França quis dizer é que o regime de Bongo era protegido pela presença francesa. E se o novo regime quiser o apoio francês, eles têm que se comportar. Isso foi o que a mensagem realmente transmitiu. Mas ninguém se importa se a França decidir hoje: “estamos retirando nossos soldados, não haverá base no Gabão”. Tenho certeza de que veremos gaboneses nas ruas muito felizes com essa retirada francesa.
Portanto, ainda estamos em uma situação em que os acordos ainda são secretos. Queremos ver o que eram porque não são de conhecimento público. Queremos ver o que eram e queremos ter certeza de que paramos esse tipo de, como alguém uma vez falou, relação incestuosa com a França. E presumo que a maioria dos países africanos que estão na mesma situação deseje mudanças profundas nesse nível. Não estamos dizendo que vamos dizer: “pessoas francesas saiam do país”. Não, o que queremos é a capacidade de ditar nosso próprio destino, e é isso que queremos. Portanto, também desenvolver o tipo de parcerias que desejamos. Poderíamos estar mais envolvidos economicamente com outros países, como China, Rússia, Estados Unidos, Brasil. Só queremos a capacidade de cooperar com quem quisermos com base em nossos interesses nacionais.
DCO: Vimos que existem várias empresas francesas que exploram os recursos do Gabão, como a TotalEnergy e a Eramat. Existe alguma grande empresa gabonesa, ou todas as empresas importantes são da França?
DM: Hoje há uma diversidade maior, embora haja empresas que sejam dominadas por empresas francesas. Os gaboneses não possuem realmente nada, porque o Gabão, sendo um sistema oligárquico, o que realmente acontece é que as únicas pessoas ricas que podem possuir grandes empresas no Gabão são a elite política, aqueles que governam o país. Portanto, você tem esse primeiro grupo. E então você tem empresas francesas, mas nas quais esses membros da elite também participam. Então, eles são meio que cúmplices. A elite política e as empresas francesas trabalham juntas de uma forma que permite a sobrevivência do sistema deles.
E, assim, o sistema bancário, por exemplo, é principalmente dominado pelos franceses. Mesmo que o petróleo, como eu disse antes, tenha visto o governo francês porque costumavam ter sua própria empresa Elf e depois se tornaram a Total mais tarde. Mas o ponto é que a Perenco é a única empresa francesa nesse sentido que ainda está explorando petróleo no Gabão. Porque o problema com o Gabão é que há petróleo, mas está se tornando cada vez mais difícil de encontrar. Requer mais investimento e assim por diante. Então, muitas empresas acabaram deixando o setor e a Perenco acabou comprando o interesse de outras empresas. Mas como a Perenco é de propriedade de uma família, é uma empresa francesa, mas tem sede na França e sede em Londres, isso torna a presença deles um pouco ambígua. É uma empresa francesa ou britânica? Mas o ponto é que eles são os únicos que realmente dominam o setor de petróleo agora.
Ainda vemos pequenas empresas tentando entrar. Mas o que sabemos é que, quando se olha para a economia do Gabão como um todo, ela depende muito do sistema francês. Uma das coisas que as pessoas não perceberam durante a independência é que essas colônias, especialmente as colônias francesas, foram construídas com redes que diziam que tudo o que fosse produzido neste país tinha que ser vendido para a França, tinha que ser levado de volta para a França. Então, quando você se torna independente, sua estrutura econômica permanece a mesma, ainda está diretamente ligada àqueles que colonizaram você. E, assim, a economia gabonesa nunca deixou de estar ligada, quase organicamente, à economia francesa.
Agora, vimos que houve diversificação com os chineses chegando, os indianos chegando. Mas não importa como você olhe para isso, quem quer que entre ainda tem que trabalhar dentro do sistema existente, no qual os franceses tendem a ser mais predominantes como parceiros do que todos os outros. Agora, o que vimos recentemente é que, quando se olha apenas para o interesse francês no Gabão, por si só, eles não são mais o principal parceiro que costumavam ser, porque outras pessoas vieram e pegaram pequenas partes aqui e ali. Eles ainda têm a maior parte, mas em termos relativos. Por exemplo, números recentes que eu vi mostraram que os franceses representavam talvez 30%, 35%, 40% do interesse econômico gabonês. Mas, embora isso pareça uma parcela minoritária, ainda é uma parcela majoritária porque todos os outros têm pequenos pedaços. E, no final, eles ainda são um parceiro que você não pode realmente evitar, pelo menos em termos de como o Gabão está organizado hoje.
