Argentina

Lei ‘Ônibus’: Milei envia projeto fascista ao Congresso

Presidente argentino quer tornar proibida a reunião de mais de duas pessoas em espaço público, o que inviabiliza a ação da classe operária e suas organizações.

Na última quarta-feira (27), houve o terceiro e maior protesto popular na Argentina contra o governo Javier Milei. Contudo, as direções da esquerda seguem sem conclamar os trabalhadores a derrubar o governo. Com isto, o presidente, posto no poder pelo imperialismo, segue adiante em seu golpe de Estado.

Já no mesmo dia, Javier Milei enviou ao Congresso um novo pacote de normas ampliando as “reformas” no Estado argentino. Intitulado de “Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”, ou “Lei Ônibus”, tem 183 páginas e 664 artigos.

Ocorre que o novo pacote corresponde a um projeto de lei fascista. E não, isto não é apenas um modo de dizer. Por que razão? Pois, dentre suas mais de seis centenas de artigos, estão inclusas medidas que levam ao total desmantelamento das organizações dos trabalhadores, sejam associações, sindicatos e mesmo partidos políticos. E, é claro, medidas que proíbem em definitivo qualquer método efetivo de luta que é levado a cabo pelos trabalhadores. Para exemplificar, vejamos alguns dos artigos do capítulo dedicado à “Segurança” Interna, em tradução livre para o português:

CAPÍTULO I

SEGURANÇA INTERNA

Seção I

Organização das Manifestações

ARTIGO 326 – Modificação do Código Penal da Nação. Substitui-se o artigo 194 do Código Penal da Nação pelo seguinte:

ARTIGO 194 – Aquele que, sem criar uma situação de perigo comum, impedir, obstruir ou dificultar o funcionamento normal dos transportes terrestres, aquáticos ou aéreos, ou os serviços públicos de comunicação, fornecimento de água, eletricidade ou substâncias energéticas, será punido com prisão de um (1) a três (3) anos e seis (6) meses.

Se a circulação ou os meios de transporte público forem impedidos, obstruídos ou dificultados enquanto alguém estiver portando uma arma, seja própria ou imprópria, e causar danos à integridade física das pessoas, a pena será de dois (2) a quatro (4) anos de prisão, desde que não constitua um crime mais severamente punível.

Aqueles que dirigirem, organizarem ou coordenarem uma reunião ou manifestação que impedir, obstruir ou dificultar a circulação pública ou privada de transporte, causando lesões a pessoas ou danos à propriedade, serão punidos com prisão de dois a cinco anos, estejam ou não presentes na manifestação ou acampamento. Aqueles que, por meio de intimidação, simulação de autoridade pública ou falsa ordem da autoridade, sob promessa de remuneração ou sob ameaça de retirada ou atribuição de benefício, plano, subsídio de qualquer tipo, obrigarem outra pessoa a participar, permanecer ou se afastar de uma mobilização ou protesto, serão punidos com prisão ou reclusão de três (3) a seis (6) anos.

ARTIGO 327 – Organizadores. Adiciona-se ao Código Penal como o artigo 194-A o seguinte:

ARTIGO 194-A – Entende-se por organizador ou coordenação de uma reunião ou manifestação, para efeitos do artigo anterior, toda pessoa física, pessoa jurídica, reconhecida ou não, ou conjunto delas que:

  1. Convoca outras pessoas para participar da reunião;
  2. Coordena pessoas para realizar a reunião;
  3. Fornece qualquer tipo de meio material ou logístico para a realização da reunião;
  4. Faz registro de presenças ou ausências por qualquer meio escrito ou de gravação de imagens. A responsabilidade referida neste artigo será independente da presença ou ausência dos organizadores ou coordenadores na reunião ou manifestação.

ARTIGO 328 – Os organizadores das reuniões ou manifestações serão solidariamente responsáveis pelos danos que os manifestantes causarem a terceiros ou a bens de domínio público ou privado, em razão da reunião ou manifestação. A responsabilidade solidária estabelecida neste artigo não os isenta das responsabilidades decorrentes de possíveis ações que possam surgir nem das multas estabelecidas nesta Seção.

ARTIGO 329 – Não cumprimento pelos organizadores. Os organizadores, coordenadores ou aqueles que atuam como tais e que não cumpram ou façam cumprir pelos manifestantes, de acordo com o estabelecido nesta Seção, em relação à afetação da circulação, transporte público ou a presença de menores sem a companhia correspondente, estarão sujeitos à multa máxima prevista no artigo 77 e regulamentada no artigo 84 da Lei Nº 24.449, correspondente a vinte mil (20.000) unidades fixas (UF).

ARTIGO 330 – Modificação da Lei Nacional de Trânsito. Adiciona-se como inciso z) ao artigo 48, Título VI, Capítulo I, Regras Gerais da Lei Nº 24.449, o seguinte: “inciso z) Impedir ou obstruir totalmente o tráfego em ruas ou avenidas, rodovias nacionais e pontes interjurisdicionais por meio de uma mobilização ou protesto social.

Inclusive serão proibidas reuniões de três ou mais pessoas. Em outras palavras, o direito de reunião e manifestação fica completamente inviabilizado

ARTIGO 331 – Reunião ou manifestação. Para efeitos deste Capítulo da lei, entende-se por ‘reunião’ ou ‘manifestação’ a congregação intencional e temporária de três (3) ou mais pessoas em um espaço público com o propósito do exercício dos direitos mencionados na presente lei.

