O massacre de al-Dawayima se deu na cidade de mesmo nome, em 29 de outubro de 1948, durante a Nakba. Uma aldeia situada a alguns quilômetros de Hebron (uma das principais cidades da Cisjordânia), esta, por sua vez, localizada a 30km de Jerusalém.
Perpetrado pelo 89º Batalhão das FDI (Forças de Defesa de “Israel”), o massacre foi parte da Operação Yoav, também chamada de Operação Dez Pragas (operação desatada pelos militares sionistas no Deserto de Negev, de 15 a 22 de outubro de 1948, como parte da Nakba).
O comandante geral dessa operação foi Ygal Allon, igualmente comandante do Palmach, batalhão especial da Haganá, umas das principais milícias fascistas que compunham o braço armado do sionismo durante a operação de limpeza étnica da Palestina nos anos de 47-48, que levou à expulsão de quase 1 milhão de palestinos de suas terras.
A vila foi tomada sem resistência, e mesmo assim houve o massacre, de forma que mais de 400 palestinos foram assassinados, segundo relatos de pessoas que estiveram no local, sendo descrito como um massacre ainda pior do que o de Deir Yassin, que é tido como um dos episódios mais monstruosos do terror sionista durante a Nakba.
Segundo o historiador israelense Benny Morris, que em suas pesquisas consultou os arquivos oficiais da Haganá, a própria milícia fascista considerava al-Dawayima como um vilarejo “amigável”, ou seja, que não oporia resistência, apontando para a desnecessidade de qualquer matança para se alcançar objetivos militares.
À época do massacre, al-Dawayima possuía uma população de cerca de 6 mil palestinos. Considerável população, que decorria também do fato de que 4 mil haviam chegado lá buscando refúgio, fugindo da destruição sionista (ou da iminência dela) que já havia recaído sobre outros vilarejos.
Por que o massacre, de início, não recebeu tanta atenção quanto o de Deir Yassin? Por causa de sua localização. O Reino da Jordânia temia que se a palavra sobre o ocorrido se espalhasse para os demais camponeses da região, isso poderia ocasionar uma nova imigração em massa de palestinos para o país, o que não era quisto pela monarquia. Assim, a Legião Árabe, o exército que controlava a região em que se localizava al-Dawayima, esforçou-se para conter ou mesmo impedir que a informação sobre o massacre se espalhasse, algo que foi relativamente alcançado. Assim relata o historiador judeu israelense Ilan Pappe, em seu livro A Limpeza Étnica da Palestina.
Haja vista pouco ser dito sobre esse massacre, um dos mais brutais perpetrados pelo sionismo, Pappe dedica uma parte específica de sua obra a ele. Fundamentado no depoimento do mukhtar (líder religioso e autoridade política local) de al-Dawayima, Hassan Mahmoud Ihdeib, depoimento este corroborado por arquivos militares israelenses; mas também tendo por base depoimentos de sionistas que tiveram parte no massacre, a exposição de Ilan Pappe sobre o massacre mostra de forma clara a natureza fascista do sionismo, e como sua solidificação só foi possível através de uma verdadeira limpeza étnica.
Pappe inicia sua exposição citando o mukhtar, que relata que o vilarejo foi invadido por três flancos pelos sionistas, logo após a oração do meio-dia de 28 de outubro de 1948, deixando os poucos guardas da aldeia sem qualquer reação. Como frequentemente era feito, as tropas deixaram uma rota de fuga. Quando a fuga não ocorreu no exato momento desejado pelo sionismo, o massacre se deu com os militares judeus atirando indiscriminadamente contra os vários dos aldeões palestinos:
“Meia hora depois da oração do meio-dia de 28 de outubro, recordou o mukhtar, vinte carros blindados entraram na aldeia vindos de Qubayba enquanto soldados atacaram simultaneamente do flanco oposto. As vinte pessoas, todos que guardavam a aldeia ficaram imediatamente paralisadas de medo. Os soldados nos carros blindados abriram fogo com armas automáticas e morteiros, entrando na aldeia em um movimento semicircular. Seguindo rotina estabelecida, cercaram a aldeia por três flancos, deixando abrir o flanco oriental com o objetivo de expulsar 6.000 pessoas de uma só vez. Quando isso não aconteceu, as tropas saltaram de seus veículos e começaram a atirar nas pessoas indiscriminadamente”.