Então, eu diria que uma das coisas que queremos fazer é diversificar um pouco mais a economia para que os setores que costumavam ser dominados pela França se tornem praticamente inúteis. O sonho, por exemplo, é dizer: “ok, há o setor de petróleo, há o setor florestal, onde os franceses são realmente dominantes porque a silvicultura é realmente dominada pela França, há tudo isso. Mas o que realmente queremos também é a capacidade do Gabão de desenvolver todos esses setores que foram negligenciados, para que o peso do petróleo na economia possa ser reduzido, mesmo que continuemos produzindo a mesma quantidade. Mas precisamos reduzir o peso da economia do que é hoje, como nossa principal exportação, para nos tornarmos uma exportação relativa”.
E acredito que é para onde precisamos ir, porque se continuarmos a fazer do petróleo nossa principal fonte de renda, isso nos fará depender de potências estrangeiras. E se for a França que domina esse setor, continuaremos a depender da França. Portanto, acho que, diversificando, reduzimos o impacto da França na economia gabonesa. E é aí que acredito que precisamos chegar.
DCO: Os Estados Unidos têm uma influência importante sobre a economia gabonesa e sobre a região, como um todo?
DM: Tecnicamente, eles deveriam ter. Eu acredito que os Estados Unidos poderiam ter sido um parceiro melhor para o Gabão do que a França, para ser honesto. A razão pela qual digo isso é a seguinte: os anglo-saxões em geral estão interessados em negócios. Negócios são seu principal objetivo. O que isso significa é que eles tentarão dominar as pessoas, serão imperialistas, mas também tentarão criar mercados que possam lhes render lucro. Um mercado significa que você precisa que seu parceiro seja capaz de comprar seus produtos. Mas se seu parceiro for muito pobre, eles não podem comprar seus produtos. E é assim que eles são diferentes da França, porque a França pegaria tudo, tornaria você pobre e até mesmo incapaz de consumir seus próprios produtos.
Quando você olha para o mundo francófono, os africanos que falam francês não têm indústria. Eles não fabricam muito. Então, eles são aqueles que deveriam comprar carros franceses e assim por diante. Mas, porque eles são pobres, não podem comprar. E assim a França nem mesmo se beneficia de ter essas colônias, e há um mercado inteiro lá de talvez 300 milhões de pessoas, que é inútil, basicamente. Então, o que eu gosto nos Estados Unidos é que eles farão comércio com qualquer um, seja a França, o Brasil, seja lá o que for, e garantirão que qualquer parceiro ainda possa consumir produtos americanos. E isso não se torna um sistema equitativo, mas algo que permite que todos obtenham algo da relação.
Com a França, você não recebe nada em troca. Nada. A França pega tudo, não deixa nada para você. E, assim, eu acho que os Estados Unidos poderiam ter sido um parceiro melhor para o Gabão, mas eles têm sido discretos sobre isso. Em francês, temos essa expressão chamada “chasse gardée”, que é algo como uma floresta que você possui onde você vai caçar, mas só você a possui, é sua floresta de caça. Então, a França colonizou o Gabão, e a América é seu principal parceiro quando se trata de acordos geopolíticos. Quando dizemos “Ocidente”, estamos falando na verdade de três países que dominam em termos imperialistas: os Estados Unidos, a França e a Grã-Bretanha, essas são as nações imperialistas que ditam ideias imperialistas ao redor do mundo. Então, tenho certeza de que os Estados Unidos estariam interessados, mas eles não querem deixar seu parceiro infeliz. E assim eles respeitaram a ideia de que o Gabão é algo francês, e a França deve manter sua influência sobre aquele país, e ao mesmo tempo, eles incentivam a democracia, incentivam certas coisas, e também têm interesse no petróleo gabonês há um tempo, exceto que eles estão mais envolvidos na Guiné Equatorial, porque é onde o novo poder econômico está, com o novo petróleo daquele país.
