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Fábio Picchi

Militante do Partido da Causa Operária (PCO). Membro do Blog Internacionalismo e do Coletivo de Tecnologia do Partido da Causa Operária. Programador.

DE VENTO EM PROA

Juros altos, demissões e inflação

Setor de alta tecnologia está prestes a enfrentar uma crise com valores de ações inflacionados e juros altos

m nossas últimas colunas, descrevemos mudanças no modelo de negócios de duas grandes empresas de tecnologia: o monopólio do transporte urbano, Uber, e o monopólio das ferramentas de desenvolvimento de jogos, Unity. A primeira simplesmente resolveu exercer seu direito monopolista de cobrar “aluguel” por sua posição dominante no mercado e aumentou suas tarifas, naturalmente com um repasse ínfimo aos motoristas. A segunda, num modelo de negócios nunca antes visto, resolveu cobrar uma tarifa por cada instalação de jogos desenvolvidos com sua ferramenta. Desde então, a Unity voltou atrás da decisão, dada a revolta dos desenvolvedores, mas manteve uma nova taxa de 2,5% de partilha nos lucros.

No final do ano passado e no início deste ano, também falamos neste espaço sobre como empresas de tecnologia estavam realizando demissões em massa, entre elas Uber e Unity, mas incluindo outras muito maiores, entre as empresas de maior valor no mercado financeiro, como Apple, Microsoft, Google e Meta. Não tivemos, porém, a oportunidade de conectar esses dois desenvolvimentos, erro que pretendemos desfazer hoje.

Ao mesmo tempo que demitiam seus funcionários, essas empresas de tecnologia, quando não estavam inventando métodos de cobrança absurdos como o da Unity, estavam aumentando o preço de seus serviços. Quem assina qualquer serviço digital sabe disso, sejam elas plataformas de streaming, como Netflix, Disney Plus, Spotify; sejam elas plataformas de armazenamento de dados, como o Google Drive. O preço também aumentou para os desenvolvedores de aplicações, que as hospedam em serviços de “computação em nuvem” como o Amazon Web Services. Esse aumento nos custos, naturalmente, foi repassado aos consumidores.

As duas medidas, aumento de preços e demissão de pessoal, atuam ambas para aumentar a receita das empresas. Do ponto de vista de seus acionistas, maiores dividendos sempre serão bem-vindos, mas por que isso estaria acontecendo agora? Acontece que a alta dos juros nos países imperialistas, medida adotada justamente para combater a inflação, fez com que o dinheiro “ficasse caro” e especuladores do mercado financeiro não estão mais tão à vontade para oferecer recursos às empresas de alta tecnologia, tão acostumadas a depender de empréstimos para alavancar seu desenvolvimento num gigantesco monopólio.

O motivo pelo qual essa inversão ocorre é simples. Por mais que essas sejam todas empresas altamente lucrativas, o retorno nunca é tão certo quanto o dos títulos de dívida do Tesouro norte-americano, que agora pagam valor próximo de 5% ao ano nos papéis com prazo de maturidade de 10 anos. Desde a crise de 2008, o Banco Central norte-americano operou uma tarifa básica de juros muito baixa, numa média de 0,5%. Na Europa e no Japão seu valor era negativo. O dinheiro fácil inflou as empresas de alta tecnologia, último refúgio de lucro do imperialismo na atual economia financeirizada. Não havia muita pressão dos investidores por retornos. A estratégia era construir um grande monopólio com dinheiro a juros baixos e coletar o “aluguel” monopolista no futuro. Não é à toa que muitas dessas empresas operavam constantemente no vermelho.

O dia da cobrança chegou. Soma-se a isso uma saturação do mercado digital. A não ser que o continente africano se desenvolva vertiginosamente – e milagrosamente – nos próximos três anos, não há mais mercado para serviços como Netflix, Disney Plus, etc. Não há mais compradores potenciais de iPhone que a Apple possa atingir. Como prova, basta ver o aumento sistemático de preços do aparelho como forma aumentar a receita da empresa. A partilha do mercado mundial de produtos de tecnologia e serviços digitais já foi feita e agora só pode passar de mão em mão a depender do poder e da influência de cada um dos monopólios concorrentes. É o fim da era de crescimento pujante – impulsionado por uma enorme inflação dos valores das ações dessas empresas no mercado financeiro – e os investidores  querem resultados. Querem dividendos para aportar nos seguros títulos de dívida do Tesouro norte-americano.

O que está acontecendo é um alerta para nós, profissionais da tecnologia, e para consumidores no geral. Para os profissionais, acostumados com salários acima da média e trabalho remoto, precisamos mais do que nunca falar em sindicalização. O desafio é monstruoso já que muitos escritórios virtuais transcendem fronteiras e, consequentemente, legislações trabalhistas nacionais. No lado dos consumidores, podemos esperar o “embosteamento” (tradução livre de enshittification, termo cada vez mais recorrente na descrição das práticas dos serviços digitais) dos serviços e plataformas que utilizamos, assim como um encarecimento geral.

É irônico que essa inflação nos produtos e serviços de tecnologia dê-se por causa das medidas que os Bancos Centrais tomam para controlar a inflação, isto é, a alta dos juros. A crise do imperialismo com a China, naturalmente, não ajuda, dado que o país transformou-se no principal polo de produção de produtos tecnológicos. Ajuda ainda menos a guerra contra a Rússia, que faz os preços de energia dispararem. A crise nas empresas de tecnologia pode ser a gota d’água na crise geral da economia imperialista. Finalmente, se não conseguirem sustentar mais uma classe média de profissionais de escritório privilegiados e uma sociedade de consumo para as próprias populações, quem sobrará para defender esse caos econômico?

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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