Em suma, uma completa inviabilização da atividade política da classe operária e de suas organizações. E é por esta razão que o mais novo projeto de lei do presidente golpista argentino possui natureza fascista, pois, se bem-sucedido, resultará na destruição das organizações do proletariado do país sul-americano.

Quem analisou corretamente o fenômeno do fascismo foi o dirigente militar da tomada do poder em Outubro de 1917, o criador do Exército Vermelho, Leon Trótski. Ao analisar a ascensão de Hitler e do Nazismo e criticar a inação do Partido Comunista Alemão, a sabotagem da Burocracia Stalinista e o oportunismo da Social Democracia, Trótski concluiu que o fascismo corresponde à completa destruição da “Democracia Operária (Proletária)”:

“A fascistização do Estado significa não apenas mussolinizar as formas e os processos de direção – neste domínio as mudanças desempenham, no fim de contas, um papel secundário –, mas, antes de tudo e, sobretudo, destruir as organizações operárias, reduzir o proletariado a um estado amorfo, criar um sistema de organismos que penetre profundamente nas massas e destinado a impedir a cristalização independente do proletariado. É precisamente nisto que consiste a essência do regime fascista.

[…]

Durante muitas décadas, no interior da democracia burguesa, servindo-se dela e lutando contra ela, os operários edificaram as suas fortificações, as suas bases, os seus núcleos de democracia proletária: sindicatos, partidos, clubes de educação, organizações esportivas, cooperativas etc. O proletariado pode chegar ao poder, não nos quadros formais da democracia burguesa, mas somente por via revolucionária. Isto é demonstrado ao mesmo tempo pela teoria e pela experiência. Mas é, precisamente, para a via revolucionária que o proletariado tem necessidade das bases de apoio da democracia operária no interior do Estado burguês. Foi na criação de tais bases que se manifestou o trabalho da II Internacional, na época em que ela realizava ainda um trabalho historicamente progressivo.

[…]

O fascismo tem como função essencial e única a destruição, até os alicerces, de todas as instituições da democracia proletária.

É necessário frisar que a transformação do Estado argentino em uma ditadura fascista cumpre um objetivo, qual seja, continuar o saque da riqueza dos argentinos, em prol dos banqueiros imperialistas, a fim de que a burguesia imperialista possa ter um fôlego na crise por qual passa. Conforme vem dizendo Rui Costa Pimenta, presidente do Partido da Causa Operária (PCO), é preferível ao imperialismo que a crise exploda primeiro nos países oprimidos, adiando a explosão dela nos países imperialistas (Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão).

Nesse sentido, o novo pacote de Milei, em seus 663 artigos, também inclui novas medidas para aprofundar a liquidação dos direitos sociais da população argentina. Por exemplo, possibilita a desestatização de 41 empresas públicas, dentre as quais a Aerolineas Argentinas, o Banco de la Nación e o YPF, estabelecendo, como 1ª etapa a transição das empresas para S.A. (Sociedade Anônima)

Ademais disto, em demonstração de total subserviência ao imperialismo, a “Lei Ônibus” permite expressamente a entrada de tropa estrangeiras no país, em seu artigo 45 e seguintes. Curiosamente, o nome do capítulo no qual esses artigos estão inseridos é “Defesa Nacional”:

CAPÍTULO II

DEFESA NACIONAL

ARTIGO 345 – Exercícios militares. Autoriza-se a entrada de tropas estrangeiras no território nacional e a saída de forças nacionais, conforme apropriado, para participar nos exercícios contemplados no Programa de Exercícios Combinados a serem realizados de 1º de setembro de 2024 a 31 de agosto de 2025. Os exercícios combinados propostos são:

I “INTEGRAÇÃO”, II “CRUZEX”, III “ARANDÚ”, IV “ACRUX”, V “ATLASUR”, VI “OPERAÇÃO FORMOSA”, VII “FRATERNO”, VIII “GALAPEX”, IX “INALAF”, X “PASSEX”, XI “SIFOREX”, XII “UNITAS” e XIII “VIEKAREN”. Saída de forças. Faculta-se o Poder Executivo a autorizar a saída do país de contingentes de pessoal e meios das Forças Armadas, com destino a Missões de Paz no âmbito da ONU, em cumprimento de acordos já firmados pela República Argentina com este organismo internacional; ou para atividades de exercícios, instrução ou protocolares.

ARTIGO 346 – Ingresso de forças estrangeiras. Faculta-se ao Poder Executivo autorizar a entrada no país de contingentes de pessoal e meios das Forças Armadas de outros países para atividades de exercícios, instrução ou protocolares de caráter combinado.

Por fim, se já não bastasse para demonstrar que o caráter fascista da “Lei Ônibus” serve para entregar a Argentina aos EUA, Milei enviou uma carta aos BRICS anunciando que o país não entrará mais no bloco.

Diante da tentativa do novo presidente argentino em transformar o país em uma ditadura abertamente fascista, com o envio da “Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos” ao Congresso, a esquerda deve assumir imediatamente a posição de “Fora Milei” e “Abaixo o Golpe de Estado”. Apenas a mobilização revolucionária dos trabalhadores, consciente de que um golpe fascista está em marcha, poderá barrar o avanço do mesmo.

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