E, assim, eu acredito que os Estados Unidos desejam investir no Gabão. Eles têm estado mais envolvidos em questões ambientais, financiamento, conservação da floresta, biodiversidade e assim por diante. E, assim, indiretamente, eles vêm para um projeto assim, mas não têm estado diretamente ativos na política gabonesa. Eles tendem a seguir o que a França diz e se alinham de acordo com isso.
DCO: Recentemente, lemos um artigo da Foreign Policy que chama Ali Bongo de “o homem de Obama na África”. Ele cita a relação de Ali Bongo com o governo Obama e o papel que ele teve no assassinato de Muamar Al-Gaddafi, afirmando que ele estava agindo como uma espécie de informante dos Estados Unidos na África e articulou essa relação entre os norte-americanos e o continente africano. O que você pode nos dizer sobre o papel de Ali Bongo no assassinato de Gaddafi?
DM: Bem, em relação à administração Bongo no assassinato de Gaddafi, eu não tenho muita certeza. Essa parte não está necessariamente clara, no sentido de que o Gabão foi – e isso certamente não está em dúvida – um instrumento. Às vezes na história, por exemplo, na guerra civil na Nigéria, a guerra de Biafra, o Gabão esteve muito envolvido do lado francês. Neste caso, a França queria desestabilizar aquela parte da Nigéria para ter acesso ao petróleo nigeriano. Portanto, o Gabão desempenhou um papel central na vinda de soldados franceses, ajudando os biafrenses e assim por diante. Portanto, não seria a primeira vez que vemos o Gabão envolvido em algo assim.
Mas eu também acredito que a situação de Gaddafi foi uma decisão pura da França, em primeiro lugar. Uma decisão importante da França, e Obama meio que o ajudou porque o presidente Sarkozy na época alcançou a estabilização de Gaddafi. Gaddafi era conhecido por ter informações sobre Sarkozy, o presidente na época, em termos de corrupção. Portanto, muitas pessoas pensam que Sarkozy tinha uma questão pessoal em querer eliminar esse perigo e advogou pela eliminação de Gaddafi. E quando a Primavera Árabe começou, essa foi a oportunidade perfeita para se livrar dele.
Obama certamente foi cúmplice, e acho que hoje ele provavelmente se arrepende disso, porque parecia uma boa ideia na época. Mas, diante da desestabilização que a queda de Gaddafi causou, quero dizer, na região do Sahel, nenhum dos países é poupado hoje… Se você falar de Chade, Mali, quero dizer, todos esses países se tornaram desestabilizados por causa desse ato. Matar Gaddafi nunca foi uma boa ideia, nunca, nunca, nunca. Portanto, Obama, de certa forma, é responsável pelo que está acontecendo na África hoje. Não tenho dúvidas sobre isso na minha mente. A França é responsável pelo que está acontecendo na região do Sahel hoje. E, na verdade, vimos os jihadistas e todos esses extremistas começarem a se infiltrar até o norte dos Camarões. Portanto, os Camarões em algum momento podem se tornar vítimas desse mesmo problema novamente. A Nigéria já está enfrentando essa ameaça.
Cncordo com a ideia de que a França e os Estados Unidos foram realmente a causa da queda de Gaddafi, mas também são agora a causa, de alguma forma, do que está acontecendo na região do Sahel. Acredito que nada disso teria sido tão grave, especialmente porque eles conseguiram suprimir a Al-Qaeda, conseguiram suprimir o ISIS. Mas, então, devido à queda de Gaddafi e à disponibilidade de armas, a África se tornou o novo terreno para esses, digamos, extremistas religiosos. E minha opinião é que, em algum momento, os Estados Unidos precisam reconhecer essa responsabilidade. Eles ainda não fizeram isso até agora, porque se escondem atrás da França. Mas acho que eles precisam reconhecer a responsabilidade e precisam fazer mais para estabilizar a região.