O já citado historiador Benny Morris descreve bem como seu deu a ofensiva dos sionistas, inclusive resgatando citações de veteranos do 89º Batalhão:
“Dawayima foi capturada por companhias do 89º Batalhão, Oitava Brigada, que encontrou apenas “fraca resistência”, em 29 de Outubro. As tropas, montadas em meias-lagartas, primeiro lançaram um morteiro e uma metralhadora de barragem e então invadiram, com metralhadoras em punho. Quarenta aldeões foram baleados dentro das casas, nos becos e nos arredores das encostas enquanto eles fugiam:
Ao subirmos nos telhados, vimos árabes correndo pelos becos [abaixo]. Abrimos fogo contra eles… Da nossa posição elevada vimos uma vasta planície que se estendia para leste… e a planície foi coberta por milhares árabes que fugiam… As metralhadoras começaram a disparar e a fuga acabou em uma derrota.”
Muitos buscaram refúgio na mesquita da aldeia sem qualquer sucesso, pois não foram poupados. Outros que conseguiram fugir tentaram se esconder em uma caverna local tida por sagrada. Também não adiantou:
“[…] muitos dos quais correram para a mesquita em busca de abrigo ou fugiram para uma caverna sagrada próxima, chamada Iraq al-Zagh. Aventurando-se de volta à aldeia no dia seguinte, o mukhtar contemplou com horror as pilhas de cadáveres na mesquita – com muitos mais espalhados pelas ruas – homens, mulheres e crianças, entre eles o próprio pai. Quando ele foi para a caverna, encontrou a entrada bloqueada por dezenas de cadáveres”.
Segundo testemunhado pelo líder religioso, foram assassinados um total de 455 aldeões, dentre os quais 170 crianças e mulheres.
Um terror que é inclusive corroborado pelos próprios sionistas que participaram do massacre, coletados pelo historiador Benny Morris e citados em seu livro “O Nascimento do Problema dos Refugiados Palestinos”, o qual é utilizado como referência por Pappe:
“[…] bebês cujos crânios foram abertos, mulheres estupradas ou queimadas vivas em casas e homens esfaqueados até a morte”.
No mesmo sentido, há relato que consta do diário de Guerra de Ben Gurion, dado por um soldado israelense, que teve parte no massacre, e que proveu seu relato para Shabtai Kaplan, outrora membro do Maplam, um já extinto partido “marxista” israelense. Segundo o relato do soldado, as tropas sionistas assassinaram crianças utilizando-se pedaços de pau para esmagar-lhes os crânios, de forma a não deixar nenhuma casa sem mortos. No que diz respeito aos aldeões que não fugiram e os que ficaram vivos após os primeiros ataques, foram trancafiados em casa, deixados sem água e comida, e então tiveram suas residências explodidas.
Um nível de crueldade que não eram meras tropas fugindo ao controle de seus comandantes, mas que estavam seguindo a diretriz geral do sionismo em seu tratamento em relação aos palestinos, conforme constatado pelo próprio Pappe, ao resgatar a seguinte diretriz que o comando do Batalhão 89 recebeu de Yagael Yadin, Chefe do Estado Maior das FDI:
“Seus preparativos devem incluir guerra psicológica e ‘tratamento’ dos cidadãos como parte integrante da operação”.
Embora não receba a devida atenção, o al-Dawayima é possivelmente o pior massacre daqueles que ocorreram como parte da Nakba, pior ainda que o de Deir Yassin. E é mais um que comprova que o sionismo é, em sua própria essência, uma forma de fascismo, e que o Estado de “Israel” foi fundado ilegitimamente sobre a limpeza étnica da Palestina, ou seja, sobre a expulsão massiva de uma população local, expulsão esta que só foi possível através da mais abjeta violência e extermínio de milhares de palestinos.