O que vejo agora é apenas a França tentando por si só. Mas deveríamos ter mais… bem, não vou dizer que o presidente norte-americano deveria fazer algo porque vai parecer que estou falando em intervenção militar. Mas acho que eles deveriam estar presentes na resolução do problema, o que significa apoiar esses novos regimes. Financiar armas e informações para que possam tentar resolver o problema por conta própria. Mas esse problema não pode ser resolvido por um país de cada vez. Precisa ser um arranjo regional. Você não pode erradicar o extremismo religioso se não for um problema regional.
Outra coisa que também precisamos levar em conta é que o extremismo não surge apenas porque surge, surge porque existem condições que propiciam seu desenvolvimento. E isso significa que a maioria dos países é muito pobre e as pessoas são tão pobres que é uma escolha entre fazer parte de um exército rebelde onde você pelo menos come todos os dias ou ficar desempregado. Você pode ver que há uma ligação direta com a pobreza, e a pobreza é uma consequência direta do colonialismo. E a pobreza na África é uma consequência direta do imperialismo na África.
E, assim, se as nações ocidentais, as nações europeias, deixassem de tentar ser imperialistas, tentassem acompanhar as democracias, mas também entendessem que se tivéssemos parcerias econômicas limpas que realmente desenvolvessem os países africanos, teríamos menos extremismo religioso, menos instabilidade política que realmente tem grassado por toda a África por décadas agora. E eu não vejo um fim à vista enquanto os ocidentais continuarem a olhar suas relações com a África em termos de interesse, e interesse significa que eles podem apoiar um ditador se seus interesses estiverem garantidos. E isso, eu acho, tem sido um dos problemas na postura ocidental em relação à África. Eles a veem apenas como uma terra onde podem realizar seus interesses, e não importa quem seja seu parceiro. Se for um ditador, eles se tornarão aliados desse ditador. Se for um regime corrupto, eles se associarão a esse regime corrupto. Mas eles não entendem que quando um regime corrupto está no poder, a economia não funcionará. E quando a economia não funciona, então você cria as condições para o extremismo, o jihadismo, a instabilidade. Que tipo de mundo é esse?
Hoje, o golpe no Gabão está mostrando que o movimento está prestes a se generalizar porque a maioria das pessoas entende e associa os golpes à liberdade, ao rompimento dos laços com o Ocidente, ao rompimento dos laços com as potências coloniais, ao rompimento dos laços com o imperialismo. E os africanos estão basicamente em uma posição em que podem até se aliar ao diabo, para se livrar do controle ocidental.
E isso deveria dizer algo sobre como eles se sentem e como as posturas ocidentais têm sido destrutivas, inúteis e problemáticas quando se trata de lidar com os africanos, de trabalhar com os africanos. Quando vemos um ditador como Paul Biya indo à Casa Branca, isso é um mau sinal, é uma mensagem ruim para o povo de que os Estados Unidos se preocupam mais com Paul Biya como indivíduo do que com o país e o povo dos Camarões. Quando se fala da parceria com Ali Bongo, na verdade, o New York Times publicou um artigo alguns dias atrás em que basicamente dizia que Ali Bongo já foi o “queridinho do Ocidente”. Isso diz algo. “O queridinho”, por que razão? Bem, as razões eram políticas ambientais, é só isso. Então “o queridinho” porque vocês [o imperialismo] querem preservar a floresta enquanto são os maiores poluidores do meio ambiente do mundo, mas querem proteger a floresta. E por essa única ideia, vocês vão se associar a um ditador em detrimento do povo?!
Mas em qual contexto você acha que é melhor para viver? Um país democrático, estável, que ainda pode ser seu parceiro em questões ambientais, ou um ditador com o qual vocês vão trabalhar como um único indivíduo, contra a vontade do povo? Acho que essa equação continua totalmente sem solução, e espero que, no futuro, os norte-americanos, os franceses e outras potências ocidentais percebam que estamos agora em uma nova era em que os africanos estão exigindo liberdade e é melhor que estejam conosco ou contra nós. Mas, claramente, se eles não estiverem dispostos a entrar em novas parcerias que beneficiem a todos, eles vão perder a África de uma forma ou de outra.
DCO: Vamos agora falar sobre os dias seguintes ao golpe. O que você pode nos dizer sobre Brice Oligui Nguema, o presidente da transição, e qual a sua avaliação destes dias desde o golpe?
DM: Parece-me que, antes de mais nada, ele é uma pessoa mais jovem, portanto, de outra geração. Acho que tem cerca de 48 anos ou algo assim. Então ele é uma pessoa relativamente jovem, mais jovem do que eu, certamente, e isso significa que, e estou esperando que, mesmo que tenha feito parte do regime, ele terá ideias mais modernas sobre como talvez não governar o país, porque não queremos que o país seja governado pelos militares. E com base no que vimos até agora, os sinais são realmente bons, porque ele prometeu que não está aqui para ficar. Ele trabalhará com a sociedade civil e a sociedade política para organizar uma transição que será uma transição reformista. Reforma das instituições, uma nova Constituição. E, portanto, uma nova eleição após o período de transição. Isso já é politicamente uma boa mensagem.
E, então, é claro, vimos também que ele tomou várias medidas, incluindo, por exemplo, a libertação de prisioneiros políticos. Por exemplo, tivemos um líder de um sindicato, na verdade, um sindicato muito poderoso do Gabão, Jean-Remy Yama, que foi libertado, pois havia sido preso por motivos falsos. Tinham-no acusado de algum tipo de corrupção, seja lá o que for, mas todos sabemos que não era isso, eles só queriam eliminá-lo porque ele era muito competente no que fazia. E sempre foi sentido como uma ameaça pelo regime. Portanto, eles o libertaram. E, portanto, estão libertando todas as pessoas que foram presas por esses motivos inúteis. Portanto, isso é um bom sinal.
Ele também pelo menos se reuniu com todos os grupos que importam. Grupos religiosos, grupos políticos da sociedade civil, da administração, de tal forma que nos permite visualizar o tipo de relacionamento que ele deseja ter com esses parceiros sociais. Porque entendemos que ele é alguém que pode querer se envolver nesse tipo de diálogo constante com todas as partes, de maneira que possa ouvir o que as pessoas querem e, portanto, seja capaz de implementar as reformas e as mudanças de que precisamos antes das próximas eleições.
Ele ainda não nos disse exatamente por quanto tempo quer ficar, temos falado talvez em dois anos, mas ainda não sabemos. E, é claro, vimos também que ele prometeu começar a resolver um problema que tem sido um problema no Gabão, que é o acesso à terra. Embora sejamos um país pequeno, o Gabão é 80% floresta, com uma população esparsa, mas, por alguma razão, as pessoas têm dificuldade em ter acesso à terra. Por um lado, porque as pessoas no poder basicamente tomaram todas as terras nas cidades, tornando impossível para as pessoas terem acesso à terra. E, na verdade, às vezes também estão tomando terras de pessoas pobres porque têm poder.
Aí está uma área de preocupação para os gaboneses, o acesso à terra. E ele disse que quer olhar para isso como uma das prioridades. O sistema escolar também. Nossos estudantes costumavam ter bolsas de estudo. Ele diz que quer restaurar isso. E eu tenho visto sinais de que ele sabe o que está fazendo e está ciente dos problemas.
Agora, a principal preocupação não é tanto o que ele fará agora, mas o que fará no final da transição. Ele vai querer permanecer no poder ou não? E, como se sabe, os líderes militares aqui, eles vêm e geralmente anunciam boas intenções. E, então, quando dizem uma transição de dois anos, ela se transforma em cinco e talvez até mesmo concorram às eleições depois disso. Então, estamos esperando que ele esteja sendo sincero sobre suas intenções. Mas eu acho que os gaboneses também se uniram em torno dele. Por exemplo, tivemos o principal candidato, Albert Ondo Ossa, que concorreu contra Ali Bongo. Tecnicamente, ele venceu a eleição, mas devido à forma como o regime proclamou a eleição, na verdade não sabemos quais são os resultados reais. Então, o exército interveio não para dar o poder ao oponente, o principal oponente que provavelmente venceu essa eleição, mas para permitir um recomeço. Eles se encontraram provavelmente ontem, e os sinais são de que talvez eles vão cooperar para permitir que a transição continue e talvez depois realizar uma nova eleição dentro de dois anos.
E então eu diria que as pessoas se uniram em torno dos líderes do golpe, eles são muito populares agora. Eles têm tomado boas medidas, inclusive prendendo algumas pessoas conhecidas por serem corruptas. Há imagens deles invadindo casas de pessoas poderosas e encontrando milhões de dólares. Em apenas uma casa, 7 milhões aqui, outros 15 milhões ali. E estamos falando de Gabão, líderes no Gabão, em um país pequeno como o Gabão. Onde você pode realmente encontrar alguém com 7 milhões de dólares não no banco, mas em malas em sua casa? Então você pode imaginar se é isso que eles têm em suas malas em casa, o que eles teriam no banco? O que eles teriam no exterior que esconderam como dinheiro roubado de seu país?
Portanto, você vê que esses sinais são bons sinais para as pessoas, que esses sinais as tranquilizam de que ele pode ser capaz de pelo menos recuperar parte do dinheiro roubado. E se ele fizer isso, também será outra coisa boa. E então estamos felizes com o que vemos, esperamos que isso continue.
DCO: Nas redes sociais, consta que você enviou uma proposta para a nova Constituição, que deverá ser organizada e votada nos próximos meses. Qual é exatamente a proposta?
DM: Aquilo que tivemos, e que na verdade foi crucial, eu diria, central para as preocupações dos gaboneses, é o seguinte: quando você olha para a forma como a Constituição foi organizada, ela conferiu poderes excessivos ao Poder Executivo. Ou seja, ao presidente. Portanto, a primeira coisa que você deseja é reduzir os poderes do presidente e conferir ao parlamento mais desses poderes.
Por exemplo, o parlamento não tinha a capacidade de questionar diretamente o presidente. Eles podiam questionar o Primeiro-Ministro, mas não podiam questionar o presidente. E, assim, o presidente só podia ser questionado por um tribunal, mas esse tribunal dependia dele na nomeação de seus membros. Isso significava basicamente que você não poderia questionar o presidente, em primeiro lugar.
A segunda coisa era que a instituição deveria ser independente, como o funcionamento da Suprema Corte nos Estados Unidos. O presidente nomeia os juízes da Suprema Corte. Mas uma vez feita a nomeação, você perdia a capacidade de controlá-los. Como presidente, você não poderia demiti-los, não poderia dizer: “você, eu nomeei você outro dia, mas você não está mais fazendo o que eu quero, você está demitido”. No Gabão, você podia fazer isso. O presidente tinha a capacidade de demitir os juízes da Suprema Corte – o que chamamos de Tribunal Constitucional no Gabão. E este é o tribunal mais alto no Gabão, que inclusive decide o resultado das eleições.
Omar Bongo foi esperto o suficiente para colocar sua namorada na posição de presidente do Tribunal Constitucional. Desde 1991, essa mulher está lá, mesmo que inicialmente o mandato fosse de cinco anos, com um máximo de dez. Ela agora sobreviveu a todo o sistema, até hoje – quero dizer, até o golpe. Então, você entende como era a situação: você tinha o presidente no poder, Omar Bongo na época, e sua namorada dirigindo o Tribunal Constitucional. Bem, isso era uma garantia de poder absoluto, que não apenas controlava o Poder Executivo, mas também controlava os tribunais através do presidente da Suprema Corte.
O que isso mostra é que você não podia realmente articular qualquer tipo de ideia de um Estado de Direito no Gabão que não dependesse da vontade e dos caprichos e das emoções do presidente. O Tribunal Constitucional não podia decidir nada contra o presidente, e basicamente fazia o que o presidente queria. Após a morte de Omar Bongo, ela ainda estava lá como a sogra de Ali Bongo [risos], sempre defendendo o regime, sempre deixando claro que quando as pessoas iam reclamar sobre eleições fraudulentas, ela simplesmente as rejeitava e dizia “confirmo que Ali Bongo ou Omar Bongo venceram”.
E então você tem o próprio sistema eleitoral, onde o governo tinha um monopólio total sobre isso. O presidente nomeava os membros, e eles tinham medo de perder seus empregos, pois dependiam do presidente. E, então, uma vez nomeados, o que eles fariam? Fariam exatamente o que vimos em 30 de agosto: iriam à televisão, leriam um resultado que lhes disseram para ler. Como eles não tinham poder para realmente conduzir a eleição, controlar o sistema de votação, tudo era gerenciado pelo Ministério do Interior, que, novamente, dependia do regime, de modo que a comissão eleitoral estava apenas lá para ir e ler o resultado, mas não para realmente conduzir a eleição de forma independente.
O que isso significa? Significa que pelo menos você precisa de um parlamento independente onde eles tenham a capacidade de questionar não apenas o primeiro-ministro, mas também o presidente e até destituí-lo, porque isso é muito importante. Você precisa da capacidade de um parlamento de dizer se o presidente não está fazendo um bom trabalho ou se ele é acusado de traição, podemos destituir o presidente através de uma votação. Você precisa disso. Você precisa de um tribunal supremo ou constitucional independente que tenha juízes que possam realmente defender os interesses legais do povo gabonês. E você precisa de uma comissão eleitoral independente.
Se você começar resolvendo os três ou quatro elementos dentro do sistema em si, começará a criar as condições para que as eleições sejam limpas e os gaboneses realmente possam eleger a pessoa que desejam eleger. E, então, é claro, a partir dessa ideia, começará a ter o que chamamos de Estado de Direito, ou seja, a capacidade também das pessoas perderem seus empregos quando forem acusadas de roubar dinheiro, de terem sido corrompidas. Isso ajudaria a moralizar a vida pública.
Atualmente, como você já viu nas notícias, neste momento, as pessoas roubam dinheiro e não são punidas. Por quê? Porque o próprio presidente rouba. Então, se ele rouba, tem cúmplices e basicamente todo mundo rouba e ninguém é punido, e as pessoas que roubam até são promovidas. Isso precisa acabar. O que propus na Constituição foi olhar para esses elementos e dizer: as prioridades devem ser essas coisas. Eu disse: isso é realmente o que precisamos fazer, mas também precisamos garantir que a Constituição não possa ser alterada assim tão facilmente. Talvez deva ser o resultado de sempre pedir aos gaboneses que validem qualquer alteração por meio de um referendo.
Atualmente, o sistema pode manipular o que quiser e impor uma nova Constituição quase sem que ninguém possa questionar isso. E foi precisamente isso que fizeram, fabricaram uma nova lei eleitoral, uma nova Constituição que basicamente tornou as coisas tão ruins que eu disse às pessoas “eu não vejo o interesse dessa eleição. Vai ser igual aos anos anteriores”. E, novamente, continuo a dizer, precisamos de uma revolta popular porque é a única maneira de mudarmos isso. Bem, os militares fizeram isso por nós, então isso é bom.
DCO: Os exilados estão em diálogo com o novo governo?
DM: Sim, acredito que eles têm, de certa forma, porque tivemos alguns que de fato foram à posse do novo presidente. E acredito que, neste momento, grupos estão se organizando de forma a dar a si mesmos algum tipo de voz e fazer parte do debate. E acho que todos nós também estamos nos organizando agora para garantir que possamos realmente começar a fazer parte desse debate agora. Nesta semana, acredito que eles provavelmente irão nomear um novo governo, e esse novo governo permitirá que eles estabeleçam as condições para a reforma. E espero que também tenhamos membros da Diáspora como parte desse governo, porque precisamos de pessoas que também conheçam os problemas dos exilados.
Mas o que também entendemos é que eles vão fazer de tudo para garantir o retorno daqueles que desejam voltar ao seu país. Aqueles que estão exilados economicamente, aqueles que estão exilados politicamente, pessoas como eu. Por anos, eles não queriam renovar seu passaporte e coisas assim, e isso tem sido algo terrível porque nossas embaixadas não têm a capacidade de entregar passaportes. E, assim, você só pode obter um passaporte se voltar ao país para buscá-lo ou se esperar que enviem uma equipe que passará pelos estados para obter suas informações e depois voltar para casa para fazer os passaportes, e depois eles devolvem para você meses depois.
Estamos trabalhando duro com eles, estamos tentando garantir que a Diáspora tenha acesso a eles, possa falar com eles, e o cara parece ser aberto. Acho que ele é incrivelmente aberto às pessoas, ele é muito acessível. Então, não tenho dúvidas de que os diálogos realmente se formalizarão nos próximos dias. E, lembrem-se, estamos falando aqui de um golpe que está em vigor apenas há uma semana. Então, as coisas estão indo mais rápido do que pensávamos. Mas esperamos que, dentro das próximas duas, três semanas, as coisas realmente se formalizem em termos de como a Diáspora está comunicando seus desejos ao presidente. E não se trata apenas de desejos, também se trata de ideias, porque acredito que estamos em uma posição única como pessoas que viveram no exterior. Conhecemos a experiência de outros países, vemos modelos como o seu país, que é incrível, pelo menos do lado de fora – vemos o Brasil como um dos próximos tigres, como os chamam. Essa experiência de saber como outros países funcionam será muito positiva, boa para o país. E, assim, esperamos poder contribuir para o desenvolvimento do Gabão e acredito que, em cinco anos, se tudo for feito bem, poderemos realmente ver uma transformação, uma transformação total desse país.
DCO: O que você pode nos dizer sobre a relação deste novo governo com países como os Estados Unidos e a França, e também como a China e a Rússia?
Acredito que isso será interessante porque, até agora, a França ainda está meio que condenando o golpe. Os Estados Unidos também. Mas estou esperando que seja o que chamamos de “papo furado”, que eles apenas têm a obrigação de dizer “somos contra golpes”. Mas também acredito que eles deveriam entender que eles mesmos, como país, França, Estados Unidos, não podem aceitar a ideia de serem governados pela mesma família por 56 anos. Eles provavelmente deveriam pensar que esse golpe é uma coisa boa para o Gabão. Eles têm que chegar a essa conclusão e apoiar de fato o golpe e seus líderes.
Talvez, o “papo furado” seja o que eles estão fazendo agora para dizer “ah, não gostamos disso”, mas no final, eles voltarão à razão e trabalharão com os líderes do golpe. Não os vi ameaçando, e sua condenação até foi mais fraca do que vimos para outros países como Mali, Níger, Burquina Fasso, e assim por diante. E ouvi falar de conversas em andamento, então acredito que eles rapidamente chegarão à conclusão de que foi algo bom para o Gabão e normalizarão isso rapidamente, acreditando que, após um mês do golpe, haverá cooperação novamente quando perceberem que, em primeiro lugar, o golpe é apoiado a 100% pelos gaboneses de todas as esferas da vida. E, em segundo lugar, os líderes do golpe não são pessoas que querem questionar o relacionamento com a França, porque essa não é uma batalha que desejam travar. Para eles, a prioridade é garantir seu poder, garantir que possam se manter estáveis antes de começarem a discutir coisas mais complexas. Mas não tenho dúvidas de que o relacionamento se normalizará muito rapidamente.
DCO: Nossa entrevista está chegando ao fim. Gostaria de falar algo mais?
DM: Estou muito grato, em primeiro lugar, por permitirem que eu fale com vocês como um grupo, mas também pelas pessoas em seu país, porque eu sei que vocês têm um jornal, mas também um sítio. Isso significa que o que eu disse hoje será também uma mensagem de esperança para as pessoas em seu país que entendem que existem países na África tentando se desenvolver, tentando chegar ao momento em que possam realmente ter eleições seguras e justas, que também estão procurando cooperação com todos os países do mundo. E que o que eu disse hoje lhes dará esperança de que, talvez, pela primeira vez, países como o Gabão, mas espero que muitos outros no futuro, comecem a ter vidas dignas, relacionamentos dignos com seus parceiros e, ao mesmo tempo, abram uma nova era de cooperação com todas as nações do mundo.
Nesse sentido, estamos pedindo, é claro, o apoio do Brasil. Para que eles não condenem o golpe, mas tentem construir um relacionamento com o Gabão que tenha que ser, em primeiro lugar, solidário com os líderes do golpe, e depois, mais tarde, apoiem o Gabão à medida que ele entrar nessa nova experiência chamada construção da nação.
Como mencionamos anteriormente, esta é agora a verdadeira independência do Gabão. Isso significa que o Gabão precisa se construir agora como uma nação independente. E, para isso, precisaremos do apoio do governo brasileiro e do povo brasileiro.